Mauricio de Aquino
Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Professor Associado de História na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Contato: mauriaquino12@uenp.edu.br
Wagner Lopes Sanchez
Doutor em Ciências pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor e coordenador do Programa de Pós-Graduação de Ciência da Religião, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Contato: wagnersanchez@uol.com.br
Resumo: Cláudio Pastro (1948-2016) é reconhecido como o mais destacado artista sacro brasileiro do final do século XX e início do século XXI. Para o jubileu do ano 2000, em vista da entrada no Terceiro Milênio da era cristã, Pastro foi o artista escolhido pelo Vaticano, em 1995, para criar uma obra símbolo deste novo tempo. Também foi selecionado para, desde o ano 2000, criar e executar o grande projeto de reforma e ambientação do interior do Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, no vale do Paraíba, em São Paulo, o segundo maior templo católico do mundo, menor somente do que a Basílica de São Pedro, no Vaticano. O projeto artístico desenvolvido no Santuário de Aparecida deu maior evidência ao trabalho de Cláudio Pastro e também gerou interesse acadêmico em sua obra. Neste artigo, apresenta-se uma análise das diferentes perspectivas sobre a arte sacra de Cláudio Pastro a partir de teses e dissertações. Os resultados oferecem um quadro sintético das características desses trabalhos acadêmicos e a partir delas um conhecimento sistematizado acerca das informações nucleares da trajetória, influências, estilo e principais obras desse inovador artista sacro brasileiro.
Palavras-chave: Cláudio Pastro; Arte sacra no Brasil; Concílio Vaticano II.
Abstract: Cláudio Pastro (1948-2016) is recognized as the most outstanding Brazilian sacred artist of the late 20th and early 21st centuries. For the Jubilee of the Year 2000, on the occasion of the entry into the Third Millennium of the Christian era, Pastro was the artist chosen by the Vatican to create a work symbolizing this new era. Since 2000, he has also been selected to create and carry out the major decoration project for the National Shrine of Our Lady of Aparecida, in the Paraíba Valley in São Paulo, the second largest Catholic temple in the world, second only to St. Peter's Basilica in the Vatican. The artistic project developed at the Aparecida Sanctuary gave greater prominence to the work of Cláudio Pastro and also generated academic interest in his work. This article presents an analysis of the different perspectives on Cláudio Pastro's sacred art, based on the theses and dissertations. The results offer a synthetic picture of the characteristics of these academic works and from them a systematized knowledge about the core information of the paths, influences, style and main works of this innovative Brazilian sacred artist.
Keywords: Cláudio Pastro; Sacred art in Brazil; Second Vatican Council.
Cláudio Pastro (1948-2016) é reconhecido como o mais destacado artista sacro brasileiro do final do século XX e início do século XXI. Durante quarenta e um anos, de 1975 a 2016, dedicou-se integralmente à arte sacra. Seu último e maior programa artístico consagrou toda a sua trajetória: o grande projeto de reforma e ambientação interna do Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, o maior santuário mariano do mundo e o segundo maior templo católico, menor somente do que a Basílica de São Pedro, no Vaticano. A criação e execução desse projeto tornou o trabalho artístico de Cláudio Pastro ainda mais conhecido e gerou interesse acadêmico em diferentes áreas do conhecimento. (SOUTO, 2022, p. 22; TOMMASO, 2017, p. 199; TORRES, 2007, p. 81; SARTORELLI, 2005, p. 101).
Para conhecer a produção acadêmica especializada sobre a arte sacra de Cláudio Pastro, este artigo apresenta um inventário e uma análise de teses e dissertações, com base na metodologia de “estado da arte” ou “estado do conhecimento”.[1] Esse tipo de pesquisa bibliográfica se refere a “trabalhos de sistematização de dados, buscando compreensão sobre o conjunto de estudos produzidos” (TEIXEIRA, 2023, p. 9), conforme o recorte investigativo. Os materiais bibliográficos selecionados para a pesquisa foram teses e dissertações uma vez que melhor representam a produção acadêmica nacional. (TEIXEIRA, 2023; KHOLS-SANTOS, MOROSINI, 2021). A pesquisa realizada nas duas principais bases de dados, o Catálogo de Teses da Capes[2] e a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações[3], resultou efetivamente em um total de 10 trabalhos, sendo 4 teses e 6 dissertações.
Essa literatura especializada permite conhecer diferentes perspectivas sobre a arte sacra de Cláudio Pastro desde a Arquitetura, a Estética, a Educação, a História, a Ciência da Religião e a Teologia. Ela também possibilita identificar pontos em comum nas análises fazendo emergir as características marcantes da vida e obra desse artista sacro brasileiro que, segundo o pesquisador Gabriel Frade, é um dos que têm procurado “traduzir em suas obras o espírito da renovação litúrgica do Vaticano II”. (FRADE, 2012, p. 55).
A partir desses pressupostos e objetivos, este artigo inicia-se com a apresentação do inventário das teses e dissertações; depois, expõe e analisa três pontos recorrentes nessa literatura especializada sobre Cláudio Pastro: sua trajetória de vida, a relação com o Concílio Vaticano II e as duas principais obras presentes na produção acadêmica: o Santuário Nacional de Aparecida e o Cristo Evangelizador do Terceiro Milênio. O texto encerra-se com uma reflexão sobre as apreciações do conjunto do trabalho artístico de Pastro.
Para a pesquisadora Norma Ferreira, o estado do conhecimento se apresenta como um mapeamento e discussão de certa produção acadêmica sobre uma temática em vista de destacar aspectos centrais e dimensões mais privilegiadas e tendenciais nesses estudos. (FERREIRA, 2002, p. 258). Com esse propósito, a pesquisa pelos termos descritores “Cláudio Pastro” e “arte sacra”, realizada nas duas principais bases de dados da produção científica brasileira, o Catálogo de Teses da Capes e a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, resultou efetivamente em um total de 10 trabalhos acadêmicos, sendo 4 teses e 6 dissertações, sobre a arte sacra de Cláudio Pastro, no período de 2005 a 2022, detalhadas na tabela a seguir.
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Ano |
Título |
Autoria |
Área de concentração/ Universidade |
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2005 |
Cláudio Pastro: Arte como veículo do sagrado |
Alfredo César da Veiga |
Mestrado em Estética e História da Arte – Universidade de São Paulo |
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2005 |
O espaço sagrado e o religioso na obra de Cláudio Pastro - um estudo da produção arquitetônica e plástica de Cláudio Pastro e da arquitetura religiosa católica brasileira no século XX |
César Augusto Sartorelli |
Mestrado em Ciências da Religião – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
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2007 |
O Cristo do Terceiro Milênio - a visão plástica da arte sacra atual de Cláudio Pastro |
Marília Marcondes de Moraes Sarmento e Lima Torres |
Mestrado em Artes – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, São Paulo
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2013 |
A arte sacra de Cláudio Pastro na Basílica de Aparecida e sua contemporaneidade. História, cultura e leitura de suas obras |
Egídio Shizuo Toda |
Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo
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2013 |
O Pantocrator de Cláudio Pastro: importância e atualidade |
Wilma Steagall De Tommaso |
Doutorado em Ciências da Religião – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
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2015 |
Os painéis de azulejos de são José de Anchieta no pátio do colégio de Cláudio Pastro interpretados em três perspectivas: do artista, do espaço e do observador
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Claudinéia Cássia Genoveze |
Mestrado em Ciências da Religião – Universidade Metodista de São Paulo
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2018 |
A educação patrimonial no espaço sagrado: o potencial educativo nas obras de Cláudio Pastro na ambientação do Santuário de Nossa Senhora Aparecida/SP segundo as percepções de visitantes e turistas |
Taciane Terezinha Jaluska |
Doutorado em Teologia – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba
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2019 |
A iconografia da arte sacra de Cláudio Pastro na Basílica Nacional de Aparecida |
Richard Gomes da Silva |
Mestrado em Artes – Universidade do Estado do Rio de Janeiro |
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2019 |
A universalidade da mulher que se tornou Nossa Senhora e sua relação primitiva- contemporânea na história, arte, religião e semiótica |
Egídio Shizuo Toda |
Doutorado em Educação, Arte e História da Cultura – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo
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2022 |
Processos de criação na obra de Cláudio Pastro: uma investigação estético-teológica no acervo em papel do mosteiro Nossa Senhora da Paz |
Hilda (Teixeira) Souto (Santana) |
Doutorado em Teologia – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba |
Tabela 1 – Teses, dissertações e artigos sobre Cláudio Pastro nas três principais bases de dados acadêmicos do Brasil. Fonte: elaborada pelo autor.
