Tiago de Fraga Gomes[1]
Rafael Martins Fernandes[2]
O ano de 2025 marca seis décadas desde o encerramento do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965), evento que representou um divisor de águas na história da Igreja Católica contemporânea. Essa comemoração convida a retomar com fidelidade criativa, o impulso renovador conciliar. O Concílio, desde sua convocação pelo Papa João XXIII, pretendia responder aos sinais dos tempos, empreendendo um diálogo corajoso e profundo com o mundo moderno. Tal abertura se expressa com clareza na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, que afirma que “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo” (n. 1). Essa identificação solidária com a humanidade, fundamenta a missão e o discernimento da teologia atual.
Uma notável contribuição do Concílio foi a renovação da autoconsciência eclesial, centrada na redescoberta da Igreja como Mistério e Povo de Deus, conforme os dois primeiros capítulos da Constituição Dogmática Lumen Gentium. Desloca-se o foco da compreensão da Igreja de uma perspectiva predominantemente hierárquica, para uma visão mais comunitária, marcada pela corresponsabilidade de todos os batizados. A dimensão colegial do episcopado também foi reafirmada, estabelecendo uma compreensão mais relacional da autoridade eclesial. Essa colegialidade é sinal de comunhão e expressão da unidade na diversidade das Igrejas particulares. No campo litúrgico, a Constituição Sacrosanctum Concilium impulsionou uma profunda reforma centrada na participação “consciente, ativa e piedosa” (n. 48) do povo de Deus. Essa valorização da assembleia litúrgica promoveu a corresponsabilidade na celebração da fé e favoreceu o enraizamento da vida cristã no cotidiano.
O Concílio também afirmou o valor da liberdade religiosa em oposição às posturas confessionais exclusivistas. A Declaração Dignitatis Humanae declara que “a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Esta liberdade consiste no seguinte: todos os homens devem estar livres de coação, quer por parte dos indivíduos, quer dos grupos sociais ou qualquer autoridade humana” (n. 2). Trata-se de um princípio ético que expressa a dignidade da consciência e a responsabilidade pessoal na busca pela verdade. Nesse viés, a abertura ao diálogo ecumênico e inter-religioso foi uma marca indelével do Concílio. Na Declaração Nostra Aetate, os padres conciliares reconheceram, com estima, a relevância das outras religiões, pois “a Igreja católica nada rejeita do que nessas religiões existe de verdadeiro e santo” (n. 2). Esta afirmação inaugura uma atitude de respeito e aproximação, orientada por uma autêntica escuta do outro, na partilha da busca comum por Deus e pelo bem da humanidade.
É necessário destacar também uma renovada compreensão da dinâmica da Revelação divina, operacionalizada pela Constituição Dogmática Dei Verbum, a qual incentiva o estudo da Sagrada Escritura como “a alma da teologia” (n. 24). O acesso ao texto bíblico, incentivado pelas novas traduções e edições, tornou-se um dos pilares da renovação teológica pós-conciliar. Passados sessenta anos, o desafio que se impõe é o da recepção contínua e fecunda do Concílio. Trata-se de um processo não linear, marcado por avanços, tensões e resistências, mas essencial para que a teologia permaneça fiel à sua missão no âmbito público. A recepção do Concílio exige coragem e abertura ao Espírito Santo, para que a Tradição viva se atualize com fidelidade ao Evangelho. A herança conciliar, longe de estar encerrada, permanece como fonte viva de inspiração para a teologia e a pastoral, favorecendo um constante aggiornamento, não como adaptação superficial, mas como renovação interior, enraizada na verdade do Evangelho e no compromisso com o ser humano integral.
Celebrar os sessenta anos do encerramento do Concílio Vaticano II é, pois, reafirmar o compromisso com sua visão de Igreja e de teologia em diálogo; é reconhecer, com esperança, que o Espírito Santo continua a conduzir a Igreja em sua caminhada histórica, impulsionando-a para as periferias geográficas e existenciais; é, segundo o Decreto Unitatis Redintegratio, renovar a convicção de que “a Igreja, na sua peregrinação, é chamada por Cristo a essa reforma de que tem continuamente necessidade, enquanto instituição humana e terrena” (n. 6). A fidelidade criativa ao Concílio permanece, assim, tarefa urgente e indispensável para o tempo atual. Esse é um anseio que se expressa nos textos do dossiê do presente volume da Revista de Cultura Teológica.
