Resumo: O artigo trata, a partir do filme Revelações, baseado no romance
homônimo de Philip Roth A marca humana, considerações sobre o
contemporâneo que, ao pretender suprimir a diferença sob o rótulo do
politicamente correto, gesta uma realidade mais intolerante. A tese é que
tal realidade violenta é gestada nos momento de tédio, tão almejados pela
homeostase pulsional. O discurso politicamente correto traz essa fantasia
de pureza, mas é obsceno, pois tenta suprimir a diferença absoluta pela
santidade fingida. O filme retratando o momento político-social norteamericano
durante o escândalo Clinton-Lewinsky, é o retrato do longo
tédio que o neoliberalismo impõe como nova ordem social. Tal tédio
é pensado com a tentativa de fazer o Um englobante, que arma um
cenário que conjuga o cansaço da vida com o obsceno. Tal sentimento
já fora identificado por George Steiner ao analisar o horror dos atos
de guerra no século XX, que teriam sido gestados durante o século
anterior. O aborrecimento do século XIX foi gestado durante os séculos
turbulentos representados pela revolução francesa, fenômeno histórico
que influenciou nosso social com o parlamentarismo, o comunismo e
até o nacional-socialismo. Não só pelo tumulto como também como
um novo modo de vida operado por uma nova classe social no poder,
e que cria uma nova junção entre o imaginário e o simbólico. Logo
após esse momento de turbulência, um grande tédio, mas que dentro de
sua contradição gestou em seu seio uma crítica “nervosa”, e por isso a
modernidade pode ser considerada neurótica. Uma nova combinatória
erótica em que o declínio da imago paterna provoca. Mas os momentos
turbulentos do advento da segunda guerra mundial parecem ter de novo
possibilitado um grande momento de fastio, culminado no novo arranjo
do modo de produção capitalista, o neoliberalismo. Uma nova erótica,
uma mutação que faz passar uma economia organizada pelo recalque
para uma economia organizada pelo gozo. Um novo tédio se organiza
pela falta de utopia, onde não há possibilidade de separação de objeto.
Palavras-chave: psicanálise; neoliberalismo; sociedade do tédio.
Abstract: Based on Philip Roth’s The Human Stain, this piece starts with a
movie of the same name to consider modern-day life that, when intending
to suppress the difference under the guise of what is politically correct,
gestates a reality that is more intolerant. It is theorized that such violent
reality is devised in moments of boredom, which is so much desired by
the homeostasis of drive. Politically correct discourse shows this fantasy of
purity, but it is obscene, since it attempts to suppress absolute difference
in favor of a make-believe holier-than-thou superiority. The movie, which
depicts the American social and political moment during the Monica
Lewinsky scandal, is the portrait of the long tedium that neoliberalism
imposes as the new social order. Such tedium is designed to be the allencompassing
One, which sets the stage for combining l’ennui with the
obscene. This feeling was already identified by George Steiner when he
analyzed the horror of the acts of war in the 20th Century, which were
supposedly incubated throughout the previous century. The boredom of
the 19th Century was gestated during the turbulent centuries leading up
to the French Revolution, a historical phenomenon that influenced our
society with Parliamentarism, Communism, and National Socialism, not
just by the uproar, but also by a new way of life that was operated by
a new social class in power, which created a new junction between the
imaginary and the symbolic. Soon after this moment of turbulence, there
was a vast boredom that, in its contradiction, entailed an “angry” critique.
This is why modernity can be considered neurotic. This is about a new
erotic combination that the father imago’s decline brings about, since it
ceases to make an impact. But turbulent times, with the coming of the
World War II, seem to have made it impossible for a new great moment
of bore to happen anew, thus culminating in the new configuration of
the capitalist mode of production: neoliberalism. This is a new erotica, a
change that makes an economy organized around repression become one
that is organized around la jouissance. A new tedium is organized because
of the lack of utopia, since there is no possibility of separating the object.
Keywords: psychoanalysis; neoliberalism; society of tedium.
Biografia do Autor
Sérgio Luis Braghini
Psicanalista, Doutorando em Ciências Sociais pela PUC-SP, Professor do Curso de Pós-Graduação em
Sociopsicologia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Membro do Fórum do Campo
Lacaniano de São Paulo