Os 10 trabalhos acadêmicos listados na tabela 1 representam um campo de investigação constituído por 5 distintas áreas de concentração do conhecimento: Ciências da Religião (2 mestrados e 1 doutorado); Teologia (2 doutorados); Artes (2 mestrados); Educação, Arte e História da Cultura (1 mestrado e 1 doutorado); Estética e História da Arte (1 mestrado). As 9 pesquisadoras e pesquisadores têm graduação em Arquitetura (2), Artes (2), Letras (1), Teologia (1), História (1), Turismo (1) e Comunicação Digital (1). Esses dados demonstram o interesse multidisciplinar na obra de Cláudio Pastro, sobretudo no campo das Artes e das Ciências da Religião e Teologia. Reflexo da própria vida e obra desse artista.
As 10 teses e dissertações foram desenvolvidas em 7 instituições diferentes, oriundas dos estados do Rio de Janeiro (UERJ), São Paulo (USP, UNESP, PUC-SP, Mackenzie, Metodista) e Paraná (PUC-PR). Delas, 3 são instituições estaduais (USP, UNESP, UERJ) e 4 são instituições particulares confessionais cristãs (PUC-SP, PUC-PR, Mackenzie, Metodista). Nas instituições estaduais, as 3 dissertações são da área de Artes – Artes visuais (2), Estética e História da Arte (1). Nas instituições particulares, as 3 dissertações e 4 teses são das áreas de Ciências da Religião (3); Teologia (2); Educação, Arte e História da Cultura (2). Os dados revelam o predomínio de trabalhos realizados em instituições de São Paulo, estado de origem e de maior atuação de Pastro, bem como em instituições confessionais cristãs, as mais interessadas na novidade trazida pelo estilo de sua arte sacra contemporânea. As 4 teses foram produzidas em programas de Teologia (2), Ciências da Religião (1) e Educação, Arte e História da Cultura (1) de instituições confessionais.
Dessa produção acadêmica, 1 tese (TOMMASO, 2013) e 5 dissertações (SARTORELLI, 2005; VEIGA, 2005; TORRES, 2007; TODA, 2013; GENOVEZE, 2015) foram publicadas no período de 2005 a 2015, durante a vida de Cláudio Pastro, falecido em 2016. Esses primeiros trabalhos, de um período de dez anos, revelam a admiração pela obra desse artista no auge de sua produção. Contando com a possibilidade de consultá-lo, trazem o registro de preciosas entrevistas com ele, em uma interação entre analista e analisado. Em suas conclusões, esses trabalhos indicam horizontes abertos da obra em execução de um inovador e dinâmico artista sacro contemporâneo.
Em 2005, as dissertações de Alfredo César da Veiga (2005) e de César Augusto Sartorelli (2005) situam a arte sacra de Cláudio Pastro, respectivamente, no campo da estética, como uma arte que realiza uma síntese seletiva de estilos passados segundo a “autoridade da tradição” propondo a arte como veículo do sagrado e resposta aos caos contemporâneo (VEIGA, 2005, p. 56-57); e no campo da arquitetura sacra, em que Pastro se destaca com projetos parciais ou completos de espaços sagrados como um “arquiteto vernacular” de maior destaque na quantidade e qualidade de projetos que unem arquitetura e arte desde uma referenciada teologia do espaço (SARTORELLI, 2005).
A dissertação de Marília Torres (2007) foi a primeira no campo específico das Artes Visuais. Essa pesquisa de mestrado analisou a visão plástica da arte de Cláudio Pastro na obra “O Cristo Evangelizador do Terceiro Milênio”, de 1998, encomendada pelo Vaticano para o grande jubileu do ano 2000, e traz valiosas entrevistas realizadas com o artista. Essa dissertação situa a obra de Pastro na história da arte, particularmente na criação artística da face de Cristo, em vista da “compreensão da sua proposta estética plástica e histórica” (TORRES, 2007, p. 4), demonstrando a qualidade e repercussão internacional de seu trabalho.
Em 2013, Wilma Tommaso também abordou a obra “O Cristo Evangelizador do Terceiro Milênio”, mas localizando-a na história da arte referente à produção do Cristo Pantocrator, em sua pesquisa de doutorado em Ciência da Religião na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Trata-se da primeira tese sobre a arte sacra de Cláudio Pastro e traz também preciosas entrevistas com o artista. Na tese, Tommaso (2013, p. 17) buscou “entender e aprofundar a relação entre arte e religião, de forma geral, e na obra de Cláudio Pastro”. Para ela, o Pantocrator, a imagem do Cristo na glória, típica do primeiro milênio da arte cristã, é sinal distintivo do estilo de Cláudio Pastro uma vez que sintetiza sua concepção de arte sacra de retorno às fontes do cristianismo, opõe-se ao barroco marcado pelo Cristo crucificado, e nos diferentes pantocrators se manifestam seus novos usos de traços, formas, materiais e cores.
Ainda em 2013, Egídio Toda defendeu a primeira dissertação especificamente dedicada ao estudo da arte sacra de Cláudio Pastro na Basílica de Aparecida. Nesse contexto, o projeto de ambientação da Basílica estava avançado, e sua beleza gerou contínua e progressiva atenção pública. Desde uma leitura semiótica, a dissertação se preocupa em situar esse projeto de Pastro na história de Nossa Senhora Aparecida e de sua Basílica Nova, bem como na história da arte, indagando sobre as concepções e visões da Igreja e de Pastro acerca da escolha do artista, do projeto e de sua apreciação final. Traz também entrevistas com Cláudio Pastro, mas amplia a perspectiva ao entrevistar ainda o reitor e a coordenadora de visitação da Basílica. Ao final, Toda afirma que a “escolha de Cláudio Pastro, entre outros 20 artistas especializados, evidencia o cuidado que se teve em garantir que o artista escolhido levasse em conta todo esse patrimônio devocional” (TODA, 2013, p. 135) associado a devoção mariana, à tradição litúrgica e artística da Igreja, bem como com a história da arte, em sintonia com as sensibilidades religiosas e culturais do tempo presente.
No ano de 2015, Claudinéia Genoveze defendeu dissertação sobre uma temática específica da arte sacra de Cláudio Pastro: os painéis de azulejos sobre são José de Anchieta no pátio do Colégio, em São Paulo. Esses painéis integram o projeto de reforma da igreja de são José de Anchieta, no centro histórico de São Paulo, encomendado pelos jesuítas e iniciado em 2009 por Cláudio Pastro. Genoveze realiza a análise desde três perspectivas: do artista, do espaço e do observador. Destaca o reconhecimento do trabalho artístico de Cláudio Pastro, seu relacionamento com os jesuítas, o projeto de reforma desse espaço histórico e a novidade da representação de são José de Anchieta nos azulejos em relação à iconografia anchietana conhecida no Brasil. Aliás, ressalta que esse novo estilo traz dificuldades de compreensão ao observador uma vez que exige dele conhecimentos prévios sobre a tradição da Igreja (GENOVEZE, 2015, p. 146). Também aborda os conflitos surgidos durante a execução do projeto, principalmente quando o pesquisador Percival Tirapeli, especialista em arte sacra, declarou em entrevista que a reforma destruiu o pouco que restava do patrimônio histórico colonial presente no interior daquela construção. (GENOVEZE, 2015, p. 142).
