Vítor Hugo dos Reis Costa[1]
Doutorado em filosofia na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Contato: costavhr@gmail.com
Alexandra Dias Ferraz Tedesco
Doutora em História pela Universidade Estadual de Campinas. Professora adjunta do Departamento de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Contato: alexandra.tedesco@gmail.com
Resumo: Trata-se da exploração da presença discreta do pensamento sociológico de Pierre Bourdieu na hermenêutica filosófica de Paul Ricoeur. Diferentemente do que acontece com outros autores, citados – como Jean-Paul Sartre e Reinhart Koselleck – ou comentados – como Martin Heidegger – no contexto do uso ou debate de suas ideias por parte de Ricoeur, Bourdieu comparece de forma discreta, quase anônima, quando Ricoeur lança mão de seus conceitos. O presente texto, em um primeiro momento, mapeará essa situação e suas implicações teóricas. Em um segundo momento, a sociologia bourdieusiana será mobilizada enquanto expediente por meio do qual essa omissão do nome de Bourdieu na obra de Ricoeur pode ser compreendida. Por fim, será apresentada uma proposta de incorporação de um momento sociológico na hermenêutica do si para fins de seu enriquecimento e ampliação.
Palavras-chave: Bourdieu. Ricoeur. Disposições duráveis. Mesmidade
Abstract: This article explores the discreet presence of Pierre Bourdieu's sociological thought in Paul Ricoeur's philosophical hermeneutics. Unlike other authors who are cited – such as Jean-Paul Sartre and Reinhart Koselleck – or commented on – such as Martin Heidegger – in the context of Ricoeur's use or debate of their ideas, Bourdieu appears discreetly, almost anonymously, when Ricoeur uses his concepts. This text will first map this situation and its theoretical implications. Secondly, Bourdieu's sociology will be mobilized as a means by which this omission of Bourdieu's name in Ricoeur's work can be understood. Finally, a proposal will be presented for incorporating a sociological moment into the hermeneutics of the self for the purpose of enriching and expanding it.
Keywords: Bourdieu. Ricoeur. Durable dispositions. Sameness
“A vida é assim: não se parece com o romance picaresco onde o herói, de capítulo em capítulo, é surpreendido por acontecimentos sempre novos, sem nenhum denominador comum; é parecida com essa composição que os músicos chamam tema com variações. (…) Você não escapará ao seu destino! (…) Você não escapará ao tema de sua vida! Isso quer dizer que será uma quimera tentar implantar no meio de sua vida uma “vida nova”, sem nenhum relacionamento com sua vida precedente, partindo do zero, como se diz. Sua vida será sempre construída com os mesmos materiais, os mesmos tijolos, os mesmos problemas, e o que você poderia considerar no princípio como uma “vida nova” logo aparecerá como uma simples variação do já vivido. (…) Em sua juventude, o homem não está em condições de perceber o tempo como um círculo, mas apenas como um caminho que o conduz direto para horizontes sempre diversos; não percebe ainda que sua vida contém apenas um tema; perceberá isso mais tarde, quando a vida compuser suas primeiras variações.”
– Milan Kundera
Um dos principais discípulos ou herdeiros intelectuais do filósofo Paul Ricoeur foi, sem dúvidas, o historiador François Dosse. Além de ter se tornado biógrafo do filósofo enquanto este ainda estava vivo, Dosse também tematizou a prática da biografia em sua obra intitulada O desafio biográfico. Na obra, a perspectiva ricoeuriana acerca do tema da identidade pessoal – a saber, a de que esta só é adequadamente compreendida quando narrada, enquanto identidade narrativa – recebe, por parte de Dosse, uma atenção especial. É com ela que Dosse (2009, p. 240) sugere que se enfrente a perspectiva existencialista e sua proposta de um sujeito mutilado de seu passado. É a noção ricoeuriana de identidade narrativa que permite, também, o enfrentamento dos constrangimentos produzidos para a prática biográfica, segundo o historiador, pela sociologia de Pierre Bourdieu. Segundo Dosse,
Ricoeur propõe ultrapassar a alternativa entre dissolução da identidade e manutenção de uma identidade fixa distinguindo a identidade compreendida como o mesmo (Idem) e a identidade compreendida no sentido de si mesmo (Ipse). É essa segunda forma de identidade que confronta o sujeito com o tempo, com a mudança, com mutações constitutivas na relação com o outro. Somente a dialetização dessas duas dimensões, a ipseidade e a mesmidade, permite, pela mediação da identidade narrativa, restituir uma coesão de vida que não cessa de se fazer e se desfazer. (…) A emergência de um si, que já não é um eu devido às alterações provenientes de sua relação com o outro e de sua travessia do tempo, oferece um meio de sair da “ilusão biográfica” denunciada pela sociologia bourdieusiana. (DOSSE, 2009, p. 408)
Curiosamente, se Dosse se serve de Ricoeur para enfrentar o desafio de Bourdieu, em O si-mesmo como outro, Ricoeur (2014, p. 121) dirá textualmente que “o caráter, diria eu hoje, designa o conjunto das disposições duráveis pelas quais se reconhece uma pessoa”. Portanto, é literalmente lançando mão de uma expressão consagrada por Bourdieu que Ricoeur define um dos polos de sua noção de identidade narrativa. Em suma, se a identidade narrativa é uma perspectiva que permite a saída da ilusão biográfica denunciada por Bourdieu, essa saída parece ser realizada precisamente com o auxílio, indireto ou inconfessado, da sociologia bourdieusiana.
Essa é a hipótese que o presente artigo se propõe a explorar, a saber, a de que a presença indireta ou inconfessada dos influxos da sociologia bourdieusiana na filosofia ricoeuriana da identidade narrativa é maior do que a que comumente se supõe. Uma das razões que sustenta essa hipótese é a ênfase dada por Ricoeur, em seu conceito de ipseidade, na capacidade de constância que alguém consegue exercitar por meio, por exemplo, do cumprimento das promessas. Se para Bourdieu (2002, p. 83), “sendo produto da história, o habitus é um sistema de disposições aberto, permanentemente afrontado a experiências novas e permanentemente afetado por elas. Ele é durável, mas não imutável”, para Ricoeur, a ipseidade, diferentemente da mesmidade representada pelo caráter constituído pelos hábitos duráveis e mais ou menos estáveis, é sobretudo uma capacidade de se manter o mesmo por meio de um esforço ético. A hipótese aqui apresentada, portanto, é a de que no nível daquilo que Bourdieu chama de habitus se sedimenta um estoque de disposições que, variando sobre uma célebre fórmula de Heidegger – a ideia de uma força silenciosa do possível –, chamaremos de força silenciosa do enredo, força que, quando se mostra, tende a se mostrar enquanto força ruidosa dos constrangimentos. Em outras palavras, tudo se passa como se uma vida individual se desdobrasse como história dentro dos marcos de alguns temas básicos – e de variações desses temas – solidamente sedimentados em termos de disposições duráveis.
