A ditadura pós-1964 enquanto forma de segregação política
Autores
Celso Ramos Figueiredo Filho
Resumo
Resumo: Neste artigo, procuramos mostrar que o Estado autoritário
brasileiro pós-64 praticou, simultaneamente, e de forma a se
complementarem, duas modalidades de segregação descritas por
Lacan: a derivada do Discurso da Ciência moderna e aquela imanente
à constituição dos grupos. Lacan descreveu essas formas de segregação,
respectivamente, na “Proposição de nove de outubro de 1967” e no
“Seminário 17, Lição de 10 de março de 1970”. No primeiro caso,
a ditadura fez uso da “Doutrina de Segurança Nacional” (DSN),
formulada e difundida por ideólogos conservadores, e que se pautava
numa análise da conjuntura brasileira ancorada no positivismo e
no anticomunismo. Nos termos cientificistas da DSN, a sociedade
brasileira, incapaz de gerir a si própria devido à miscigenação, deveria
ser guiada por um Estado forte e centralizador. E, no segundo caso,
os policiais e militares brasileiros responsáveis pela repressão política –
estivessem ou não doutrinados nos termos da DSN – constituíam uma
frátria, de modo a focalizar no “subversivo”, o “estranho”, o “out group”,
ao qual era dirigida toda pulsão destrutiva. E, neste caso, sugerimos
a hipótese de que a ditadura instrumentalizou para suas finalidades
repressivas na luta de classes o sentimento de “estranheza” tal como
descrito por Freud no artigo “O Estranho” (1919), estando, portanto,
esse sentimento inconsciente na base da segregação político-social tão
facilmente detectável nas sociedades capitalistas, e que foi potencializado
pela ditadura.
Palavras-chave: segregação; anticomunismo; ditadura; “estranho”;
repressão política.
Abstract: We show herein that the post-1964 Brazilian authoritarian
state practiced, in a simultaneous and complementary way, the two
schemes of separation that are described by Lacan: one that comes as
a result of the discourse of modern science and that which is inherent
in group formation. Lacan described such forms of separation in hisProposition of October 9, 1967 and Seminar 17, Lesson of March 10, 1970,
respectively. In the first case, the Brazilian dictatorship used the Brazilian
National Security Doctrine (DSN, acronyms in Portuguese), which was
formulated and spread by conservative ideologues, and stood out for a
positivism- and anticommunism-based analysis of the Brazilian state of
affairs. According to the DSN’s scientist views, because it was unable
to manage itself due to miscegenation, the Brazilian society should be
guided by a strong, centralizing State. In the second case, the Brazilian
military and police, who were responsible for political repression –
whether or not indoctrinated as part of the DSN –, were a fraternity
with an emphasis on the “subversive”, the “strange”, the “out-group”,
against which all the destructive drive was directed. In this case, we
suggest the possibility that the Brazilian dictatorship instrumentalized
the feeling of uncanniness, as described by Freud in his 1919 essay
The Uncanny, for its repressive class-struggle purposes. Therefore, such
unconscious feeling, as empowered by the Brazilian dictatorship, acts as
a basis for a social and political separation that is so easily detectable in
capitalist societies.
Keywords: separation; anticommunism; dictatorship; “uncanny”;
political repression.
Biografia do Autor
Celso Ramos Figueiredo Filho
Historiador, Mestre em História Social (USP), Doutor em Psicologia Social (PUC-SP).
Professor de História na UniRadial-Estácio e UNISA.