Tendo em vista a riqueza teológica e pastoral do Concílio Vaticano II, o dossiê em homenagem aos 60 anos de encerramento do Concílio Vaticano II (2025), da Revista de Cultura Teológica, convida para uma leitura atenta de alguns textos.
O artigo “Revisitando a Gaudium et Spes para olhar o hoje” de Antonio Lisboa, busca analisar a importância da Constituição Pastoral Gaudium et Spes do Concílio Vaticano II, destacando sua inovação ao propor um diálogo mais profundo entre a Igreja e o mundo contemporâneo. Na primeira parte, o foco está na redefinição do papel da Igreja, que passa a enfatizar a dignidade intrínseca da pessoa humana, a centralidade da liberdade de consciência e a promoção do bem comum. A Igreja se apresenta não apenas como uma instituição religiosa, mas como uma entidade que deve estar engajada com as questões sociais, políticas e econômicas, sempre com o objetivo de defender a justiça e a paz. Na segunda parte, o artigo explora o conceito de “sinais dos tempos”, indicando que a Igreja deve estar atenta aos desafios e mudanças da modernidade, utilizando esses sinais como guias para a sua ação pastoral. A interpretação desses sinais, que incluem tanto avanços tecnológicos quanto crises sociais, é vista como fundamental para a missão evangelizadora. A última parte do artigo aborda a missão da Igreja de colaborar na construção de uma sociedade mais justa e solidária, reafirmando seu compromisso com a transformação social à luz do Evangelho. A Gaudium et Spes, assim, não é apenas um documento teológico, mas um convite para a ação concreta da Igreja no mundo, buscando sempre a promoção da dignidade humana e a criação de uma comunidade global mais fraterna e equitativa.
De acordo com o artigo “O homem, um ser vocacionado à plenitude: diálogo sobre aspectos antropológicos da Gaudium et Spes” de Evilázio Francisco Borges Teixeira e Everton Ricardo Berny Machado, o Concílio Vaticano II foi o maior evento eclesial dos últimos séculos, nele a Igreja assume uma atitude de diálogo com a modernidade. Neste diálogo a Igreja tem uma palavra qualificada sobre o homem, pois ela anuncia o homem em plenitude, Cristo Jesus. Em consonância com o pensamento filosófico este artigo resgata alguns postulados sobre o homem, presentes na Gaudium et Spes. O homem é um projeto a realizar, ao mesmo tempo que permanece um mistério para si mesmo. Diante da sua finitude o homem se pergunta pelo sentido da sua vida e se descobre como um ser de comunhão, que se realiza na relação com o outro. No entanto, o homem, chamado à grandeza, experimenta o pecado como um limitador. Esta realidade dura da miséria humana não elimina o chamado que traz dentro de si para unir-se com o seu Criador, este é o aspecto mais sublime da sua vocação humana. O caminho do deserto, a semelhança do povo de Israel será a oportunidade de purificar o homem para chegar a sua plenitude. A antropologia conciliar aponta para um ser humano que se pergunta sobre a sua existência e que descobre a sua dignidade na relação com Deus. Deste modo, a vida humana enche-se de esperança e de um futuro possível, ao qual também é chamado a construir por meio de princípios éticos e evangélicos.
O artigo “A centralidade do querigma na ação evangelizadora: uma expressão da eclesiologia do Concílio Vaticano II” de Tiago de Fraga Gomes e Mariana Aparecida Venâncio, seguindo a metodologia teórico-bibliográfica, almeja apresentar o anúncio querigmático da fé cristã e sua relevância para a vida da Igreja, para além de sua presença nos processos catecumenais de Iniciação à Vida Cristã. Seguindo a linha eclesiológica da Conferência de Aparecida do Episcopado Latino-Americano e Caribenho, considera-se o querigma como o eixo transversal de toda a ação pastoral e evangelizadora da Igreja, especialmente no que se refere à formação de discípulos missionários. O objetivo do artigo consiste em propor que tal compreensão do querigma consiste em uma forma privilegiada de recepção da eclesiologia do Concílio Vaticano II que considera a responsabilidade batismal de cada fiel. A centralidade do querigma na ação evangelizadora da Igreja permite que cada cristão renove sua relação com a pessoa de Jesus Cristo. Essa experiência tem consequências, incidindo na renovação da vida eclesial.