É possível rastrear o tema da relação entre vida e narrativa no pensamento contemporâneo até meados dos anos 60 ou, com alguma boa vontade, até A náusea, de Jean-Paul Sartre (2005), publicada em 1938. Na obra, uma defesa dramática e dramatizada da ideia de que a relação entre vida e narrativa é de completa incomensurabilidade. Essa posição será lembrada, no começo dos anos 80, em Depois da virtude por Alasdair MacIntyre (2001), para o qual a posição sartreana é sobretudo índice de uma concepção deteriorada dos papéis sociais, das histórias pessoais e da identidade pessoal. É no debate aberto por MacIntyre – no qual tomará parte em sua esteira, por exemplo, o filósofo Charles Taylor em As fontes do self – que se inscreverá o pensamento de Paul Ricoeur sobre o papel da narração na constituição da identidade pessoal. Segundo uma alegação feita em um pequeno texto intitulado Vida: uma narrativa em busca de narrador, Ricoeur (2010d, p. 211) situará identidade narrativa como um expediente intermediário entre concepções da identidade pessoal pensadas como “transformação pura e identidade absoluta”. O texto, publicado no período intermediário entre Tempo e narrativa e O si-mesmo como outro, sustenta uma similaridade estrutural entre vida e narrativa que não foi e não será novamente sustentada por Ricoeur nas obras maiores[2] – ao menos não com a mesma ênfase. Em Tempo e narrativa, vale dizer, a noção de identidade narrativa só será diretamente tematizada nas considerações finais da obra. Já nestas breves considerações encontramos elementos que se tornaram centrais para a reflexão sobre identidade narrativa em O si-mesmo como outro, a saber, os conceitos que nomeiam os dois registros identitários enredados pela prática narrativa: ipseidade e mesmidade. Diz Ricoeur:
Sem o auxílio da narração, o problema da identidade pessoal está, de fato, fadado a uma antinomia sem solução: ou se supõe um sujeito idêntico a si mesmo na diversidade de seus estados, ou então se considera, na esteira de Hume e de Nietzsche, que esse sujeito idêntico não passa de uma ilusão substancialista, cuja eliminação faz desaparecer tão somente um puro diverso de cognições, emoções e volições. O dilema desaparece se a identidade for entendida no sentido de um mesmo (idem) for substituída pela identidade entendida no sentido de um si-mesmo (ipse); a diferença entre idem e ipse não é outra senão a diferença entre uma identidade substancial ou formal e a identidade narrativa. (RICOEUR, 2010c, p. 418-9)
Cabe enfatizar que nas páginas finais de Tempo e narrativa, Ricoeur está pensando em termos de uma substituição da identidade idem pela identidade ipse. Tudo se passa como se, portanto, identidade narrativa e ipseidade fossem sinônimos: enquanto uma identidade pessoal só poderia aparecer em sua ipseidade por meio da narração de sua história, a representação da mesmidade de uma identidade pessoal não demandaria mais do que uma listagem descritiva de certos traços estáveis ou, se quisermos antecipar o diálogo com Bourdieu, disposições duráveis cuja abordagem dispensaria uma abordagem tão diacrônica quanto a proporcionada pela narração.
Ainda sobre o estatuto da concepção de identidade narrativa nas páginas finais de Tempo e narrativa, cabe observar que Ricoeur (2010c, p. 422) admite que “a identidade narrativa não é uma identidade estável e sem falhas” pois “não cessa de se fazer e de se desfazer”, se tornando assim “o título de um problema, tanto quanto o uma solução”, acrescentando que “uma pesquisa sistemática sobre a autobiografia e o autorretrato confirmaria sem nenhuma dúvida essa instabilidade principial da identidade narrativa”. A ipseidade, até aqui sinônimo de identidade narrativa, retira o expediente identitário de um vértice meramente sincrônico e apreensível por listagens descritivas de qualidades e a coloca no horizonte diacrônico de uma temporalização permanente. Todavia, se a dimensão apreensível de uma ipseidade é apreensível narrativamente – e somente narrativamente – todavia, como afirmará Ricoeur (p. 422) em Tempo e narrativa e em textos subsequentes, “a identidade narrativa não esgota a questão da ipseidade do sujeito”. Conforme Ricoeur dirá em Vida… (2010d, p. 222), há sempre “um efeito retroativo da visão do porvir sobre a maneira de reler nosso próprio passado” e “a estruturação narrativa permanece sempre em relação com uma capacidade de se projetar na dianteira”, acrescentando que “Sartre o dissera excelentemente com sua ideia de projeto existencial” que “ultrapassa a memória e a narrativa”. Se a passagem se conclui com a alegação de que “a identidade narrativa deve se retomada inteiramente a partir dessa relação entre expectativa e narrativa”, em O si-mesmo como outro Ricoeur mencionará uma vez mais o nome de Sartre, agora associado ao do historiador Reinhart Koselleck, e dirá que
Na compreensão de si, a mímesis práxeos parece só conseguir abranger a fase já passada da vida e precisar articular-se com previsões e projetos, segundo um esquema semelhante ao proposto por R. Koselleck em Vergangene Zukunft [Futuro Passado], em que a dialética entre “espaço de experiência” e “horizonte de expectativa” põe em relação a seleção dos acontecimentos narrados e as previsões pertinentes àquilo que Sartre chamava de projeto existencial de cada um. (RICOEUR, 2014, p. 172)
Se a expectativa e a projeção em possibilidades que demarcam o aspecto da ipseidade que se lança no futuro – condicionando e sendo condicionada pelo passado individual – são nomeadamente inspiradas nos pensamentos de Sartre e Koselleck, todavia, na mesma obra Ricoeur fará uma declaração que indica uma mudança de concepção de identidade narrativa relativamente ao que dissera em Tempo e narrativa. E é precisamente na passagem em que se observa essa mudança que encontramos o vocabulário bourdieusiano. Diz o hermeneuta:
O caráter, diria eu hoje, designa o conjunto das disposições duráveis pelas quais se reconhece uma pessoa. É dessa maneira que o caráter pode constituir o ponto-limite em que a problemática do ipse se torna indiscernível da problemática do idem e inclina a não as distinguir uma da outra. Por conseguinte, é importante interrogar-se sobre a dimensão temporal da disposição: é ela que remeterá mais longe o caráter no caminho da narrativização da identidade pessoal. (RICOEUR, 2014, p. 121)
Diferentemente dos nomes de Sartre e Koselleck, o de Bourdieu não aparece na passagem em que Ricoeur lança mão da noção de disposições duráveis. Se em Tempo e narrativa observamos uma tensão entre uma apresentação inadequada da identidade pessoal enquanto pura mesmidade e pura ipseidade, em Vida… vimos que essa polarização já era compreendida pelo autor como concepções de identidade absoluta e transformação pura. Em O si-mesmo como outro, portanto, observamos uma relação de dialética aberta entre ipseidade e mesmidade: enquanto esta é caracterizada pelas disposições duráveis, aquela é caracterizada como a instância de expectativa e projeção em possibilidades. Assim como Bourdieu propõe, como vimos em nossas considerações preliminares, um sistema de disposições aberto, que é durável mas não imutável, também Ricoeur (2014, p. 123) falará que o caráter, figura privilegiada da mesmidade, está sujeita a “dialética entre inovação e sedimentação, subjacente ao processo de identificação”, que não nos deixa esquecer que “o caráter tem uma história, contraída, dirão, no duplo sentido da palavra ‘contração’: abreviação e afetação”. Contraída, a história de um caráter permanece como que congelada até que a narração lhe confira a diacronia necessária por meio da qual o caráter é compreensível enquanto um dos polos da história de uma vida, de um percurso pessoal e singular marcado pelo que se fez, pelo que se sofreu e por aquilo que simplesmente aconteceu.
