Jose Nobre
Doutor em Teologia Sistemático-Pastoral pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRJ). Professor da Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Contato: nobre.jose@gmail.com
Padre Elizeu da Conceição é sacerdote religioso estigmatino, mestre teologia com pesquisa sobre juventude e vocação, doutor em teologia pastoral com pesquisa em antropologia da vocação humana, tem se dedicação à formação humana das juventudes. Presta um grande serviço à Igreja como assessor na perspectiva da formação humana integral. Tem pesquisas abundantes na área. Atualmente, exerce o ofício de Vigário Provincial, coordenando a pasta da dimensão pastoral como conselheiro provincial. Está como Administrador paroquial na Paróquia Santo Antônio de Pádua em Praia Grande. Diocese de Santos, Estado de São Paulo. Atualmente nos brinda com este inusitado livro. Se trata de uma obra que, pelo seu título até nos assusta, mas com uma belíssima proposta que possibilita ao ser humano voltar-se para uma dimensão imprescindível da existência que é o exercício da vida de gratuidade, humildade, simplicidade.
A obra conta com um iluminado prefácio do Dom Eduardo Malaspina. Ele que é Bispo da Diocese de Itapeva, Estado de São Paulo. Além da introdução e conclusão, o texto que contém 89 páginas, está subdivido em quatorze capítulos convidativos à leitura acolhedora e atenta. Os capítulos estão distribuídos em três blocos a saber: I a inutilidade da infância, cujas temáticas da amizade, dos projetos projetados, ovo de Páscoa e autonomia são aí abordadas de modo poético e perspicaz. II a inutilidade das relações ponderando sobre os nossos sentimentos, empatias, diálogos e narcisismos. III a inutilidade da velhice, cujas temáticas do perão, das provações, da felicidade e do sentido da vida nos são partilhadas pelo autor de forma generosa dedicada, também poética, perspicaz e despretensiosa.
Já na introdução o leitor poderá se deparar com uma riqueza ímpar pela forma como nos situamos diante da obra que nos desperta um grande interesse de perpassarmos a escrita que o autor nos traz. Ao provocar o leitor num simples exercício de se lembrar de que todos nascemos necessitados de ajudas, de cuidados e, nos arremessa ao entendimento de que quem faz isso por nós, nossos pais, não o faz por dinheiro, mas gratuitamente e por profundo amor. Assim se expressa o Padre Elizeu: “Uma pessoa nasce necessitada de ajuda, de cuidado, mas não troca seu tempo, seu abraço, sua companhia por dinheiro, já que, para o recém-nascido, o dinheiro não tem valor. O valor da sua existência não é medido monetariamente, mas é expandido e aprofundado no instinto de sobrevivência, a qual necessita da gratuidade” (p. 13). Fundamentando-se numa reflexão acerca dos desafios humanos da atualidade o autor provoca-nos a uma séria compreensão daquilo que queremos abraçar para a nossa vida. De modo que, a forma como o pensamento do autor é exposta, é possível compreender que, a depender das escolhas que fizermos a nossa vida terá muito mais sentido ao fazermos escolhas pela gratuidade nas relações. Nesse sentido, a sua tese é de que, “dois movimentos [são] essenciais: a experiência e o contar a experiência” (p. 13). Após fundamentar a sua tese, testemunha com as seguintes palavras: “Para mostrar que o tempo dedicado a alguém não é tempo pedido, resolvi contar histórias e/ou estórias, muitas delas presenciadas, ouvidas ou, simplesmente, vividas na imaginação. É justamente contanto e ouvindo histórias que aprendi sobre a vida, sobre Deus, sobre religião, sobre família, sobre amigos. (...). Fui descobrindo que contar (hi)estórias é uma forma de transmitir saberes que libertam” (p. 15). Essa é a deixa para saborearmos as riquezas que o autor nos oferece, cujo convite à sua própria experiência de leitura desta impressionante obra, aqui fica por mim registrado.
Sem a necessidade de evidenciar cada um dos blocos detalhadamente, devo dizer que o autor nos apresenta uma aprazível riqueza, recheada de surpresas. Pelo próprio linguajar utilizado pelo Padre Elizeu, a obra Elogio à inutilidade é simplesmente uma leitura rica, leve e cheia de ensinamentos profundos, além de nos provocarmos a um exercício do pensar, como por exemplo: “Enquanto voltava para casa, dirigindo, com o coração umedecido pelo amor dos amigos, veio à minha lembrança a cena daqueles dois amiguinhos sentados no meio-fio”.