De acordo com o artigo “Antropologia e cosmovisão católica em Papa Francisco à luz das reflexões de Romano Guardini e Gaudium et spes” de Talis Pagot e Rafael Martins Fernandes, há uma profunda sintonia entre o modo de pensar a realidade a partir do proposto como método em Romano Guardini, a reflexão presente em Gaudium et spes e o magistério de Francisco, que se nutre de elementos de reflexão dessas duas fontes. Por outro lado, o texto pretende demonstrar que os elementos antropológicos e a cosmovisão de Papa Francisco são um instrumento metodológico e conceitual de trabalho fundamentais para um diálogo aberto e construtivo com o mundo. Após apresentar os três modos de olhar o mundo, com seus elementos de reflexão antropológica, bem como a maneira que Francisco acolhe as contribuições de Guardini e da Gaudium et spes, percebe-se a grande capacidade de diálogo e discernimento do Papa em questões de grande impacto mundial como a ecologia e a paz, fruto de um olhar aprofundado e complexo sobre a realidade.
No artigo “O Ecumenismo e a lógica do mercado” de Edin Sued Abumanssur, discute-se a transição entre duas perspectivas relacionadas à maneira como se articulou o tema da cooperação entre instituições eclesiásticas ou entre religiões, a saber, a perspectiva ecumênica no século XX e o diálogo inter-religioso no século XXI. Na segunda metade do século XX, a causa ecumênica foi no Brasil e na América Latina, um movimento associado às lutas populares de libertação. Esteve comprometida com os processos revolucionários, a busca por autonomia política e econômica das nações e, finalmente com os movimentos pró democratização da região. Em um mundo polarizado ideologicamente entre o Oriente e o Ocidente, o ecumenismo se constituiu em uma bandeira identitária que via a unidade dos povos como necessária para os processos de libertação. O século XXI traz outra perspectiva: o foco já não é mais a unidade entre as igrejas, mas o diálogo entre as religiões. O diálogo emerge no contexto das conquistas democráticas e, com a queda do Muro de Berlin, na superação do mundo polarizado entre o Oriente e o Ocidente. O objetivo dessa análise, e sua razão de ser, é entender as alterações no cenário macropolítico e econômico e como isso impactou e tornou obsoleta a maneira como o ecumenismo era proposto há sessenta anos e como ele acabou suplantado pelas reflexões sobre o diálogo inter-religioso. A crítica dos documentos e da produção intelectual do movimento ecumênico daquele tempo e a confrontação com o que se pensa hoje sobre as relações entre as igrejas, permite-nos traçar o perfil transacional entre as duas perspectivas. Produções êmicas do campo religioso daquele tempo foram confrontadas com as do tempo atual. Sociólogos cuja perspectiva analítica adotam a linguagem e as categorias econômicas, como Peter Berger e Pierre Bourdieu permitem uma análise consequente sobre essa transição. Enquanto o ecumenismo se fundamentava em uma perspectiva política no contexto da Guerra Fria, o diálogo inter-religioso se vê como um imperativo ético para as igrejas em um contexto de pluralismo no qual cada religião se comporta como um agente econômico (BOURDIEU, P., 1982, p 57) em concorrência pelos fiéis.
Para o artigo “Comunicação no contexto da Igreja – perspectivas pós-conciliares” de Rosangela Florczak de Oliveira, Juliana Vencato de Oliveira e Joel Sávio, o Concílio Vaticano II abriu caminho para uma profunda renovação eclesial. Um dos movimentos marcantes foi o reconhecimento da comunicação como um relevante elemento da missão evangelizadora da Igreja. Este artigo analisa os avanços inaugurados pelo Decreto Inter Mirifica do Concílio Vaticano II, conectando-os à reflexão contemporânea proposta pelo documento Rumo à Presença Plena. A análise explora os entendimentos de comunicação como expressão de uma cultura do cuidado, utilizando os pressupostos da ética do cuidado como referencial. Este estudo visa compreender a abertura proporcionada pelo Vaticano II e refletir sobre a necessidade de transcender os pressupostos de uma comunicação baseada nos meios para uma comunicação dialógico-relacional, especialmente diante dos desafios comunicacionais contemporâneos da ambiência digital.
Além dos artigos que integram o dossiê, o presente volume da Revista de Cultura Teológica compõe-se de alguns artigos de temática livre.