Se Ricoeur recorre aos nomes de Sartre e Koselleck para pensar projetos e expectativas, contudo, sua abordagem da ipseidade nas páginas de O si-mesmo como outro é sobretudo na promessa ou palavra dada enquanto instância que por excelência indica o outro modo de permanecer no tempo em oposição ao do caráter. Segundo Ricoeur (2014, p. 124), “a palavra cumprida expressa uma manutenção de si que não se deixa inscrever, como o caráter, na dimensão do algo em geral, mas unicamente na do quem?”. Sobre o pavimento dos projetos e das expectativas – do relacionamento com o futuro, portanto – Ricoeur está preocupado com a constância, com a persistência, com a manutenção de uma identidade que encontra (p. 125), no “cumprimento da promessa”, um legítimo “desafio ao tempo, uma negação de mudança: ainda que meu desejo mude, ainda que eu mude de opinião ou inclinação, ‘manterei’”. Mesmo que confesse se inspirar na noção de projeto existencial, aqui Ricoeur parece se afastar radicalmente de Sartre. Enquanto Ricoeur encontra na liberdade humana uma capacidade de ativamente permanecer o mesmo, Sartre – que reconhecerá, em O ser e o nada (2008, p. 676), que, no fundo, “o caráter é juramento” –, em seu Diário de uma guerra estranha (2005, p. 235), afirmará que “um juramento é uma confissão de desespero” que, de certo modo, revelaria menos o desejo de permanecer o mesmo do que a dificuldade com que essa tarefa será realizada.
A ipseidade que perde o socorro da mesmidade e não consegue permanecer a mesma em termos de projetos, promessas e expectativas é, segundo Ricoeur, o paradigma do caso desconcertante de sua hermenêutica do si. É possível encontrar tanto em Tempo e narrativa quanto em O si-mesmo como outro as menções do hermeneuta aos casos desconcertantes por meio dos quais a arte do romance eventualmente revelou – como no caso de O homem sem qualidades, de Robert Musil – “o desnudamento da ipseidade por perda de suporte da mesmidade” (2014, p. 157). Segundo Ricoeur (2014), “um si privado do socorro da mesmidade” (p. 178) é a figura privilegiada das “noites da identidade pessoal”, da “apreensão apofática do si” dos momentos em que “as transformações mais dramáticas da identidade pessoal” talvez “tivessem de atravessar a prova desse nada de identidade” (p. 179). Figura conceitual de nossa relação ativa com o futuro, âmbito do nosso projetar e do nosso esperar, a ipseidade, porém, não pode ser privada do socorro da mesmidade sem pagar altíssimos custos existenciais. Eticamente impraticável e existencialmente insustentável, a hipótese de uma ipseidade pura é também, em certo sentido, difícil de conceber. Como observa João Botton (2017), “a ideia de uma ipseidade pura é somente uma hipótese especulativa com função bem determinada, a de fazer trabalhar ao limite a dialética da ipseidade e da mesmidade fazendo distinguir teoricamente ao máximo a primeira da segunda” (p. 124). Ainda segundo Botton, a hipótese de uma ipseidade pura revela a estatura da diferença da ipseidade em relação a mesmidade pois na ausência do suporte e do socorro desta, aquela “permanece marcando o lugar vazio a ser ocupado pelo sujeito, ainda que esse lugar não possa ficar vazio por muito tempo” (p. 79). Na mesma direção de Botton, Sara Fernandes alega que a ipseidade
nos reenvia, no pensamento ricœuriano, para aquilo que persiste em todos os seres humanos quando lhes são retirados todos os véus, quando são despidos de toda as características e/ou qualidades. Porém, a ipse não é nem uma essência nem algo material, como uma substância, mas antes, uma estrutura temporal; no seu limite, é a capacidade de se referir continuamente a si, como a mesma subjectividade, ao longo do tempo, a partir da mediação da alteridade, a partir das narrativas construídas sobre si e por si. A auto-referência é construída a partir da hetero-referência. Na incapacidade de se identificar com as narrativas construídas, essa auto-referência pode traduzir-se numa resposta vazia («eu não sou nada»). Nesta situação extrema, não podemos afirmar que estejamos perante uma identidade pessoal, apenas perante uma «ipseidade em busca do auxílio da mesmidade». (FERNANDES, 2008, p. 88)
O desconcerto causado por uma ipseidade desamparada de sua mesmidade pode, parece, ser pensada em termos mais graves do que os da frivolidade suavemente perversa do Ulrich de O homem sem qualidades, podendo talvez ser vista em sua descida em espiral na direção da noite da identidade pessoal representada pela trilogia de romances de Samuel Beckett: Malloy, Malone morre e O inominável. A noite se torna cada vez mais escura na medida em que os romances, que já começam com cenas desconcertantes de comportamentos virtualmente ininteligíveis e despropositados, termina com a estática pura de uma voz sem traços identitários, movida pela pura pulsão de continuar[3]. As disposições duráveis que constituem o polo da mesmidade são, portanto, um expediente que socorre a ipseidade e a protege da eventual dispersão completa.
Contudo, reiteramos, Ricoeur não paga os tributos da noção bourdieusiana que usa. Para tentar examinar as possíveis razões desse sonoro silêncio do nome do sociólogo na filosofia ricoeuriana, cabe agora interromper o zoom in interno ao texto de Ricoeur e operar um zoom out por meio do qual seja possível observar as possíveis razões para esse silêncio.
“Paul Ricoeur e Pierre Bourdieu se ignoraram largamente ao longo de suas carreiras de suas carreiras universitárias e de pesquisa”, nos informa Johann Michel (2014, p. 1), acrescentando que “os dois autores praticamente nunca citaram um ao outro”. Conforme mencionado, a referência que Ricoeur não faz a Bourdieu (a despeito da “comunicabilidade” dos conceitos que circulam entre ambos os autores), pode ser significativa da própria ideia de disposições duráveis e, nesse caso, para mencionar os termos de Bourdieu (2008), a categoria explicativa é a categoria a ser explicada. Se, teoricamente, as duas descrições são afins, talvez a diferença, ou desavença, não seja de ordem exclusivamente teórica, mas exatamente da ordem do habitus. Embora não seja o primeiro pensador a organizar seus argumentos em torno dessa ideia – Bourdieu remete-se, sobretudo, a Erwin Panofsky – é fato que, no campo intelectual francês pós-1968, é difícil conceber a ideia de que alguém adentrasse nesse debate sem mencionar o autor de A distinção. Isso porque, junto com o próprio crescimento relacional da disciplina sociológica no ensino superior francês, Bourdieu projetou-se como figura consular do College de France e da École de Sociologie, instituições que certamente não são estranhas a Paul Ricoeur. Qual ato de filiação está implícito na menção à Bourdieu ou no distanciamento em relação a ele e sua sociologia dos intelectuais? Menos do que posicionar Bourdieu como “sociólogo maldito” (o que ele esteve sempre longe de sê-lo, vale dizer), a proposta é pensar em que medida o próprio conceito de habitus ajuda a explicar adesões e distanciamentos intelectuais que nem sempre se colocam de maneira explícita, mas que lançam luz não apenas sobre a dinâmica prosaica do mundo acadêmico mas também sobre os debates disciplinares que organizam a circulação e a recepção de determinados conceitos (e de determinados usos a eles associados) e, dentro dela, das dinâmicas de citação.