Após o falecimento de Pastro, em 2016, foram publicadas 3 teses (JALUSKA, 2018; TODA, 2019; SOUTO, 2022) e 1 dissertação (SILVA, 2019). Nesses trabalhos percebe-se uma abordagem distinta. Agora analisa-se a obra, conclusa ou inconclusa, de um artista falecido. Apresentam uma apreciação do conjunto de seu legado artístico, de seus significados e possibilidades artístico-culturais e teológicas.
A tese de Taciane Jaluska (2018) abordou as obras de Cláudio Pastro no Santuário Nacional de Aparecida quanto à sua potencialidade para a educação patrimonial. Desenvolveu uma pesquisa observacional participante em visita mediada noturna no Santuário, bem como empregou questionários para avaliar e comparar as percepções de turistas e peregrinos em suas visitas espontâneas (sem acompanhamento de um mediador cultural) e mediadas (com mediador cultural). Demonstra que a qualidade técnica e de concepção da arte sacra de Cláudio Pastro favorece a educação patrimonial nesse espaço sagrado ao mesmo tempo em que a melhor fruição de suas obras exige uma visita orientada pelos profissionais de mediação cultural para justamente criar situações educativas de compreensão desse elaborado patrimônio sacro: “fica evidente a dificuldade do olhar e da interpretação das obras de Pastro por parte do público espontâneo, aquele que não participa do processo de mediação cultural, por isso a necessidade do crescimento dessa atividade”. (JALUSKA, 2018, p. 205).
Egídio Toda, em sua tese de 2019, analisa a obra de Cláudio Pastro sobre Nossa Senhora inscrevendo-a na história litúrgico-artística da representação de Maria, a mãe de Jesus, nas interfaces entre arte, história, cultura, teologia e semiótica. Considerando a universalidade de Nossa Senhora, estuda aparições e santuários marianos em diferentes lugares do mundo. Compara o estilo bizantino de Theodore Metochites, do século XIV, na igreja de São Salvador de Chora, em Istambul, com o de Cláudio Pastro na Basílica de Aparecida, do século XXI. Conclui que “Pastro reformulou a linguagem artística existente sem esquecer dos signos cristãos já enraizados e apropriados por séculos. [...] propõe forças visuais elementares impregnadas de significados para uma resposta rápida, direta e infalível, perante ao público erudito e para o grande público dos que veneram, oram e visitam os painéis e a gigantesca basílica diariamente.” (TODA, 2019, p. 269). Como anexo dessa tese, Toda disponibiliza transcrição do último curso proferido por Cláudio Pastro, pelo Museu de Arte Sacra de São Paulo, em agosto de 2016.
Também em 2019, Richard Silva defendeu sua dissertação sobre a iconografia da arte sacra de Cláudio Pastro na Basílica de Aparecida. Ele analisou particularmente os ciclos narrativos azulejares sobre a vida de Jesus Cristo, produzidos para as arcadas internas da Basílica. Ciclos narrativos que Pastro denominou Biblia Pauperum, do latim “Bíblia dos Pobres”, fazendo referência às produções imagéticas medievais de cenas bíblicas que tinham caráter didático para as pessoas analfabetas. Silva situa o estilo azulejar de Pastro no contexto da história da arte, analisando-o especialmente em relação aos trabalhos azulejares de Henri Matisse, Cândido Portinari e Athos Bulcão. A dissertação procura evidenciar ainda que Pastro “considerou a função de sua obra de educar liturgicamente, tendo como via a contemplação da beleza contida nas imagens presentes no interior do templo.” (SILVA, 2019, p. 185).
Hilda Souto defendeu sua tese sobre os processos de criação na obra de Cláudio Pastro no ano de 2022. Artista plástica, ela foi assistente de Cláudio Pastro em vários trabalhos (painéis, cerâmica e assessoria em exposições e projetos gráficos), tendo sido convidada pelo próprio artista, em 2015, para catalogar sua obra. Pesquisadora de arte sacra, Souto partiu dessa sua experiência para estudar, desde o acervo privado em papel do Mosteiro Nossa Senhora da Paz, o conjunto dos processos de criação artística de Cláudio Pastro na perspectiva das relações entre Teologia e Arte, de modo particular sua expressão estético-teológica de Jesus Cristo (Cordeiro, Bom Pastor, Crucificado), segundo o referencial teórico-metodológico da crítica genética. As informações que reuniu na catalogação da obra de Pastro permitiram-lhe desenvolver uma detalhada apresentação de amplo estado da arte de variadas publicações sobre esse artista, muitas delas raras ou em acervos privados, bem como estabelecer riquíssimas relações e comparações entre suas diferentes obras, em distintos tempos e espaços, e ainda com os teóricos da arte sacra e teologia da arte. Tese que apresenta “um novo olhar sobre a obra pública de Pastro para que ela possa ser vista em sua gênese” (SOUTO, 2022, p. 190), isto é, a partir da análise de sua criação privada, no movimento de dentro para fora, do interior para o exterior, como é próprio à arte sacra.
As 10 teses e dissertações sobre a arte sacra de Cláudio Pastro, defendidas no período de 2005 a 2022, revelam diferentes perspectivas da obra desse artista desde distintas áreas, referenciais teórico-metodológicos, objetivos e recortes analíticos. Por outro lado, há uma recorrência nessa produção acadêmica quanto a apresentação da história de vida ou trajetória pessoal de Cláudio Pastro. As dissertações e tese anteriores à morte de Pastro em 2016 são construídas também a partir do diálogo com as entrevistas realizadas com o artista. Essas entrevistas, e outras de diferentes fontes, são retomadas nos trabalhos posteriores a 2016. Portanto, com base nessa literatura especializada, pode-se considerar que em Pastro, vida e arte estavam em profunda interação. Suas experiências, saberes e profundas convicções cristãs e estéticas são as fontes de seu trabalho artístico.

Figura 1 - Cláudio Pastro.
Fonte: Torres (2007, p. 81).
Em São Paulo, capital, Cláudio Pastro nasceu em 15 de outubro de 1948, e faleceu no dia 19 de outubro de 2016. O sobrenome Pastro veio do avô paterno, italiano da região do Vêneto. De família católica, foi formado na infância e adolescência por religiosas irmãzinhas da Assunção, cujo convento situava-se em frente à casa de seus pais, no bairro de Perdizes. De sua mãe modista, conhecida por “Luizita”, recebeu lições de desenho prático. No tempo de iniciar os estudos universitários, na impossibilidade financeira de estudar na faculdade de Belas-Artes, cursou Ciências Sociais na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo [PUC-SP], e depois, com o apoio de congregações monásticas beneditinas, femininas e masculinas, que identificaram e apoiaram o seu talento artístico, e também do movimento “Comunhão e Libertação”, seguiu para diversos lugares com o objetivo de conhecer e se especializar em arte e cultura sacra. (SARTORELLI, 2005; TORRES, 2007; TOMMASO, 2013; TODA, 2013; SOUTO, 2022).