De acordo com o artigo “Catolicismo e patriotismo do clero brasileiro. A participação de Dom Leopoldo no movimento da restauração (1908-1923)” de Francisco Das Chagas, a relação entre catolicismo e patriotismo é uma questão relevante, hoje, sobretudo considerando a significação original deste conceito conforme a doutrina cristã e o ensinamento social da Igreja na contemporaneidade. Este artigo trata do papel desempenhado por D. Duarte Leopoldo e Silva, primeiro arcebispo de São Paulo (1906-1938) através da análise de suas “conferências patrióticas”, que foram proferidas por ocasião do Centenário da Independência. Nessas preleções mostra o patriotismo do clero na sociedade brasileira, destacando os serviços por ele prestados na esfera sociopolítica. A atuação do arcebispo realiza-se no contexto da “Restauração Católica” (1920-1930). Para se alcançar esse objetivo serão considerados: conceituação de patriotismo na tradição cristã, apresenta-se em seguida um panorama do movimento da restauração que caracterizou do catolicismo brasileiro, especialmente naquela década; nesse quadro situa-se a exposição do discurso patriótico do prelado. O percurso mostrará que a instituição eclesiástica se afasta do fim de sua existência e do compromisso pelo bem comum, negando o significado de patriotismo, à medida que se preocupa em garantir sua presença na sociedade como instituição religiosa aliando-se ao poder temporal.
O artigo “Um gelado coração (Êxodo 9,13-35)” de Julio Paulo Tavares Mantovani Zabatiero, oferece à discussão uma leitura exegético-teológico do sétimo golpe (praga) contra o Egito no ciclo das chamadas Dez Pragas. A metodologia adotada é híbrida, juntando elementos da exegese histórica com elementos da análise literária e narratológica. É o maior dos relatos individuais, com exceção do relato do último golpe se levarmos em conta a descrição do vínculo com a Páscoa. Sua função no ciclo dos golpes é acrescentar mais uma evidência da supremacia do poder de YHWH contra o Faraó e os deuses do Egito, de modo que estes não tenham alternativa senão reconhecer a presença e o poder de YHWH como libertador do seu próprio povo. Em relação ao povo de YHWH, o relato reforça a sua convicção do caráter libertador de YHWH e da importância de Moisés como o seu parceiro na libertação e saída do Egito.
De maneira peculiar, o artigo “Uma maneira de proceder: a importância dos Exercícios Espirituais para o pensamento de Michel de Certeau” de Cainan Espinosa Gimenes, explora a intersecção entre a espiritualidade inaciana e a análise do cotidiano proposta por Michel de Certeau, destacando como ambos abordam a integração entre a prática espiritual e a vida diária. A análise centra-se nas primeiras duas semanas dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola e na teoria de Certeau sobre práticas diárias, discutindo como o cotidiano pode servir como um espaço para a espiritualidade e a resistência. Na primeira semana dos Exercícios, Santo Inácio convida os exercitantes a contemplar a presença divina em suas atividades diárias, promovendo uma integração entre espiritualidade e cotidiano através do Princípio e Fundamento e da prática da indiferença. Certeau, por sua vez, explora o cotidiano como um campo de resistência e criatividade, onde as táticas individuais desafiam as estruturas sociais dominantes. Nesse sentido, tanto a abordagem inaciana quanto a teoria de Certeau reconhecem a importância do cotidiano como um espaço ativo e dinâmico para a experiência espiritual e a prática crítica. Ao integrar os conceitos de Princípio e Fundamento com a teoria das táticas de Certeau, o estudo revela como o cotidiano pode ser um meio de transformação espiritual e resistência social, oferecendo uma visão enriquecedora sobre a prática diária como um campo de ação significativo na busca por uma experiência espiritual autêntica.
O artigo “Deus sem absoluto: implicações pós-modernas na teologia, filosofia e arte” de René Dentz, explora as implicações pós-modernas na teologia, filosofia e arte a partir do conceito de um “Deus sem absoluto”, desenvolvendo um diálogo com as ideias de Jean-Luc Marion, Pierre Thévenaz e Michel Foucault. No campo teológico, Marion propõe que Deus seja compreendido por meio de sua retirada, ou que preserve sua alteridade radical. Thévenaz, por sua vez, defende uma filosofia sem absoluto que não nega Deus, mas estabelece uma relação autônoma entre a razão humana e o divino. A partir dessas noções, o trabalho investiga a relação entre corpo, sublimação e espiritualidade, com base nas análises de Foucault e Birman sobre a repressão e exaltação do corpo na contemporaneidade. O artigo também discute a “morte da arte” no sistema de Hegel e as implicações da arte contemporânea, exemplificadas pela obra de Marcel Duchamp, como uma “arte sem absoluto”. O trabalho conclui que a desconstrução do absoluto abre novas possibilidades de interpretação e relação com o transcendente, o corpo e a criação.