No famoso manifesto L’Sprit de la Nouvelle Sorbonne, 1911, Agathon, pseudônimo de Alfred de Tarde (filho de Gabriel Tarde) e Henri Massis, colocava-se contra os reformadores que triunfaram na Sorbonne em 1904[4]. O manifesto pretendia falar em nome de uma juventude supostamente descontente e frustrada que desconfiava, sobretudo, da germanização da universidade francesa engendrada pela reforma do ensino superior que então ocorria. O foco da crítica é o que Agathon qualificava como “misticismo autoritário positivista”, a saber, a obsessão pelo método das ciências físicas que eliminaria, com seu afã organizador, toda a marca individual das pesquisas e, em consequência, toda possibilidade de gênio. A protagonista desse intento “místico” seria a nova disciplina sociológica, que dava seus primeiros passos no cenário acadêmico francês, definida por seus detratores como uma disciplina que “sob o estímulo do senhor Durkheim, se limita a uma coleção de materiais, a uma acumulação de pacientes observações nas quais os selvagens, os Botocudos ou os Iroquis tem o papel mais importante” (AGATHON, 1911, p. 27) . Com o apoio de historiadores como Seignobos, sustentava Agathon, instaurava-se a predominância de uma cultura livresca, que ignorava o fato consumado de que “nenhum trabalho puramente documental pode substituir o esforço da inteligência, o esforço da interpretação” (AGATHON, 1911, p. 58)
Nessa visão, a especialização do trabalho e a recusa do diletantismo, marcas dessa primeira sociologia francesa, faziam ecoar o legado do projeto positivista e, nesse sentido, a ideia de crise ganhava um sentido específico: não mais um impulso modernizador, mas um sintoma da perniciosa generalização da cultura científica que se condensava nas ciências sociais. Nesse sentido, questiona Agathon: “este projeto não é, afinal, um reconhecimento implícito da realidade do mal que denunciamos? A lacuna que ele afirma preencher é exatamente aquela que denunciamos” (idem, p. 90). A resistência a essa intelectualização e industrialização do saber, sustenta Agathon, encontrava-se precisamente do outro lado da rua, no Collège de France, e atendia pelo nome de Henri Bergson, representante da educação clássica e, sobretudo, da cultura que servia à vida. Neste ponto da análise é importante reiterar o alerta de Mucchili (2001) de que, além de se tratar de um recorte desproporcionalmente grande, a intenção de capturar uma “história da disciplina” sociológica escamoteia as múltiplas tensões que a compuseram, dentre elas o fato de que se corre o risco de ser anacrônico na atribuição da alcunha ‘disciplinar’ para contextos prévios à efetiva institucionalização (que, no caso da sociologia, é inclusive bastante tardia). Tendo em vista esse alerta, é possível, por outro lado, pensar numa história do processo de institucionalização disciplinar, mais atento às fissuras e aproximações heterodoxas, dentre as quais “a estrutura do espaço em questão, a distribuição desigual de recursos, as relações de poder disso resultantes e as estratégias implementadas pelos agentes para subvertê-las ou conservá-las” (HEILBRON, J. e GINGRAS, Y. 2015, p. 8).
Colocar a história da sociologia como campo disciplinar em questão é um modo de manter um alerta a ideia de que essa disciplina se desenvolve (especialmente no caso francês) em uma tensão entre a cultura científica da época e disciplinas como a História e a Filosofia, que possuiam prestígio mais sólido, porque mais antigo, na definição de objetos e métodos. O impacto dessas disputas não pode ser menosprezado, afinal, como alertam Heilbron e Gingras,
No mundo acadêmico, as ‘disciplinas’ representam uma estrutura institucional essencial, porque esse campo é baseado em uma divisão fortemente institucionalizada do trabalho. ‘Disciplinas’ são universos relativamente estáveis e delimitados. Elas foram estabelecidas durante o século XIX, adquiriram um nome conhecido e reconhecido e estruturaram uma ordem institucional com departamentos, procedimentos de certificação, periódicos, bem como órgãos nacionais e internacionais. As disciplinas são assim definidas pela existência de um capital coletivo de métodos e conceitos especializados cujo controle constitui o direito tácito ou implícito de entrada no campo. Eles produzem hábitos disciplinares específicos, isto é, sistemas de percepção e esquemas de apreciação incorporados, que constituem estilos mais ou menos distintivos (2015, p. 8)
Se assumirmos, portanto, que as disputas entre disciplinas compreendem múltiplas faces (teóricas, institucionais e atitudinais, ou seja, relativas à dimensão da definição da “persona intelectual” (Paul, 2011), estamos em condições de compreender de que modo um conceito – de habitus – circula de maneira tensional entre sociólogos e filósofos, como Bourdieu e Paul Ricoeur.
Se Bourdieu sustentou, por toda a vida, uma reflexão crítica sistemática sobre as condições sociais de disputa disciplinar, não se pode dizer que Ricoeur ignorou essas tensões. No texto La philosophie fascinée par son passé, publicado na revista Esprit em 1986 (junto de Alain Pierrot) vemos o filósofo recuperando um debate sobre a defesa da condição intelectual da filosofia que já havia frequentado em História e verdade. Falando sobre a voga “anti-filosofia” na França dos sixties, Ricoeur comenta, a propósito do livro de Luc Ferry e Alain Renaut, La pensée 68, algumas dessas tendências. O uso de categorias sociológicas como as de “tipo ideal” de Max Weber, por exemplo, assim como o tom polemista de “denúncia” de certos fenômenos culturais que perpassam as reflexões filosóficas, são algumas dessas iniciativas que prosperavam no então hiperpolitizado campo intelectual francês. A propósito da análise que Bourdieu propõe sobre Heidegger em L´ontologie politique de Martin Heidegger, Ricoeur afirma: “o processo é, portanto, puramente polêmico: podemos ‘reduzir sociologicamente’ os epígonos, mas não os filósofos autênticos, precisamente porque o seu pensamento, cuja originalidade é a marca, lhe escaparia” (1986, p. 140, tradução nossa). Tudo se passa como se os ares de 1968 propusessem um enfrentamento disciplinar em relação à filosofia não pelo conteúdo das teses de seus principais personagens, mas pelo que ela tem de teórico e contemplativo, pouco afeita à ação no mundo e mais inclinada a interpretar o mundo do que, propriamente, a transformá-lo. As posturas disciplinares são contrastantes também aqui. Dois caminhos podem nos ajudar a identificar o cerne desse desacordo: por um lado, no campo das auto-definições, enquanto Ricoeur está defendendo a possibilidade de que não tenhamos vergonha de ser intelectuais em sentido clássico, Bourdieu está formulando o adágio que dá coerência à sua agenda de pesquisa: a sociologia é um esporte de combate. Por outro lado, para além dessas reflexões propriamente disciplinares, o próprio argumento da sociologia de Bourdieu é um enfrentamento à “teoria teórica”, dessa vez não por seu descolamento do mundo social em si mesmo, mas pela incapacidade que essa postura ostenta em não admitir que é na prática que se compreendem as disputas propriamente teóricas.