Nesse sentido, relato aqui as surpresas que este livro me trouxe. Como um bom amigo, desde os tempos de seminário, sempre partilhamos nossos trabalhos, sonhos, aventuras, pesquisas conjuntas e a vida como é próprio de fazerem os amigos. Sempre ele partilhava com vivacidade que tinha um grupo de contar histórias na comunidade em que trabalhou nos últimos anos. Nunca estive com eles, mas através do autor, eu imaginava que os integrantes viviam momentos privilegiados de partilhas. Eu entendi que eles declamavam poesias, partilhavam-nas e teciam reflexões sobre o sentido da vida. O que eu não poderia imaginar é que ali estava sendo gestada esta obra que agora nos chega às mãos em boníssima hora.
Sempre nos encontramos na academia e, paradoxalmente, era uma coisa boa demais, contudo, perdíamos horas papeando/palestrando/partilhando entre um exercício e outro e, para completar, antecipávamos o final dos exercícios para irmos tomar aquele café que parecia ter um tempero acrescentado. Tipo aquelas amostras grátis de comidas, de bolachas, por exemplo, que, certamente têm uma dose maior de guloseima, do que o pacote grande. Assim são os nossos cafés. Nesses dias, ele falou que iria publicar um livro de poesia, que estava negociando com a editora e me disse o título: Elogio à inutilidade. Eu, sem noção da riqueza de seu conteúdo, embora sabendo a profundidade do autor, pelas nossas conversas livres, sem perder tempo sugeri outros títulos e ele retrucou: o título já está decidido. Seguimos nossos assuntos e, me disse que o livro logo sairia. Eu ainda sem me dar conta do belíssimo livro que estava nascendo, com nossos trabalhos em conjunto e, nesses dias, com a organização do Curso de assessores jovens, que é uma parceria entre Estigmatinos e o CELAM (Consejo Episcopal Latinoamericano y caribeño), tive diante dos meus olhos a espantosa visão do livro exposto na barraquinha do encontro. É de encher os olhos. Gostei demais do formato e, agora da leitura.
Em contraposição a um mundo utilitarista e a uma cultura do descarte tão fortemente denunciada pelo Papa Francisco, a proposta desta leitura é nos inserir, de modo simples e profundo, a uma genuína valorização da vida, mediante uma maturidade humana que se efetiva a partir de relações gratuitas. Nessa perspectiva, para fazer jus ao autor, finalizo a presente escrita com as suas palavras: “É em contraposição à ‘utilização’ dos outros para a realização pessoal que propomos a ideia de ‘inutilidade. No entanto, essa expressão deve ser vista como um olhar atento às coisas simples e bonitas da vida. Às vezes, parar e contemplar uma flor traz uma paz tão profunda, assim como olhar para a lua e deixar a imaginação fluir não nos distancia da realidade, mas nos aproxima da existência terna e bonita de outros seres. (...). Dessa forma, não podemos deixar o tempo correr, e sim acompanhá-lo como um parceiro que nos possibilita acolher e construir gratuidades nas relações” (p.88).
Enfim, como teólogo exímio o autor inicia com a Palavra de Deus: “Assim também vocês: quando tiverem cumprido tudo o que lhes mandarem fazer, digam: “Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer’” (Lc 17,10). Sabemos que o texto bíblico não é um documentário histórico, mas uma construção teológica que nos leva a pensar. De modos, que, pelo próprio jeito de ser do Padre Elizeu, não há qualquer dúvida, de que a sua obra nos convida a refletirmos sobre a utilidade do testemunho cristão que é sempre evidenciado por uma vocação genuína para construção de relações saudáveis. Ele mesmo assim se expressa ao concluir a introdução. “Desse modo, estamos propondo uma consciência crítica e livre diante das mentalidades utilitaristas atuais, pois é hora de largamos a superfície banal das relações e mergulharmos na profundeza da existência humana de maneira tranquila, bela e respeitosa” (p. 16). Boa leitura e excelentes frutos na prática da vida, agora com um olhar iluminado pela importância da gratuidade nas relações para um genuíno sentido da vida.