Os principais lugares por onde passou e estudou foram: Mosteiro Keur Moussa [Senegal]; Abadia Notre-Dame de Tournay [França]; Academia de Belas-Artes Lorenzo de Viterbo [Itália]; Mosteiro de Santo Anselmo, em Roma [Itália]; Museu de Arte Sacra da Catalunha [Espanha]; Abadia de Tepeyac [México] e no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo [Brasil]. Pastro também foi discípulo de dois mestres ítalo-brasileiros: o escultor e arquiteto Galileo Emendabile [1898-1974] e do pintor e muralista Fúlvio Pennacchi [1905-1992]. (SARTORELLI, 2005; TORRES, 2007; TOMMASO, 2013; TODA, 2013; SOUTO, 2022).
Sua primeira exposição, marco inicial de seu trabalho artístico, foi em agosto de 1975 com dez pequenos quadros em couro com pirogravura e tinta acrílica, na paróquia São Mateus, periferia de São Paulo. Os desenhos sobre a vida de Jesus expressavam uma síntese da tradição cristã com a pluralidade étnica e cultural brasileira. Recebendo apoio de dom Francesco Ricci, do movimento Comunhão e Libertação, essa exposição foi levada à Itália, Áustria, Alemanha, Suíça e França. A partir daí progressivamente vieram novas exposições no Brasil, na América Latina e na Europa, ao mesmo tempo em que Pastro periodicamente viajava para diferentes regiões do Brasil e da Europa. (TOMMASO, 2013; SOUTO, 2022). Em 1980-1982, o primeiro grande projeto em um espaço sagrado: o painel “A História da Salvação”, na igreja paroquial de São Bento, no bairro do Morumbi em São Paulo, dos monges beneditinos húngaros. Neste mesmo ano de 1980, foram-lhe encomendados também a reforma interna do mosteiro Nossa Senhora da Paz, das monjas beneditinas em Itapecerica da Serra-SP; a capela da CNBB, em Brasília-DF. Em 1981, o primeiro grande projeto internacional: a pintura dos ícones do Pantocrator e de Santo André, no mosteiro de Santo André de Ottignies, Louvain-la-Neuve, Bélgica. Até 2021 foram catalogados 234 projetos em igrejas, capelas, colégios, seminários, arte tumular e monumentos. (SOUTO, 2022, p. 296-309). Com esses projetos, ao longo de 41 anos, ocupou-se ainda de inúmeros desenhos, esboços, projetos menores não registrados, design de vasos sagrados e paramentos etc. (TODA, 2019, p. 264).
A história pessoal de Cláudio Pastro é marcada também pelo sofrimento. Desde 1997, Pastro havia sido diagnosticado com hepatite C, cirrose hepática e diabetes. Em 2001, foi internado e ficou em coma por alguns dias. Em 2003, teve o fígado transplantado. (TOMMASO, 2013, p. 26; SOUTO, 2022, p. 126).
Suas principais raízes e inspirações estão no monaquismo beneditino e no Concílio Vaticano II com as orientações para a centralidade de Jesus Cristo, a questão ad fontes [retorno às fontes cristãs] e a inculturação. Pastro se considerava mais desenhista do que pintor. Sempre muito atento ao traço, à linha, que buscou aprimorar ao longo da vida, inspirando-se, sobretudo, nos estilos românico e bizantino. (VEIGA, 2005; SARTORELLI, 2005; TORRES, 2007; TOMMASO, 2013; TODA, 2013; GENOVEZE, 2015; SILVA, 2019; SOUTO, 2022).
Esse é um panorama da trajetória[4] de Cláudio Pastro. A seguir, serão apresentados destaques da literatura especializada sobre alguns momentos considerados fundamentais de sua história de vida.
Na tese de Wilma Tommaso, encontra-se uma análise do momento em que ele cursa Ciências Sociais e dedica-se à educação. Essa experiência inicial testou sua perseverança à arte, iniciou-o na didática e levou-o a desenvolver o pensamento crítico. Segundo Tommaso:
Assim, quando pensou em cursar uma faculdade, Cláudio Pastro escolheu Belas-Artes, o que foi muito incentivado pelos professores. Na época, havia duas opções: a Pinacoteca e a FAAP. Mas não teve condições de fazer o curso, pois seus pais não podiam pagar a faculdade.
Corriam os últimos anos da década de 60, em plena ditadura. Por influência dos amigos, escolheu Ciências Sociais, na PUC-SP. Não conseguia se adaptar. Vivia dizendo não querer aquilo, sentia-se infeliz. Foram anos de sofrimento. Ele tentava compensar-se desenhando intensamente. Hoje, reconhece que a PUC o ajudou a desenvolver o pensamento crítico.
Para pagar a faculdade, dava aulas livres pela Prefeitura de São Paulo em cursos pré-vestibular e madureza, o que o fez ver a importância da didática.” (TOMMASO, 2013, p. 13).
César Sartorelli destaca as experiências de Pastro com o monaquismo beneditino e sua influência no estilo do artista. Para Sartorelli:
O monaquismo beneditino, sua grande influência e matriz, começou a fazer parte de sua vida através das missas no convento das Irmãzinhas da Assunção, onde iniciou o seu aprendizado religioso. A irmã assuncionista madre Charles de Saint-Benoît (Colette Catta) tinha um irmão, Dominique Catta, monge de Solesmes - que naquela época estava fundando o mosteiro de Keur Mossa, no Senegal. Este mosteiro no Senegal tem uma igreja com afrescos (datados de 1963), que são uma grande referência para o trabalho de Claudio, registrados em fotos e citados em comentários no seu primeiro livro sobre Arte Sacra e Espaço Sagrado.
Em 1967 visitou o Mosteiro de Keur Mossa e depois foi ao Marrocos, viajando por cerca de 1 mês. Este contato com uma estética de releitura da primitivismo africano, que consta de seus livros, foi uma forte influência que marcou toda a gênese de seu trabalho plástico. Neste contato através da professora Colette Catta com o monaquismo beneditino, Cláudio Pastro foi introduzido numa escola em que a relação entre Arte e Liturgia tem como princípio segundo suas próprias palavras: “...o amor pelo essencial e pela sobriedade.”
Este “amor pelo essencial e pela sobriedade” é característico sobremaneira de uma segunda fase de seu trabalho, mais estilizado, maduro, enquanto que no início, na sua apropriação do primitivo, sua obra pictórica é excessiva, não no sentido depreciativo do excesso, mas quantitativo de carga de traços, figuras e cromatismo. (SARTORELLI, 2005, p. 12).
Wilma Tommaso ressalta também o papel do Mosteiro Nossa Senhora da Paz na trajetória de Pastro:
O Mosteiro Nossa Senhora da Paz nasceu de uma proposta de divisão da abadia de Santa Maria, primeiro mosteiro feminino da América Latina, sugerida pelo então arcebispo de São Paulo, cardeal Dom Agnello Rossi. Assim foi feito. Uma parte da abadia de Santa Maria, que se situava na Rua São Carlos do Pinhal com a Alameda Campinas, onde hoje é o Maksoud Plaza, transferiu-se para o Tremembé, guardando o nome original. Outra parte foi para Itapecerica da Serra, dando origem ao Mosteiro Nossa Senhora da Paz.
Por meio do mosteiro, Claudio Pastro fez grandes e importantes amizades. Madre Dorotéia Rondon Amarante, neta do Marechal Rondon, foi uma delas. Segundo ele, a monja fazia iluminuras belíssimas. Hoje, com 95 anos, ainda vive no Mosteiro.
[...]
Na mesma época, Pastro conheceu Dom Martinho Michler que foi Abade do Mosteiro do Rio de Janeiro de 1949 a 1974. Veio para o Brasil em 1930, como monge, e foi mestre dos noviços. Era discípulo e amicíssimo de Romano Guardini, mais uma amizade que o Mosteiro Nossa Senhora da Paz lhe proporcionou. (TOMMASO, 2013, p. 34-35).