Em O senso prático, Bourdieu nota que uma das razões para certa dificuldade de trânsito disciplinar de conceitos de sua sociologia se deve à uma dificuldade anterior, a de superar o antagonismo entre subjetivismo e física social, não através da negação desses extremos disciplinares mas através da consideração do campo da prática, espécie de arena intermediária que, se não funciona como expediente de eufemização de radicalismos, ajuda a ver certas acomodações e dinâmicas do mundo acadêmico em ação. Essa é uma demanda metodológica relevante porque o habitus (conjunto de inclinações incorporadas, ou de “disposições duráveis” para usar os termos canônicos) está ligado às estimativas de concretização prática do sujeito. Em outras palavras, o leque dos possíveis dentro dos quais se desenvolvem as expectativas individuais é construído a partir de medições práticas, às quais alguém é exposto desde sua mais tenra idade. Nesse sentido, o habitus poderia ser pensado como um sistema prévio de entendimento (e, portanto, de julgamento de possibilidades e de ação no mundo), construído a partir de esquemas de percepção cuja coesão é garantida pela afinidade entre o conteúdo dessas disposições prévias e o universo social na qual o indivíduo adentra. Esses esquemas, específicos de cada grupo social, são resultado de uma combinação de intervenções de distintos dispositivos sociais (como a escola e a família), mas não se reduzem à uma tradução, a nível individual, das “ideologias” desses ambientes. Ao contrário, esses esquemas são compostos por negociações e ajustes que permitem que um indivíduo mobilize essa compreensão prévia nas estruturas objetivas do mundo social. Nos termos de Sarlo e Altamirano (2001, p. 148), “o habitus, matriz de toda objetivação, inclusive daquela forma de objetivação que são os discursos, tem a qualidade de ser flexível o suficiente para engendrar novas respostas a novas situações e, sobretudo, de ser transfigurado de acordo com a lógica específica de cada campo”.
Uma interiorização da exterioridade, poderíamos dizer, que leva a uma liberdade condicionada e condicional. O conceito de habitus, dessa forma, entendido através de sua aplicação bourdiesiana, é um reconhecimento dos constrangimentos do mundo na composição dos possíveis que delimitam as escolhas (e os gostos) individuais. Talvez isso bastasse para delimitar uma distância disciplinar importante, ainda que não intransponível, entre essa acepção e aquela mobilizada por Ricoeur através da expressão “disposições duráveis”. Mas vamos ainda pontuar algumas dimensões conceituais do habitus a partir de algumas formulações que aparecem ao longo da obra de Bourdieu.
Em Meditações pascalianas (obra tardia), lemos que o esse conjunto de disposições socialmente adquiridas e inscritas nas subjetividades dos membros de um mesmo grupo social, pode ser também apresentado como um “sentido do jogo”. Essa expressão é importante porque o conceito de habitus funciona, na obra de Bourdieu, atrelado à ideia de campo, espaço social mais ou menos autônomo que atrai portadores de certos habitus e que os premia posicionalmente conforme adequam a compatibilidade entre os esquemas de percepção introjetados e aqueles princípios que organizam as dinâmicas do próprio campo. Nos termos de Bourdieu,
A lógica específica de um campo se institui em estado incorporado sob a forma de um habitus específico, ou melhor, de um sentido do jogo, ordinariamente designado como um "espírito" ou um "sentido" (“filosófico”, “literário”; “artístico” etc.), que praticamente jamais é posto ou imposto de maneira explicita. Pelo fato de operar de modo insensível, ou seja, gradual, progressiva e imperceptível, a conversão mais ou menos radical (conforme a distância) do habitus originário requerido pela entrada no jogo e consequentemente aquisição do habitus específico acaba passando despercebida quanta ao essencial (2001, p. 21).
Essa característica torna o processo imperceptível e, certamente, contribui para que as ações individuais sejam entendidas, pelo próprio sujeito, como mais individuais do que de fato poderiam ser, já que, sobretudo em campos como o intelectual, é preciso acreditar na mágica antes de acreditar na demonstração.
No texto que Bourdieu assina com Monique Saint Martin, Categorias do entendimento professoral, vemos essa situação operando. Falando sobre o campo das trajetórias possíveis de dois grupos muito específicos – um conjunto de normalistas francesas e um de obituários de professores de filosofia – os autores mais uma vez tematizam os princípios que – ainda que não se anunciem clara ou publicamente – dão coesão ao grupo ao qual um sujeito adentra com seu habitus incorporado. Efetivamente, o habitus atua no início da trajetória de vida, na medida em que é através dele que se estabelece a percepção das possibilidades reais de cada sujeito inserido em determinado grupo social. Alguém é capaz de compreender (ainda que pré-reflexivamente), nesse sentido, que determinados “campos” são mais refratários ou mais amigáveis àquele conjunto de disposições por essa pessoa internalizados. O campo acadêmico, por exemplo, se mostra mais natural para aqueles cujo habitus é formado a partir de atributos incorporados – e demonstrados, cotidianamente, como marcas corporais, trejeitos, etc – associados à ideia do que significa “ser um acadêmico”. Nos termos de Bourdieu e Saint Martin (1998, p. 196), “a homologia entre as estruturas do sistema de ensino (hierarquia das disciplinas, das seções, etc) e as estruturas mentais dos agentes (taxinomias professorais) está no princípio da função de consagração da ordem social que o sistema de ensino preenche sob a aparência da neutralidade”
O habitus, enfim, poderia ser localizado na base das estratégias individuais. Seria o estoque de sistemas de entendimento do mundo que permitem que os desejos estejam em compatibilidade com as possibilidades (justamente porque se formam a partir delas). Dessa conexão se compreende, conforme Bourdieu argumentou em The State Nobility, de que forma a ilusio, ou a crença no sentido do jogo, acabe funcionando como uma garantia da correspondência entre estruturas objetivas e sua replicação em estruturas subjetivas e individuais.
Esse diagnóstico, sobretudo quando aplicado a campos como o acadêmico (no qual qualquer constrangimento estrutural é prontamente compreendido como um ataque à singularidade irredutível na qual se fundamentam muitas personas professorais), angariou para Bourdieu e muitos de seu entorno uma posição insólita entre seus colegas sociólogos e praticantes de disciplinas vizinhas. Essa animosidade foi inclusive tratada por Bourdieu em Homo academicus, cujo primeiro capítulo é sugestivamente intitulado Um livro para queimar?. Nesse texto, Bourdieu (2013, p. 61) explora a dificuldade de tematizar um campo ao qual se pertence, na medida em que “o campo universitário reproduz em sua estrutura o campo de poder cuja estrutura contribui para reproduzir por sua própria ação de seleção e inculcação”. Quando o conceito de habitus entra em campo, ele tende a afastar a ideia de que a vida intelectual é povoada por criadores incriados de suas próprias ideias, e apresenta as trajetórias a partir de estratégias concretas que, apesar de não servirem para desqualificar quaisquer empreendimentos individuais, circunscrevem as escolhas pessoais. Essa reflexão tomou forma também no texto A ilusão biográfica, que nos ajuda a retornar ao argumento inicial deste tópico: de que modo o conceito de habitus pode ajudar a entender não apenas adesões presumidas no campo intelectual, mas também distanciamentos não evidentes e seus impactos na fortuna crítica de um ou outro conceito.