De acordo com o artigo “Monsenhor Rios: representatividade por meio de discursos de fé e impactos na articulação comunitária vassourense” de José Antonio Silva, Monsenhor Rios vivenciou parte de sua vida sacerdotal no município de Vassouras, século XIX e hoje é considerado milagreiro pelos seus devotos. Sua representatividade é absorvida por alguns setores locais com o pleiteio de êxito em projetos. O texto objetiva mostrar a representatividade do religioso Antônio Rodrigues de Paiva e Rios no contexto do município de Vassouras por meio dos discursos de fé manifestados pelos devotos e identificar os impactos que esta figura sacerdotal gera religiosamente, economicamente, midiaticamente e nos aspectos turísticos da comunidade em que se insere. A metodologia aplicada na pesquisa permeia os estudos bibliográficos, a história oral, análise de conteúdo dos manuscritos e entrevistas semi-estruturadas. Conclui-se que a representatividade do Monsenhor Rios agrega valor ao catálogo de turismo vassourense nos aspectos religiosos, contribui com a geração da renda local e mescla interesses públicos e privados.
Sustenta-se no artigo “Perspectivas sobre a arte sacra de Cláudio Pastro” de Mauricio de Aquino e Wagner Lopes Sanchez, que Cláudio Pastro (1948-2016) é reconhecido como o mais destacado artista sacro brasileiro do final do século XX e início do século XXI. Para o jubileu do ano 2000, em vista da entrada no Terceiro Milênio da era cristã, Pastro foi o artista escolhido pelo Vaticano, em 1995, para criar uma obra símbolo deste novo tempo. Também foi selecionado para, desde o ano 2000, criar e executar o grande projeto de reforma e ambientação do interior do Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, no vale do Paraíba, em São Paulo, o segundo maior templo católico do mundo, menor somente do que a Basílica de São Pedro, no Vaticano. O projeto artístico desenvolvido no Santuário de Aparecida deu maior evidência ao trabalho de Cláudio Pastro e também gerou interesse acadêmico em sua obra. Neste artigo, apresenta-se uma análise das diferentes perspectivas sobre a arte sacra de Cláudio Pastro a partir de teses e dissertações. Os resultados oferecem um quadro sintético das características desses trabalhos acadêmicos e a partir delas um conhecimento sistematizado acerca das informações nucleares da trajetória, influências, estilo e principais obras desse inovador artista sacro brasileiro.
De acordo com o artigo “A educação como experiência recíproca de reconhecimento: contribuições da antropologia filosófica ricoeuriana para a filosofia da educação” de Geison Amadeu Loschi e José Sérgio Fonseca de Carvalho, Paul Ricoeur escreveu pouco sobre a educação, mas sua filosofia, ao que parece, tem muito a dizer sobre seus principais problemas. A escrita aberta, preocupada com as questões de seu tempo; o debruçar-se sobre antinomias e paradoxos para mover o pensamento; e sua condição de professor, que sempre o impeliu a uma escrita que conduz, são algumas das características que tornam a obra de Ricoeur importante como caminho para pensar a educação. O problema do reconhecimento, descrito na obra Percurso do reconhecimento nos ajuda a pensar uma demanda pungente que nasce da profissão docente nos dias de hoje: o que significa ser professor? Como seu trabalho pode ser devidamente reconhecido? Acreditamos que a proposta derradeira de Ricoeur de pensar formas de reconhecimento mútuo, que nascem como clareiras e brechas no mundo da luta por reconhecimento, contribui para um pensamento sobre essas perguntas. A língua da escola, como uma forma de mediação simbólica, que nasce da palavra do professor é o índice de reconhecimento mútuo que se dá entre professor e aluno. A palavra do professor, assim como Ricoeur a descreve em seu ensaio La parole est mon royaume, é uma forma de linguagem que se constitui com um outro fundamental em relação ao aluno, para a atualização das capacidades de falar, agir, narrar a própria história e responsabilizar-se por ela, que se constituem como universais nas condições de possibilidade e como individuais em sua contingência e vulnerabilidade. A palavra do professor, como uma forma de gratuidade, é o índice de reconhecimento mútuo que constituem professor e alunos como sujeitos da educação.