De fato, durante quarenta anos, de 1976 a 2016, Pastro frequentou e viveu no Mosteiro Nossa Senhora Paz, onde, em 2004, foi consagrado oblato beneditino, adotando o nome de Ir. Martinho, em referência a Dom Martinho Michler. Nele Pastro aprendeu e ensinou, formou(-se) e reformou(-se). E hoje o seu túmulo encontra-se ao lado da capela desse mosteiro. (SOUTO, 2022).
As teses e dissertações sobre a arte sacra de Cláudio Pastro são unânimes em afirmar que o Concílio Vaticano II é a referência decisiva no trabalho desse artista. Realizado entre 11 de outubro de 1962 e 8 de dezembro de 1965, o Vaticano II abriu um novo tempo na Igreja, renovando inclusive o significado de um concílio, como argumentou o historiador John W. O’Malley:
O que é, então, um concílio? A definição original permanece: uma reunião de bispos, principalmente, reunidos em nome de Cristo para tomar decisões vinculativas para a Igreja. Mas com o Vaticano II a natureza dessas decisões mudou. O Vaticano II tornou-se assim, repito, uma reunião em que a Igreja explorou e articulou a sua identidade de uma forma nova, recordou e desenvolveu os seus valores mais preciosos e proclamou ao mundo a sua visão sublime para a humanidade. (O’MALLEY, 2020, p. 31).
O Vaticano II anuncia um novo modo da Igreja conceber a história, de situar-se na história. Segundo o pesquisador Wagner Lopes Sanchez, a história é entendida nos documentos conciliares como unidade complexa, como aprimoramento do mundo criado, como manifestação do sentido cristão, como lugar da revelação de Deus, sendo a Igreja inserida na história. (SANCHEZ, 2015, p. 438). Nas conclusões de Sanchez:
De fato, a noção de h. [história] assumida pelo Concílio foi fundamental para a elaboração da teologia do mundo subjacente aos textos conciliares e para produzir uma nova compreensão da Igreja Católica, do seu lugar no mundo e da sua missão de anunciar o Reino de Deus nas diversas situações históricas vividas pelas pessoas. (SANCHEZ, 2015, p. 440).
Nesse contexto de renovação eclesial, a liturgia estava entre os temas mais importantes. O primeiro documento aprovado pela assembleia conciliar foi justamente sobre a sagrada liturgia: a Constituição Dogmática Sacrosanctum Concilium. Segundo os especialistas Bogaz e Hansen (2015, p. 860-861):
Este documento propiciou transformações práticas nas atividades celebrativas, mas também preocupação doutrinal, considerando as orientações dogmáticas da tradição cristã referentes à validade e liceidade sacramental. Do ponto de vista teológico, o mistério pascal é o núcleo místico de toda a celebração, como está disposto nos vários artigos introdutórios da liturgia cristã (cf. SC 5-13). Esse documento assinala que a importância da missão essencial da Igreja é anunciar e celebrar a salvação de Cristo para toda a humanidade, cuja fonte está na paixão, morte e ressurreição de Cristo. Os ritos e os sacramentos atualizam na história este projeto de salvação, sendo assumida como a fonte e o ápice de toda a vida da Igreja (cf. SC 10).
Especificamente sobre a arte sacra, apresentada no capítulo VII da Constituição Sacrosanctum Concilium, a pesquisadora Maria Ângela Vilhena (2015, p. 34) observa que:
Aos artistas que, levados por seu gênio, querem servir na Igreja Católica à gloria de Deus, a Constituição lembra que a a.[arte] sacra destina-se ao culto católico, e de certa forma à sagrada imitação de Deus Criador, louvando-o, exaltando-o, contribuindo para a edificação, piedade, santificação e instrução dos fiéis (cf. SC 127c).
Assim entendidas, as a. [artes] sacras, vinculadas que são ao culto divino, abrigam vários estilos, expressões, formas e materiais. Incluem elas tanto a arquitetura funcional das igrejas para a celebração de atos litúrgicos e obtenção da participação ativa dos fiéis, quanto a edificação dos altares, a nobreza e disposição segura do sacrário eucarístico, a decoração, a ornamentação, as imagens, as vestes sacras, a música sacra e o canto, as sagradas alfaias. Adverte o documento que, em se tratando de a. [arte] sacra, no que diz respeito às vestes litúrgicas e aos ornamentos, seja observada a mais nobre beleza do que a mera suntuosidade (cf. SC 124).
Com o final do Concílio Vaticano II, iniciou-se “o longo período da recepção por parte das Igrejas” (ALBERIGO, 2005, p. 440), que se apresenta como “uma recepção necessariamente lenta e prolongada” (FAGGIOLI, 2013, p. 21). Tempo de diferentes interpretações sobre o Vaticano II no catolicismo brasileiro. (SILVA JÚNIOR, 2013). Segundo José Oscar Beozzo (2015, p. 802):
A recepção é o elemento de verificação mais importante, pois revela quais dimensões foram capazes de passar para o quotidiano da igreja, que outras deixaram de ser assimiladas e até mesmo as que foram seletivamente abandonadas. A recepção do Vaticano II tornou-se mais complexa, pois foi o primeiro Concílio realmente universal na composição dos seus membros vindos de igrejas dos cinco continentes.
O pesquisador Márcio Luiz Fernandes, situa a obra de Cláudio Pastro no campo da recepção artística do Vaticano II:
A fecundidade extraordinária do Concílio e os seus primeiros frutos no campo da arte sacra na América Latina podem ser investigados na obra de Cláudio Pastro e de Maximino Cerezo Barredo. Dentre os artistas sacros na América Latina esses dois nomes ilustram como as sementes do Concílio desencadearam uma renovação na compreensão eclesial e pastoral da Igreja cujas repercussões estão expressas e impressas no espaço sagrado de nossas capelas, igrejas e catedrais; nas universidades, centros educativos e sociais; nos museus de arte sacra e espalhada pelo Brasil, América Latina e Europa. (FERNANDES, 2015, p. 797).
As considerações desses especialistas sobre o Vaticano II oferecem um quadro de referência para a análise e compreensão das relações entre a arte sacra de Cláudio Pastro e o Vaticano II, ponto recorrente nas teses e dissertações sobre a obra desse artista.
César Sartorelli enfatiza a relação de Cláudio Pastro com o Concílio Vaticano II, destacando os aspectos da centralidade de Jesus Cristo e do Mistério Pascal, do retorno às fontes e da inculturação (SARTORELLI, 2005, p. 75). E, nesse último aspecto, ressalta o aproveitamento pioneiro na arte contemporânea que Pastro fez de elementos iconográficos afro-brasileiros e indígenas, aos quais Pastro se referia como ‘arte primitiva’. (SARTORELLI, 2005, p. 101).
Marília Torres afirma que a produção artística de Pastro “é formada pelo proposto pelo Concílio Vaticano II, que fez uma reformulação idiomática, gestual, a litúrgica e artística. Os santos perdem seus altares e Jesus volta a ser o centro da fé cristã.” (TORRES, 2007, p. 84).
Egídio Shizuo Toda aponta em sua dissertação como os projetos artísticos de Pastro procuraram aplicar as orientações e inspirações do Vaticano II para a arquitetura, a arte sacra e o espaço litúrgico, particularmente no caso da Basílica Nacional de Aparecida. (TODA, 2013, p. 52).
Wilma Tommaso destaca Cláudio Pastro como um artista pós-conciliar que buscou aplicar as indicações do Vaticano II, mormente da Constituição Sacrosanctum Concilium, de recuperação do sentido do sagrado e da arte como linguagem do mistério. (TOMMASO, 2013, p. 215).