A ideia de “ilusão biográfica” coincide com o intento de certa sociologia dos intelectuais em evitar transposições arbitrárias da filosofia da história para o âmbito da biografia e da autobiografia. Se, efetivamente, falar de história de vida pressupõe que a vida pode ser, em alguma medida, contada, para o argumento de Bourdieu disso não se segue que ela possa ser contada como um percurso retilíneo cujo fim acaba definindo os termos do começo. A busca por imprimir sentidos, causalidades e intenções depois que as coisas já aconteceram – ou no fim da vida, como fizeram grandes personas como Sartre – faria com que quem se descreve se tornasse algo como um ideólogo da própria vida. A possibilidade de que essa opção narrativa frutifique e efetivamente esteja associada à percepção social de determinado sujeito é condicionada, ainda, pelo poder do nome próprio, atestado visível da identidade do sujeito e, talvez, o maior patrimônio de indivíduos que procuram definir-se como intelectuais. Nos termos de Bourdieu (em Amado e Ferreira, 2006, p. 188) “tentar compreender uma vida como uma série única e por si suficiente de acontecimentos sucessivos, sem outro vínculo que não a associação a um ‘sujeito’ cuja constância certamente não é senão aquela de um nome próprio, é quase tão absurdo quanto tentar explicar a razão de um trajeto no metrô sem levar em conta a estrutura da rede”. Essa “estrutura da rede”, erroneamente reduzida ao “contexto” de enunciação de certos discursos ou moldura de certas atitudes individuais, pode ser um caminho frutífero para pensar aproximações disciplinares através do conceito de “disposições duráveis”. Isso porque, por um lado, ela aciona o campo das práticas ao indicar que o habitus que cada um de nós carrega, e sua compatibilidade ou incompatibilidade com determinados campos, faz parte da própria inteligibilidade dessa estrutura, ou dessa “malha ferroviária” que nada mais é do que o rol dos “possíveis” circunstanciados por nossa experiência social. Por outro, é suficientemente perene – porque instável e suscetível à eventuais guinadas bruscas – à uma concepção não redutora de “condicionamentos sociais”, mais parecida com uma “força silenciosa do enredo”, conforme desenvolveremos no próximo tópico – concebido, por Ricoeur, como aquilo que é contraído em dois sentidos, isto é, adquirido e que permanece compactado até ser narrado – do que com uma interdição objetiva das possibilidades de invenção biográfica. Nesse sentido, a identidade pessoal não está ameaçada pelas disposições duráveis mas, como mostrou Norbert Elias em sua biografia de Mozart (A sociologia de um gênio), assegurada pelo efeito de contraste entre o percurso do trem e as possibilidades históricas da trajetória.
Tudo parece se passar como se o expediente sociológico afugentasse o afã filosófico de assegurar a um só tempo certa dignidade de uma ideia de liberdade por meio da qual o filósofo pode eventualmente se ver como autor do próprio pensamento e, no limite, de si mesmo. Tudo parece se passar, portanto, como se o habitus transformasse a liberdade em uma forma muito especial de destino. Todavia, conforme veremos, a fenomenologia hermenêutica não é incompatível com certos conceitos muito especiais de “destino”. Vejamos, agora, se a meditação fenomenológico-hermenêutica sobre destino é incompatível com o pensamento sociológico de Bourdieu – ou, ao contrário, se eventualmente o complementa.
Se nossa hipótese depende de uma boa vontade para com um, digamos, pequeno escândalo – a saber, o silêncio de Ricoeur ao nome de Bourdieu em seus textos –, cabe agora examinar um certo uso que Ricoeur faz de um nome presente em uma imensa quantidade de suas obras, a saber, o do filósofo Martin Heidegger.
A expressão “força silenciosa”, utilizada no título do presente texto, é buscada na filosofia heideggeriana. Em Ser e tempo, Heidegger (s/d, p. 380) declara que “uma vez que a existência só é tal na medida em que é lançada na facticidade, quanto mais penetrante for o conhecimento histórico capaz de desbloquear a força silenciosa do possível, mais concreta e simplesmente ele compreende e se ‘limita’ a expor seu ser-sido no mundo, precisamente com base em sua possibilidade”. Na fenomenologia hermenêutica de Heidegger, o nível mais originário e mais discreto da temporalidade – aquele no qual o próprio tempo se temporaliza em uma estruturação que é a mesma da projeção do ser-aí em suas possibilidades – é marcado por uma primazia do futuro. A historicidade, menos discreta do que a temporalidade originária, por ser de certo modo a presença efetiva do passado no presente, é derivada dessa temporalidade originária. A temporalidade ordinária do cotidiano, com maior saliência e relevo do que as outras duas, deriva de ambas e é marcada pela primazia do presente das ocupações cotidianas. Preocupado com o esmaecimento do presente vivo – esmaecimento que é aparentemente promovido pelo pensamento heideggeriano –, Ricoeur sugere, em Tempo e narrativa, uma completa inversão do esquema da temporalidade:
A ordem na qual as três figuras são percorridas não poderia ser invertida? De fato, a intratemporalidade é incessantemente pressuposta pela historicidade; sem as noções de databilidade, de lapso de tempo e de manifestação pública, não se poderia dizer que a historicidade se desenrola entre um começo e um fim, se estira nesse entre-dois e se torna o co-historial de uma sina comum. O calendário e o relógio são prova disso. E, se remontarmos da historicidade à temporalidade originária, como poderia o caráter público do historial não preceder a seu modo a temporalidade mais profunda, uma vez que sua própria interpretação depende da linguagem que desde sempre precedeu as formas tidas por intransferíveis do ser-para-a-morte? (RICOEUR, 2010c, p. 162)
Se o caráter público do historial pode ser pensado como precedendo a temporalidade mais profunda, isso não nos permite, com uma suave violência hermenêutica, sugerir que a história precede a projeção em possibilidades? Se o caráter é história contraída, não é possível pensar, com Bourdieu, que é sempre possível buscar (embora talvez nem sempre seja possível encontrar, de modo satisfatório) uma história que precede a projeção em possibilidades que sustentam promessas e todo um horizonte de expectativas? Ou um eventual recurso explícito ao pensamento de Bourdieu transformaria a materialidade da realidade em um expediente de destino? Como se lê em uma nota de rodapé de O si-mesmo como outro,
Só uma liberdade tem ou é um destino. Essa simples observação restitui às determinações propostas pela caracterologia a equivocidade que a faz participar simultaneamente de dois reinos, o da objetividade e o da existência. Um retrato pintado a partir de fora? Mas também uma maneira propria de ser. Uma combinatória de traços permanentes? Mas um estilo indivisível. Um tipo? Mas uma singularidade insubstituível. Uma injunção? Mas um destino que sou, ou seja, aquilo mesmo com o que devo consentir. (RICOEUR, 2014, p. 119)
A menção aos dois reinos, da objetividade e da existência, aparece claramente associado ao pensamento heideggeriano no final de O si-mesmo como outro. No último estudo que compõe a obra, Ricoeur (2014, p. 364) atesta sua filiação à fenomenologia hermenêutica de Heidegger quando declara que “o estatuto ontológico da ipseidade está, assim, solidamente baseado na distinção entre os dois modos de ser que são o Dasein e a Vorhandenheit” e que “nesse aspecto, entre a categoria de mesmidade de minhas análises e a noção de Vorhandenheit em Heidegger, existe o mesmo tipo de correlação que há entre a ipseidade e o modo de ser do Dasein”. Em Ricoeur, portanto, a liberdade precede o destino – ou, ao menos, tudo se passa como se precedesse. Todavia, é possível conceber alguma ideia de destino sob a égide da inspiração heideggeriana? Sobre esse tópico, Róbson Reis (2023), em uma obra recentemente publicada sobre noções modais na filosofia heideggeriana, nos ajuda a compreender o que poderia ser chamado de formação de destino na existência. Segundo Reis,