De maneira exclusiva, o artigo “‘Tristeza solidária’: um caminho wesleyano de compaixão e amor ao próximo para o problema do sofrimento” de Vinicius Couto, discute o problema do sofrimento a partir da teologia do clérigo anglicano John Wesley (1703-1791). Em meio às adversidades da vida, como Wesley ajudaria a responder à questão: no sofrimento, quem é e onde está Deus? A hipótese deste texto é que o teólogo da Igreja da Inglaterra, por meio do que denominou de “tristeza solidária”, apresenta um caminho de cuidado aos que sofrem apresentando um Deus que é compassivo e imanente e que se manifesta em meio à compaixão e ao amor ao próximo. Nosso objetivo geral é apresentar um caminho wesleyano alternativo para o cuidado das pessoas em situação de vulnerabilidade e sofrimento. A pesquisa é bibliográfica, com metodologia exploratória. O pensamento de Wesley é extraído principalmente do seu sermonário, analisado a partir da versão bicentenária (WESLEY, 1984-1987).
Duas resenhas são apresentadas, de maneira magistral, no presente volume da Revista de Cultura Teológica.
A resenha de José Aguiar Nobre sobre o livro “Conceição, Elizeu da. Elogio à inutilidade. São Paulo: Dialética literária, 2024”, oferece ao leitor uma contextualização da obra, apresentando o perfil acadêmico, pastoral e humano do autor. A clareza com que se estrutura a resenha – introdução, resumo dos blocos temáticos e conclusão – facilita a compreensão da proposta do livro. A obra de Elizeu da Conceição, com seu título provocativo e sua proposta de resgatar a dimensão da gratuidade em um mundo utilitarista, articula narrativa pessoal e teologia pastoral. A valorização das pequenas experiências e do contar histórias como instrumento pedagógico e formativo, aparece como núcleo metodológico do autor. A resenha menciona temas relevantes – infância, relações humanas, velhice –, explorando a noção de “inutilidade” como operação crítica em relação aos discursos dominantes. Como a “inutilidade” é compreendida à luz da fé cristã? Trata-se de uma releitura radical de valores evangélicos ou de uma adaptação poética de experiências subjetivas? O livro Elogio à inutilidade parece ser um convite corajoso e contracultural à gratuidade como fundamento das relações humanas – uma proposta que, para além do afeto, merece ser situada e debatida com profundidade nos campos da teologia, da pastoral e da cultura contemporânea.
A resenha de Irineu Claudino Sales sobre o livro “Sbardelotto, Moisés. Missionários no ambiente digital: em nome de quem? Aparecida: Santuário, Paulinas, 2024”, oferece uma boa síntese dos principais argumentos e capítulos do livro. Consegue apresentar com fidelidade os objetivos e os temas centrais da obra, destacando o caráter profético e inovador do autor ao tratar da evangelização no ambiente digital. Um dos méritos da resenha é a valorização da perspectiva sinodal apresentada por Sbardelotto. Ao enfatizar a importância da comunhão, participação e missão no ambiente digital, Sales reconhece que a atuação dos chamados “missionários digitais” exige mais que presença técnica, mas requer discernimento pastoral e fidelidade evangélica. O destaque dado à noção de “anti-influência digital” é relevante, pois toca em um ponto sensível da atuação de muitos agentes de pastoral nas redes. O texto aborda a tensão entre lógica mercadológica e lógica evangélica, explorando desafios e paradoxos dessa interseção. A resenha cumpre bem sua função de apresentar a obra e estimular a reflexão sobre a missão da Igreja em um tempo marcado por rápidas e profundas transformações digitais.
De maneira geral, cabe ressaltar, a respeito da retomada e reflexão sobre os sessenta anos de encerramento do Concílio Vaticano II, que os documentos conciliares, longe de pertencerem ao passado, permanecem como instrumentos vivos de discernimento, interpelando a teologia a uma recepção contínua, dinâmica e criativa. O espírito conciliar, que promoveu um reencontro com as fontes da fé e uma abertura aos apelos do mundo contemporâneo, continua a ser uma chave hermenêutica para enfrentar os desafios hodiernos, com lucidez evangélica e fidelidade eclesial. Em um tempo marcado por mudanças socioculturais aceleradas, crises institucionais e busca por sentido, urge uma leitura frutuosa dos textos conciliares enquanto palavras proféticas que ainda ecoam com vigor e ousadia. A leitura atenta e dedicada das constituições, declarações e decretos conciliares não deve ser apenas tarefa de especialistas, mas um exercício pastoral e espiritual acessível a todo o povo de Deus.