Claudinéia Genoveze enfatiza que Pastro se apresentava “como fruto do Concílio do Vaticano II” de um modo inovador, não restringindo-o ao tempo presente, mas abrindo-se à tradição artística da Igreja, sobretudo do primeiro milênio, onde buscou referências para uma arte ecumênica. (GENOVEZE, 2015, p. 25).
Taciane Jaluska ressalta que “é possível visualizar a correta aplicação da liturgia sugerida pelo Concílio Vaticano II na arte sacra do espaço sagrado de Aparecida por Pastro, quando, mesmo sendo um santuário mariano, a figura centralizada é Cristo e tudo leva a Ele [...]” (JALUSKA, 2018, p. 200).
Richard Silva, por sua vez, considera que o fato de Pastro apresentar-se como artista segundo o Vaticano II fez com que ele acabasse “se destacando no cenário da produção de arte sacra contemporânea, com uma obra auto afirmativa acompanhada de um discurso-resposta às demandas de uma renovação litúrgica aventada pela junta clerical.” (SILVA, 2019, p. 181).
Hilda Souto observa que o Concílio Vaticano II não estabeleceu um estilo próprio e uniformizante, somente indicou pontos de orientação, permitindo a liberdade de criação. Para ela, nesse contexto, a arte sacra de Pastro assumiu o Vaticano II “por meio do encontro com a arte românica e os ícones bizantinos e, aqui no Brasil, com a originalidade das culturas indígena e negra.” (SOUTO, 2022, p. 157).
Na literatura especializada sobre Cláudio Pastro, representada por teses e dissertações, a reforma e ambientação do interior do Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida (2000-2016) e o ícone O Cristo Evangelizador do Terceiro Milênio (1998) são apontadas como as suas principais e mais destacadas obras. Elas expressam a consolidação das concepções artísticas de Pastro, bem como confirmam o reconhecimento nacional e internacional que granjeou pelo dedicado serviço à arte sacra ao longo de décadas.
A reforma e ambientação do interior da Basílica ou Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida é mencionada em todas as teses e dissertações, apontada por todos como a grande obra de Cláudio Pastro. Dessa literatura especializada, duas teses (JALUSKA, 2018; TODA, 2019) e duas dissertações (TODA, 2013; SILVA, 2019) se concentraram na análise de aspectos dessa reforma e ambientação do interior da Basílica de Aparecida.
Egídio Toda desenvolveu as investigações de mestrado e de doutorado tendo a obra de Pastro em Aparecida como seu objeto de pesquisa. Na dissertação, de 2013, Toda apresenta a devoção a Nossa Senhora Aparecida e a história da construção de seu Santuário, prossegue destacando o trabalho artístico de Cláudio Pastro, sua escolha e o projeto que elaborou para a reforma e ambientação interior do Santuário de Aparecida. A partir de documentos e entrevistas, expõe e contrapõe as visões da Igreja e de Pastro sobre o Santuário, sobre a escolha do artista para esse projeto e sobre a obra executada, concluindo com uma análise imagética e semiótica dessa reforma e ambientação.
Egídio Toda explica o contexto de início desse projeto:
Concluída a etapa da construção estrutural do templo, que durou 42 anos, de 1955 a 1997, uma tarefa não menos importante era a de acabamento da nova basílica. Além dos 182.000 m² de piso a decorar, as 4 naves com 40 metros de altura, a cúpula de 70 metros e os enormes vitrais de cada uma das naves e das 5 capelas, eram um grande desafio, principalmente tendo em vista que essa obra em si mesma deveria ter um conteúdo evangelizador muito forte.
A nova basílica, como vimos, foi projetada no início da década de 50 e, portanto, foi adequada ao modelo litúrgico então vigente. Daí decorre o comentário que fizemos no item 1.1. acima: “na nova basílica, o altar da imagem de Nossa Senhora Aparecida foi projetado para o centro, sob a cúpula. Em torno da plataforma teria mais oito pequenos altares, o que permitiria a celebração de nove missas simultâneas”.
A basílica pós concílio tinha que ser revista, em função das novas diretivas do Concílio Vaticano II, em que o altar da celebração tem que ocupar o centro da Igreja. Com isso, a Nave Sul foi adaptada para receber a imagem de N. Sra. Aparecida, de forma que os fiéis em todas as naves convergissem para o centro da celebração, o altar. (TODA, 2013, p. 51-52).
Ele também destaca, a partir de entrevista de 2011 com o então reitor da Basílica de Aparecida, padre Darci Nicioli, o processo de escolha de Pastro:
Foram convocados diversos artistas sacros, dentre eles Cláudio Pastro. O que mais chamou a atenção na proposta dele foi a sua consistência com as recomendações do Concílio Vaticano II, de que tudo deveria partir do altar central e não do trono de Nossa Senhora, porque tudo se inicia e finda em Jesus Cristo. Daí é que derivaria todo o acabamento da nova basílica. O grupo então resolveu, por unanimidade, optar pelo Cláudio Pastro, pela sua competência, pelas obras realizadas por ele, não só no Brasil, mas também no exterior, bem como pelos livros editados por Cláudio Pastro, que mostram um conhecimento bastante profundo da arte sacra. (TODA, 2013, p. 63-64).
Na tese, de 2019, Egídio Toda analisa o Santuário de Aparecida como elemento central de seu estudo sobre a universalidade de Nossa Senhora, reconstruindo os fundamentos históricos, bíblicos e artísticos sobre Maria, a mãe de Jesus. Aborda também as concepções e práticas devocionais. O núcleo do estudo reside na comparação entre a arte bizantina do século XIV, na igreja de são Salvador de Chora, Istambul, Turquia, e o seu uso contemporâneo, no século XXI, por Cláudio Pastro, na Basílica de Aparecida.
Sobre o que Toda define como estilo bizantino de Pastro em Aparecida, observa-se, segundo ele, que:
As obras apresentadas por Pastro, nos painéis de azulejos, é uma releitura da doutrina cristã e que se repete por séculos. Na interpretação dos evangelhos, o artista foi buscar inspirações e referências na arte sacra bizantina oriental, que é a base da criação de suas obras sagradas – a liturgia oriental – em uma criação nova, com frescor jovem e contemporâneo, com múltiplos signos e riqueza simbólica. (TODA, 2019, p. 268-269).

Figura 2 – Basílica Nacional de Nossa Senhora Aparecida.
Fonte: Toda (2019, p. 183)
Richard Silva, em sua dissertação de 2019, sobre a iconografia dos ciclos narrativos azulejares da vida de Jesus no Santuário de Aparecida, também considera que:
[...] Cláudio Pastro propunha uma redescoberta da arte sacra “criando (...) novas obras, não idênticas, sem dúvida, às dos passado, (...), análogas por emanarem do mesmo Princípio Espiritual”.
Deste modo, a Igreja no Ocidente, a partir das formas plásticas do artista sacro no Santuário Nacional de Aparecida, experimenta esse retorno às origens da liturgia das primeiras comunidades cristãs, mesmo que na forma de releituras.
Sua iconografia é a prova, portanto, de que a imagem cristã, que tem base no Medievo, se perpetua na contemporaneidade, constituída das mesmas funções do passado e possibilitando que o Mistério Pascal de Cristo ainda possa ser introduzido simbolicamente em novos tempos e novos lugares. (SILVA, 2019, p. 193).