existir na forma do destino é o acontecimento originário em que uma possibilidade existencial é encontrada e escolhida de maneira não ambígua e não contingente. A possibilidade escolhida localiza-se no complemento das possibilidades contingentes e “provisórias”. Tal possibilidade pode ser dita “necessária” porque, assim encontrada e escolhida, simplesmente tem de ser, ou seja, a projeção não pode acontecer de outra maneira. (REIS, 2023, p. 62)
Frequentemente pensada pelas filosofias da finitude enquanto constituída eminentemente por contingência, a existência, na filosofia heideggeriana, pode se sintonizar com sua possibilidade mais própria e, por meio dessa sintonização, eliminar os vínculos com os possíveis menos essenciais para a sustentação da identidade pessoal. Ainda segundo Reis,
uma possibilidade existencial encontrada e escolhida de maneira não ambígua e não contingente pode ser dita “necessária”. Ela é necessária, porque a ausência de projeção em tal possibilidade acarreta a pura e simples perda da individuação própria uma vez alcançada. Simplesmente não é possível continuar sendo a pessoa singularizada que se era. Isso mostra que uma possibilidade existencial não contingente, encontrada e escolhida de modo não equívoco e não contingente passa a ser um individuador existencial. A projeção não pode acontecer ser de outra maneira, sem que a pessoa deixe de ser quem era. Nesse sentido, possibilidades existenciais projetadas genuinamente na existência que tem o modo do destino são necessárias. (REIS, 2023, p. 65)
Uma noção de necessidade existencial como condição de sustentação da identidade pessoal faz lembrar algumas palavras do romancista Milan Kundera (1995), em A insustentável leveza do ser. Refletindo sobre como queremos que seja a experiência do amor, Kundera (1995, p. 40) declara que acreditamos que “é impensável que o amor de nossa vida possa ser uma coisa leve, uma coisa imponderável; achamos que nosso amor é o que devia ser; que sem ele nossa vida não seria nossa vida” e gostaríamos que “Beethoven em pessoa” tocasse “seu ‘Es muss sein!’ para nosso grande amor”. Com algum ajuste, é possível transpor essas expectativas amorosas para o âmbito dos anseios biográficos em geral e supor a legitimidade de um desejo por esse semblante de destino como algo que pairasse sobre todos os âmbitos de uma existência individual.
Voltando ao pensamento de Heidegger, é preciso ressaltar que do fato de que as coisas se passam de formas distintas daquelas desejadas pelo existente envolvido com possibilidades não se segue, na filosofia heideggeriana, que o existente humano dependa, para falar novamente com Róbson Reis (2023, p. 74) do “amor fati de um caráter forte”, pois “o existir no modo do destino não necessita do molde das tempestades de aço, mas bem pode ser a singela sintonia da boa disposição”. Joseph Fell (1979, p. 123) também pensa que o amor fati não tem lugar na filosofia heideggeriana, sendo esta muito mais caracterizada por um amor potestatis, um amor pelas possibilidades, pelos possíveis nos quais alguém eventualmente se lançou e, agora, reconhece. Também Ricoeur tem especial apreço por uma existência que se configure como relação especial com nossos mais próprios possíveis, como se pode ler em A metáfora viva:
A suspensão da referência real é a condição de acesso à referência num modo virtual. Mas o que é uma vida virtual? Pode existir uma vida virtual sem um mundo virtual no qual seria possível habitar? Não é função da poesia fazer nascer outro mundo – um mundo outro que corresponda a outras possibilidades de existir, a possibilidades que sejam os nossos mais próprios possíveis? (RICOEUR, 2000, p. 350)
O primado do possível na existência é um tema conhecido da filosofia heideggeriana. Contudo, como vimos, Ricoeur entende que seja interessante inverter a escala de estratos do tempo em termos de importância e prioridade, o que nos leva para um cenário em que a capacidade de se projetar em possibilidades e nutrir expectativas é historicamente informada – e, consequentemente, situada em termos culturais, sociais e de todo modo materiais. Se a noção de mesmidade aponta simultaneamente para a Vorhandenheit heideggeriana e para o habitus bourdieusiano, todavia, o nome de Heidegger – assim como o de Sartre e o de Koselleck – aparece enquanto o de Bourdieu parece se retrair no vocabulário de Ricoeur. Seria essa escolha acerca de quem referenciar – e prestigiar referenciando –, conforme tentamos sugerir no tópico anterior, uma estratégia mais ou menos espontânea e irrefletida de um intelectual oriundo da filosofia e que teve precisamente a trajetória que teve?
Fazendo justiça ao texto de Ricoeur, há, sim, menções ao nome e ao pensamento de Bourdieu, especialmente no período tardio de sua obra, ainda que raras. Conforme lembrado por Johann Michel (2014, p. 1), é em A memória, a história, o esquecimento, que Ricoeur (2007, p. 219) comenta – muito rapidamente – o pensamento bourdieusiano, especialmente em uma nota de rodapé, em que declara que “a contribuição de Norbert Elias para uma história das mentalidades e das representações encontra um prolongamento parcial no plano sociológico de Pierre Bourdieu”. Em seguida, citando Bourdieu, Ricoeur explica precisamente o conceito de habitus, em uma longa nota de quatro parágrafos, nem qualquer uso da expressão “disposições duráveis”. Algumas páginas depois, Ricoeur (2007, p. 236) dirá que “a categoria de habitus de Pierre Bourdieu” se insere “numa longa história balizada pela hexis aristotélica, suas representações medievais e sua retomada por Panofsky e sobretudo Norbert Elias”. Embora não esteja fazendo, como Peter Sloterdijk, uma observação sobre um eventual uso restrito do conceito de habitus por parte do próprio Bourdieu[5], parece plausível perceber que Ricoeur vê em Bourdieu um herdeiro de algo que já estava na filosofia – antiga, incondicionalmente digna de prestígio e que leva Ricoeur (2007, p. 19) a declarar que permanece atual de modo perene já que, para sua hermenêutica, “todos os livros estão abertos ao mesmo tempo” – e é retomada sobretudo por Elias, isto é, principalmente e talvez mais por Elias do que pelo próprio Bourdieu.
Uma das maneiras de encaminhar o desfecho da presente reflexão é, talvez, lembrar uma célebre passagem dos Pensamentos de Blaise Pascal. Muito lembrado tanto por Paul Ricoeur quanto por Pierre Bourdieu, Pascal declara que ninguém nunca ama ninguém, mas ama-se tão somente as qualidades que alguém exibe, sustenta ou aparenta possuir. A conclusão de Pascal é obtida depois de um rápido exercício de pensamento, por meio do qual somos levados a imaginar as pessoas amadas destituídas de toda a sorte de qualidades em razão das quais as amaríamos, sejam elas de ordem física, intelectual ou moral. Não haveria, por assim dizer, uma substância ou substrato residual sobre o qual incidiria o amor. O exercício de Pascal parece agudo e prenhe de consequências. Todavia, para que ele funcione, é indispensável lançar mão de uma metafísica da substância portadora de qualidade, o que não é feito nem por Ricoeur, nem por Bourdieu. Se há uma lição comum – que é ao mesmo tempo um pressuposto cujas obras não cessam de elucidar – entre Ricoeur e Bourdieu é que a relação de alguém com suas qualidades não é contingente ou acidental: somos nossas disposições duráveis porque somos agentes perpetuamente responsáveis pela administração dos estratos de heranças que se sedimentaram sobre nós e que carregamos conosco pela vida. Não há nenhum substrato ou substância metafísica que possa ocupar o lugar da agência empreendida por um agente constituído por e constituinte do tecido da malha social e simbólica na qual está inserido e na qual suas ações podem ser compreendidas e imputadas, descritas, explicas e narradas.