Convidar à leitura crítica e atualizada dos documentos conciliares, corresponde à abertura à ação do Espírito Santo e à atenção aos sinais dos tempos. Somos convidados a reencontrar no Concílio Vaticano II uma fonte fecunda de inspiração teológica e pastoral para construir uma Igreja sinodal, samaritana, enraizada no Evangelho e comprometida com a dignidade humana. Em tempos de polarizações eclesiais e sociais, o Concílio Vaticano II continua sendo um caminho de unidade na diversidade, de diálogo construtivo com a cultura, e de fidelidade ao Cristo que faz novas todas as coisas (Ap 21,5). Que a celebração deste jubileu conciliar desperte uma renovada esperança em nosso fazer teológico, nutrindo o desejo sincero de mergulhar novamente nas intuições fundantes do Concílio Vaticano II, a fim de traduzi-las com audácia e humildade, expresse uma teologia dialógica e servidora, semper reformanda.
O artigo “Revelação divina, mediação e poder de salvação” de Claudio de Oliveira Ribeiro e Elias Wolff, tem como objetivo analisar um dos aspectos da visão inclusivista de teologias cristãs que, embora com abertura a outras religiões, relegam um papel restrito e secundário a elas, afirmando conterem apenas “sementes do Verbo”, sem o devido reconhecimento da integral presença do Logos e do Espírito em seus meios institucionais e nas experiências religiosas que possibilitam aos seus fiéis. Metodologicamente, optamos por articular sínteses teológicas dos temas revelação, mediação e salvação, a partir da teologia cristã das religiões, reforçando a tese de que a ação do Logos nas religiões não é apenas na forma seminal, mas já amadurecida e suficiente. A pesquisa se desenvolve em cinco passos: o ponto de partida é uma descrição suscinta do que é chamado “teologia das sementes do Verbo”, foco de nossa crítica. Os três passos seguintes consistem em observar mais detidamente tal visão a partir dos eixos da revelação do divino, da mediação do sagrado e do poder de salvação. Por fim, e de modo conclusivo, apresentamos a concepção de que a maturidade, e não somente “as sementes”, do Logos se expressa nos diferentes sistemas religiosos, incluindo o cristianismo, mas não com exclusividade. Isso impulsiona à construção de uma teologia cristã com traços interativos e policêntricos, entendendo o universalismo da presença e ação do Logos divino.
BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. Nova edição rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2004; CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Dei Verbum: sobre a Revelação divina. Disponível em: <https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651118_dei-verbum_po.html>. Acesso em: 02 mai. 2025; CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium: sobre a Igreja. Disponível em: <https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vatii_const_19641121_lumen-gentium_po.html>. Acesso em: 02 mai. 2025; CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Pastoral Gaudium et Spes: sobre a Igreja no mundo atual. Disponível em: <https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vatii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html>. Acesso em: 02 mai. 2025; CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium: sobre a Sagrada Liturgia. Disponível em: <https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vatii_const_19631204_sacrosanctum-concilium_po.html>. Acesso em: 02 mai. 2025; CONCÍLIO VATICANO II. Declaração Dignitatis Humanae: sobre a liberdade religiosa. Disponível em: <https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vatii_decl_19651207_dignitatis-humanae_po.html>. Acesso em: 02 mai. 2025; CONCÍLIO VATICANO II. Declaração Nostra Aetate: sobre a Igreja e as religiões não-cristãs. Disponível em: <https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vatii_decl_19651028_nostra-aetate_po.html>. Acesso em: 02 mai. 2025; CONCÍLIO VATICANO II. Decreto Unitatis Redintegratio: sobre o ecumenismo. Disponível em:<https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vatii_decree_19641121_unitatis-redintegratio_po.html>. Acesso em: 02 mai. 2025.
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[1] Professor do Programa de Pós-Graduação em Teologia da PUCRS.
[2] Professor do Programa de Pós-Graduação em Teologia da PUCRS.