Taciane Jaluska, em sua tese de 2018, acerca da potencialidade educativa da obra de Cláudio Pastro no Santuário de Aparecida em vista da educação patrimonial no espaço sagrado, aponta que:
Em Aparecida, Pastro foi responsável desde o piso até o teto, passando por 34 painéis com temas do Evangelho, o altar, as naves, as cúpulas e demais outros painéis. O mais interessante de sua obra é o diálogo com a diversidade, tendo o artista buscado inserir no espaço de Aparecida elementos da cultura africana, da indígena, o uso de materiais ibéricos e de materiais que referenciem a terra santa, bem como buscar, por meio de sua arte, inspiração nos ícones ortodoxos e da Igreja Primitiva, transmitindo assim, um grande conhecimento para quem aprecia seu trabalho no Santuário.
Outra característica importante do artista, que baliza seu trabalho como instrumento de educação religiosa e cultural, é o profundo respeito em criar suas obras respeitando e favorecendo o desenvolvimento litúrgico, sendo enfatizado nesse trabalho tanto pelas próprias palavras do artista, que procura reiterar sempre a importância da liturgia para o desenvolvimento da arte sacra, quanto por análise própria da pesquisadora ao longo do texto. É possível visualizar a correta aplicação da liturgia sugerida pelo Concílio Vaticano II na arte sacra do espaço sagrado de Aparecida por Pastro, quando, mesmo sendo um santuário mariano, a figura centralizada é Cristo, e tudo leva a Ele, sendo que essa informação não é somente percebida em um passeio espontâneo, mas também é enfatizada pelos mediadores durante a visita noturna. (JALUSKA, 2018, p. 200).

Figura 3 - A natividade de Jesus. Basílica Nacional de Nossa Senhora Aparecida.
Fonte: Silva (2019, p. 122)
A segunda principal obra de Cláudio Pastro é o ícone O Cristo Evangelizador do Terceiro Milênio. Mencionado em toda a literatura acadêmica especializada, esse ícone foi objeto específico de estudo de uma dissertação (TORRES, 2007) e de uma tese (TOMMASO, 2013).
Em sua dissertação, Marília Torres explica que, em 1995, Cláudio Pastro recebeu o convite do Vaticano, através de dom Cipriano Calderón, então secretário geral da Pontifícia Comissão para a América Latina, para executar uma imagem de Cristo em vista do grande jubileu do ano 2000. A obra deveria ser ecumênica e referir-se à evangelização. Pastro atendeu ao pedido do Vaticano. A obra foi concluída em 1997, e entregue em 1998: o ícone O Cristo Evangelizador do Terceiro Milênio. Um símbolo da nova evangelização para toda a Igreja. (TORRES, 2007, p. 138).

Figura 4 – O Cristo Evangelizador do Terceiro Milênio.
Fonte: Torres (2007, p. 69).
Nesse ícone, Cláudio Pastro usou técnica de incisões no material de metal aplicando os seus finos traços de linhas minimalistas a um fundo dourado para enfatizar a divindade de Cristo. Marília Torres assim o descreve:
O Cristo do III Milênio foi concebido e realizado como um círculo de latão banhado a ouro, de 90cm de diâmetro, sobre uma base quadrada de madeira laqueada em preto de 100cm de aresta.
A união do círculo com o quadrado é elemento primordial; na mística de Pastro essa união quer dizer que todos também são perfeitos, pois que Jesus na sua forma humana é perfeito, sem máculas. Ele vem restaurar o homem.
É Cristo na forma humana que diviniza o ser humano. É o círculo sobre o quadrado, o círculo Deus e o quadrado homem. O dourado é a luz divina que ilumina o quadrado negro que é a humanidade.
É a luz que domina as trevas o sentido principal da obra. (TORRES, 2007, p. 108).
Torres também destaca que na produção desse ícone Pastro recorreu à tradição bizantina, relida por ele de modo original, livre. Ele inspira-se, não copia ou se prende a rígidos cânones, ou aplica-se a temas morais. Por isso não se considera um iconógrafo. (TORRES, 2007, p. 88-90).
Para Wilma Tommaso (2013), que também analisou essa obra de Cláudio Pastro:
O Cristo Pantocrator, que carrega o Evangelho na mão esquerda e abençoa o povo com a direita, é uma obra recorrente na produção de Cláudio Pastro. Realizou o Cristo Evangelizador do Terceiro Milênio, por encomenda do Vaticano, trabalho em que se observa a figura padrão do Pantocrator do Primeiro Milênio, mas com traços característicos, mesmo sem se distanciar da iconografia cristã primeira: não há realismo, sem relevo, mas com um olhar contemporâneo estilizado, marcante em suas obras. (TOMMASO, 2013, p. 60).
Essa obra representativa para toda a Igreja Católica, latina e oriental, consolidou internacionalmente a produção artística de Pastro. (TORRES, 2007; TOMMASO, 2013).
Na parte final de sua dissertação, Egídio Toda sintetiza o que considera as características marcantes da arte de Pastro e o impacto de sua obra:
A arte sacra de Cláudio Pastro é envolvida por signos sagrados, principais e secundários, e carregado de uma grande simplicidade e delicada beleza. [...] A sacralidade dá-nos uma sensação de bem-estar e invoca uma leveza. É o resultado do equilíbrio criado do caos exterior e a paz interior, do ser, do templo e dos signos sacros, culminando para uma adoração ao sagrado.
[...] Esta arte fala por si mesma, por meio de seus materiais, de suas formas, de sua iconografia. Sua arte monumental exerce uma força que desafia o homem a reorganizar seus pensamentos e entrar em uma nova dimensão. (TODA, 2013, p. 122).
A “força” da “arte monumental” de Cláudio Pastro tem atraído milhares de pessoas e atraiu também a atenção de pesquisadoras e pesquisadores, principalmente das áreas de Artes, Ciências da Religião e Teologia, que se dispuseram a investigar distintos aspectos de sua obra desde diferentes perspectivas. As dez teses e dissertações sobre a arte de Cláudio Pastro, do período de 2005 a 2022, demonstram e valorizam a riqueza da produção sacra desse artista e evidenciam a profunda interação entre sua vida e obra, entre suas experiências, saberes e convicções estético-teológicas, no contexto sociocultural e eclesial das últimas décadas do século XX e início do século XXI. Sua arte sacra contemporânea faz uma síntese pessoal de estilos e tradições da arte cristã, ocidental e oriental, fundamentada nas concepções e diretrizes do Concílio Vaticano II. Suas principais obras, a reforma e ambientação interna do Santuário de Nossa Senhora Aparecida e o ícone O Cristo Evangelizador do Terceiro Milênio, exemplificam o mais alto nível de sua produção artística sacra ao mesmo tempo em que confirmam o seu reconhecimento no Brasil e no exterior.
Essa literatura especializada também revela pontos de tensão e de questionamento acerca das concepções e obras desse artista.
César Sartorelli questiona a acentuada rejeição de Pastro ao catolicismo popular e à arte barroca que são tão próprias da história brasileira. Para ele, essa atitude “demonstra um certo elitismo de concepção da fé, que é uma vertente da leitura do Concílio Vaticano II, apoiada num certo purismo de retomada de raízes autênticas do Cristianismo do primeiro milênio.” (SARTORELLI, 2005, p. 98). Esse pesquisador também considera que há em Pastro “quase como uma militância estética sobre a arte sacra, que nos remete à sua formação universitária em sociologia. O uso de frases definitivas é característico do raciocínio e da expressão intelectual do artista. Como um homem da práxis ele não é dado a digressões mais ponderadas e elaboradas de suas idéias.” (SARTORELLI, 2005, p. 39).
Marília Torres expõe, a partir das entrevistas com Pastro, as oposições enfrentadas por ele no início de sua trajetória, quando sua arte procurou assimilar os traços indígenas e africanos, o que Pastro chamava de primitivo. Nas palavras de Torres:
Todavia, encontrou oposição em duas linhas da Igreja Católica no Brasil, a primeira foi o movimento da Teologia da Libertação.