Se retomarmos a hipótese de Dosse (2009), mencionada no início desse texto, a noção ricoeuriana de identidade narrativa é uma maneira de enfrentar a ameaça sociológica de transformar todas as histórias de vida em ilusões biográficas. Igualmente benevolente com Ricoeur é a posição de Johann Michel (2014), que faz eco ao que alega Dosse. Como observa Celso Braida (2021, p. 21), “a obra do sociólogo Pierre Bourdieu, Le sens pratique, de 1980, tem pouca ressonância entre os hermeneutas”, embora o primeiro livro, “intitulado Critique de la raison théorique, deveria ser adotado como manual básico” na medida em que “ali é desenvolvida uma teoria abrangente do sentido e da inteligibilidade práticos inteiramente fundada na descrição de atividades comunais nas quais os agentes humanos adquirem suas habilidades e identidades”. Nossa hipótese, nesse sentido, é que o acolhimento da perspectiva bourdieusiana poderia soar, no interior do discurso que emerge do campo filosófico, como uma espécie de concessão anti-humanista da dignidade humana cultivada em certo tipo de filosofia – um tipo do qual Ricoeur certamente faz parte. Do ponto de vista interior às teses filosóficas de Ricoeur, tudo se passa como se a liberdade precedesse o destino e só na esteira de uma noção humanista de liberdade, por meio da qual se dignifica um agente voltado para a realização de um bem ético, a agência propriamente moral fosse possível. É possível reconhecer esse pressuposto em momentos como aqueles em que que Ricoeur (2010c, p. 419) declara interesse em uma noção de indivíduo “constituído simultaneamente como leitor e como scriptor de sua própria vida, conforme o desejo de Proust”. A ênfase sociológica nos constrangimentos sociais que constituem os espaços nos quais alguém aprende a se projetar em possibilidades e expectativas tenderia, de certo modo, a diminuir o efeito dessa liberdade de autoria da obra e de si, enquanto intelectual, por meio da obra. Todavia, é possível encontrar perspectivas narrativistas sobre a identidade pessoal nas quais essa primazia de uma autoria pode ser prescindida. Ben Roth (2014, p. 7, itálico adicionado), em uma interpretação narrativista da noção heideggeriana de projeção em possibilidades, todavia, nos ajuda a perceber que “o projetar parece ativo mas, no sentido mais importante, não é. Sempre projetamos uma compreensão das possibilidades como parte de nossa leitura da nossa existência”. Roth (2017, 2014), portanto, nos ajuda a perceber que a leitura precede a narrativa, isto é, a interpretação das condições de possibilidade da projeção em possibilidades precede a composição do aspecto narrativo de uma identidade. Nesse sentido, na pista de Braida (2021), tudo se passa como se fosse imprescindível incluir um momento sociológico na hermenêutica do si, por meio da qual a leitura da malha dos possíveis elucida e torna inteligíveis as escolhas de um agente dentro de um campo ou horizonte de possibilidades. Todavia, se a força do enredo é, como a dos possíveis, silenciosa – isto é, pode ser expediente de uma aura de mistério e destino eventualmente conveniente às ilusões biográficas –, a sociologia recupera um elemento frequentemente recalcado pelo discurso filosófico, a saber, a força ruidosa dos constrangimentos.
O intento da presente reflexão foi, em suma, o de sugerir que a sociologia bourdieusiana de certo modo assombra – isto é, ao mesmo tempo amedronta e faz sombra sobre – o pensamento filosófico, em especial o pensamento filosófico como o de Paul Ricoeur, eminentemente preocupado com valores típicos do humanismo, como liberdade e dignidade. Para Ricoeur e pensadores como ele, do fato de que somos, sim, nossas qualidades não pode e não deve – isto é, não é eticamente defensável – que sejamos apenas nossas qualidades, mas que sejamos também nossas promessas e expectativas, nossa “nebulosa de ideais e sonhos” que, para Ricoeur (2014, p. 195) define nossa relação com o futuro. Essa singularidade irredutível e inegociável, da ordem do que Ricoeur (2007) chama repetidamente de “experiência viva”, é o que dá sentido, nas extremidades da cadeia remissiva do mundo humano, ao ideal de vida boa, para e com os outros, nas instituições justas que coordena sua reflexão ética em O si-mesmo como outro. Nessa direção, a contribuição de Bourdieu – que, se estamos corretos, comparece na forma de um distanciamento cheio de precauções para com o pensamento sociológico – parece não só vivificar os cenários nos quais alguém passa a ser o que é como, mais do que isso, salienta a necessidade da retomada desse âmbito socialmente original enquanto espaço de experiência privilegiado no qual, de certo modo, alguém aprendeu – ou não aprendeu – a se relacionar com seus horizontes de expectativa. A passagem pela constituição social do espaço de experiência de alguém parece, pensamos, uma espécie de recurso imunológico por meio dos quais a hermenêutica do si pode se proteger das ilusões metafísicas que eventualmente, diante das qualidades supostamente inessenciais da pessoa amada, buscaria uma suposta essência amável, em uma busca que terminaria por não encontrar nada.
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[1] Realiza pós-doutorado sob supervisão do prof. Dr. Tito Marques Palmeiro no PPG-Fil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) (o presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil, e da FAPERJ – Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, Processo SEI 151059/2023-3). Realizou doutorado, mestrado e graduação em filosofia na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
[2] Sobre isso, é interessante observar o enquadramento oferecido por David Carr (2016) para a posição ricoeuriana no debate. Segundo o autor, (p. 232) vê Ricoeur “mais próximo de Mink, White e dos estruturalistas” do que gostaria, já que a prefiguração da narrativa na mera vivência ainda “não é uma estrutura narrativa em si” e demanda um “ordenamento de uma desordem constitucional anexada à experiência do tempo, a qual é, por si, ‘confusa, disforme e, no limite, muda’”. Adiante, todavia, Carr (p. 233) acrescentará que perto de White, “a perspectiva de Ricoeur é razoavelmente benigna e indulgente”, já que propõe que “as narrativas ficcionais e históricas ampliam a realidade, expandindo nossa noção de nós mesmos e sobre o que é possível”.
[3] O inominável de Samuel Beckett (2009, p. 185) termina com as palavras “no silêncio não se sabe, é preciso continuar, não posso continuar, vou continuar”. Essas últimas palavras são lembradas por Slavoj Zizek (2010, p. 146), que considera O inominável “uma saga da pulsão que persevera sob o disfarce de um objeto parcial morto-vivo”.
[4] Estes dois parágrafos fazem parte de minha tese de doutorado. TEDESCO, A. D. F. A Argentina na periferia do tempo: a sociologia científica e um mundo novo para os intelectuais. UNICAMP, 2019.
[5] Em You must change your life, Peter Sloterdijk (2013) saúda a originalidade e a amplitude da frutificante riqueza do conceito bourdieusiano e, para o interesse do argumento do presente texto, Sloterdijk (2013, p 181) vê no habitus bourdiesiano uma espécie de paródia, por inversão, do conceito heideggeriano de “a gente” ou de impessoalidade.