Para os membros deste movimento a arte era considerada um luxo num país em que seus habitantes passavam ou ainda passam fome, num país em que esses mesmos habitantes não têm moradia digna, trabalho. Como gastar o dinheiro da comunidade em obras artísticas quando as necessidades básicas não eram ou são suprimidas? Esses mesmos membros não entendiam que a arte estava ligada à cultura do povo.
E a segunda foi justamente a reação popular, que desejava encontrar um Cristo bonitinho, branco de olhos azuis. Então ficou difícil realizar uma arte em que o cliente e a própria Igreja não entendiam e nem gostavam.
Para sobreviver, ele necessitou realizar uma arte mais aceitável com o rosto de Jesus mais suave, assim se voltou para a arte de influência românica e bizantina, em que buscava unir o primitivo com a arte realizada no início da era cristã. Seus traços apresentam essa pureza da arte primitiva. (TORRES, 2007, p. 85).
Segundo Torres, Cláudio Pastro também considerava que sua obra O Cristo Evangelizador do Terceiro Milênio só não foi mais amplamente divulgada “pois correntes opostas de dentro do Vaticano davam preferência a uma imagem de Cristo de estilo barroco, que é uma ideia que, acredita ele, ainda é a mais aceita como representação artística de Jesus.” (TORRES, 2007, p. 107).
Na dissertação de Claudinéia Genoveze sobre os painéis de azulejos da igreja são José de Anchieta, no Pátio do Colégio em São Paulo, encontra-se uma descrição das críticas a ao projeto de reforma interna dessa capela elaborado e executado pelo artista:
Entendemos que a reforma da Capela do Pátio do Colégio não ocorreu sem divergências. O Prof. Dr. Percival Tirapeli, fez uma crítica a reforma um artigo de jornal, o título do artigo é Relíquia Escanteada, afirmando:
Já não se veem mais as colunas do século 17 que adornavam o interior da igreja do Pátio do Colégio. Desde a última semana, quando a primeira etapa do local foi concluída, azulejos dourados e placas de granito tomaram o lugar do altar colonial, datado de 1680.
Em estilo barroco português, as quatro colunas do altar são alguns dos únicos vestígios da antiga igreja do Colégio dos Jesuítas e dos poucos objetos de valor histórico que restavam na construção atual.
“As únicas peças originais que sobraram estão sendo retiradas”, diz Percival Tirapeli, professor do Instituto de Artes da Unesp e um dos maiores especialistas paulistas em arte sacra. “Não se trata de decoração, é um documento histórico. Isso só pode ser um capricho.” (GENOVEZE, 2015, p. 142-143).
Genoveze conclui sua análise trazendo um questionamento acerca da capacidade de comunicação e compreensão da obra de Pastro:
Toda arte necessita de elementos mediares para a sua fruição, a arte proposta por Cláudio Pastro impõe um conhecimento prévio das tradições da Igreja, da Sagrada Escritura assim como dos códigos por ele estabelecido, sem os quais a plena compreensão é dificultada, reconhecemos assim que se apresenta uma dificuldade de compreensão da representação imagética composta por Cláudio Pastro a grande parte dos observadores. (GENOVEZE, 2015, p. 146).
Taciane Jaluska também detectou essa dificuldade de compreensão da obra de Pastro na pesquisa que realizou sobre a educação patrimonial no Santuário de Aparecida, o que para ela torna de fundamental importância a visita mediada que favorece o entendimento da arte presente nesse espaço sagrado. (JALUSKA, 2018, p. 202).
Egídio Toda, por sua vez, avalia que Pastro, em Aparecida, apresenta um elaborado e complexo conjunto simbólico, mas que em sua harmonia e beleza é bem recebido pelo público e devotos. Toda considera que “ao entendê-la melhor, descobrimos a sua complexidade. E mesmo assim, o complexo atrai multidões para os ensinamentos cristãos.” (TODA, 2013, p. 16).
Também Sartorelli conclui sua dissertação ressaltando a originalidade e qualidade do trabalho de Cláudio Pastro:
Em todo caso, Pastro ficará para a posteridade com o seu trabalho plástico, pela qualidade de sua fatura, pelo grande número de obras realizadas, e com certeza pela Basílica de Aparecida do Norte. Seu pioneirismo em reunir aspectos da modernidade em arquitetura com a teologia de dentro da Igreja, o diferencia de todos os arquitetos contemporâneos que construíram igrejas no Brasil [...]. (SARTORELLI, 2005, p. 101).
Não obstante as resistências, Marília Torres afirma que o ícone do Cristo Evangelizador do Terceiro Milênio produzido por Pastro o situa entre os grandes artistas da história da arte sacra: “A obra do brasileiro Cláudio Pastro o insere, portanto, no rol dos grandes artistas sacros da história da Igreja. Permanecerá, exposta entre os grandes mestres da arte universal.” (TORRES, 2007, p. 139).
Na avaliação de Wilma Tommaso, especialista em arte sacra:
Claudio Pastro, seguindo essa tradição artística de antecipação em relação à teologia, foi pioneiro na corajosa iniciativa de colocar o Cristo Pantocrator nas igrejas do Brasil. Causou estranheza e críticas, sem dúvida, pois a arte característica da grande maioria das igrejas do Brasil é a barroca, estilo que foge totalmente ao bizantino ou românico. Buscou inspiração ad fontes, mas fez um aggiornamento no modelo Pantocrator das basílicas europeias e orientais, realizando Pantocrators inculturados que, por sua beleza simples, mas hierática, tem encantado o público de uma forma geral. (TOMMASO, 2013, p. 272).
Hilda Souto, artista plástica e pesquisadora, afirma que:
Para a arte sacra brasileira, a linguagem plástica de Pastro e suas publicações são uma mudança de paradigma. Habituada a um imaginário que descendia do Barroco, como expressão de uma iconografia trazida pelos colonizadores europeus, ou à tendência neoclássica do século XIX com o crescente gosto burguês incentivados pela corte e ainda a criação da Academia Imperial de Belas Artes, que “deu um golpe na arte sacra” tornando-a apenas uma disciplina secundária, o País, no século XX, testemunhou o surgimento de um outro repertório de imagens.” (SOUTO, 2022, p. 65).
A literatura acadêmica especializada sobre Cláudio Pastro nos apresenta um artista sacro completo que criou e executou segundo as suas mais profundas convicções, resultando em uma produção que gerou resistências, mas também evidenciou algo novo, mudando paradigmas. Enfim, suas variadas expressões artísticas atraem e convidam a parar, contemplar, fruir, rezar e, como demonstram essas teses e dissertações, também convidam a pensar desde diferentes perspectivas.
Referências
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[1] Sobre as discussões acerca das concepções, modelos, distinções e problemáticas das pesquisas bibliográficas denominadas “estado da arte” e “estado do conhecimento”, ver: TEIXEIRA, 2023; KHOLS-SANTOS, MOROSINI, 2021; SANTOS, SANTOS, SERIQUE, LIMA, 2020; MOROSINI, 2015; MOROSINI, FERNANDES, 2014; ROMANOWSKI, ENS, 2006; FERREIRA, 2002.
[2] Catálogo de Teses & Dissertações - CAPES reúne as informações de teses e dissertações defendidas em programas de pós-graduação do Brasil.
[3] Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). (ibict.br) integra todas as bibliotecas digitais de teses e dissertações (BDTD) do IBICT permitindo à comunidade brasileira de Ciência e Tecnologia a difusão de trabalhos defendidos em instituições de ensino e pesquisa no Brasil e no exterior.
[4] Para reflexões críticas sobre biografia histórica ou trajetórias individuais, ver os trabalhos de Giovanni Levi (2006) e Pierre Bourdieu (2006).