Claudio de Oliveira Ribeiro
Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRJ). Professor na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Contato: cdeoliveiraribeiro@ufjf.br
Elias Wolff
Doutor em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma (PUG). Professor de Teologia na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Contato: elias.wolff@pucpr.br
Resumo: O artigo tem como objetivo analisar um dos aspectos da visão inclusivista de teologias cristãs que, embora com abertura a outras religiões, relegam um papel restrito e secundário a elas, afirmando conterem apenas ‘sementes do Verbo’, sem o devido reconhecimento da integral presença do Logos e do Espírito em seus meios institucionais e nas experiências religiosas que possibilitam aos seus fiéis. Metodologicamente, optamos por articular sínteses teológicas dos temas revelação, mediação e salvação, a partir da teologia cristã das religiões, reforçando a tese de que a ação do Logos nas religiões não é apenas na forma seminal, mas já amadurecida e suficiente. A pesquisa se desenvolve em cinco passos: o ponto de partida é uma descrição suscinta do que é chamado ‘teologia das sementes do Verbo’, foco de nossa crítica. Os três passos seguintes consistem em observar mais detidamente tal visão a partir dos eixos da revelação do divino, da mediação do sagrado e do poder de salvação. Por fim, e de modo conclusivo, apresentamos a concepção de que a maturidade, e não somente ‘as sementes’, do Logos se expressa nos diferentes sistemas religiosos, incluindo o cristianismo, mas não com exclusividade. Isso impulsiona à construção de uma teologia cristã com traços interativos e policêntricos, entendendo o universalismo da presença e ação do Logos divino.
Palavras-chave: Sementes do Verbo/Logos divino; Teologia cristã; Pluralismo religioso; Revelação. Mediação; Salvação
Abstract: Abstract: The article aims to analyze one of the aspects of the inclusivist vision of Christian theologies that, although open to other religions, relegate a restricted and secondary role to them, claiming to contain only 'seeds of the Word', without due recognition of the integral presence of the Logos and the Spirit in their institutional environments and in the religious experiences they make possible for their faithful. Methodologically, we chose to articulate theological syntheses of the themes of revelation, mediation and salvation, based on the Christian theology of religions, reinforcing the thesis that the action of the Logos in religions is not only in seminal form, but already mature and sufficient. The research is developed in five steps: the starting point is a brief description of what is called ‘theology of the seeds of the Word’, the focus of our critique. The next three steps consist of observing this vision more closely from the axes of the revelation of the divine, the mediation of the sacred and the power of salvation. Finally, and conclusively, we present the conception that the maturity, and not just 'the seeds', of the Logos is expressed in different religious systems, including Christianity, but not exclusively. This encourages the construction of a Christian theology with interactive and polycentric features, understanding the universalism of the presence and action of the divine Logos.
Keywords: Seeds of the Word/Divine Logos ; Christian theology ; Religious pluralism ; Revelation ; Mediation ; Salvation
Temos nos ocupado, tanto no campo da teologia prática quanto no das ciências da religião aplicada, com as avaliações sobre as cooperações e os diálogos inter-religiosos e as implicações deles para o pensamento teológico (RIBEIRO, 2020; WOLFF, 2016). Tais pesquisas expressam um salto qualitativo na esfera das teologias ecumênicas das religiões e também nos estudos científicos sobre as aproximações e comparações entre diferentes tradições de fé e de espiritualidades. O objetivo deste estudo é identificar um dos aspectos desse salto, que está relacionado à crítica à visão inclusivista de teologias cristãs que, embora com abertura a outras religiões, relegam um papel restrito e secundário a elas. O problema que identificamos, e que aqui analisamos, é a compreensão de como o Logos se manifesta nas religiões. Entendemos que, do ponto de vista de uma teologia cristã pluralista, forjada nos avanços dos diálogos inter-religiosos que marcam as duas últimas décadas em todos os continentes, há que se ultrapassar hermenêuticas da expressão ‘sementes do Verbo’ que relegam às religiões e espiritualidades não cristãs um papel apenas de preparação para uma ação completa do divino em outro sistema religioso, cristão, como se a presença e a ação do Logos nas religiões não lhes capacitasse o suficiente para possibilitar tal experiência. Obviamente, considera-se nesta perspectiva as contradições e ambiguidades que toda experiência humana possui o que, contudo, não impossibilita realizar sua finalidade.
Metodologicamente, articulamos a nossa proposta com base em três conceitos: revelação, mediação da revelação e salvação, revisados a partir da teologia cristã das religiões, com vozes do campo católico e protestante, de homens e mulheres, provenientes da Europa, dos Estados Unidos e da América Latina. O ponto de partida é uma descrição suscinta do que é chamado ‘teologia das sementes do Verbo’, foco de nossa crítica. Os três passos seguintes consistem em observar mais detidamente tal visão a partir dos eixos da revelação do divino, da sua mediação e do poder de salvação. Por fim, e já como conclusão, apresentamos a concepção de que a maturidade, e não somente ‘as sementes’, do Logos se expressa nos elementos reveladores, mediadores e salvíficos das religiões em geral, incluindo o cristianismo, mas não com exclusividade.
A teologia das sementes do Verbo é bem conhecida na teologia das religiões[1]. Jacques Dupuis (1997) apresenta suas origens em três teóLogos patrísticos: Justino, como o pai da expressão “sementes do Verbo”; Irineu de Lião, que enfatiza o “Verbo revelador”; e Clemente de Alexandria, que desenvolve a teologia do Logos da Aliança.
Desde Justino, a teoria dos semina Verbi - tradução latina da expressão grega de spermatikos Logos ou Logos spermatikos - afirma que o Logos, como Verbo eterno de Deus, tem diversas formas de manifestação, com destaque para a criação, a história da humanidade e para as situações socioculturais dos povos. Por esse ato, a humanidade inteira recebe influência do Logos e tem nele alguma participação, isto é, toda pessoa traz em si um gérmen da graça de Cristo que pode se desenvolver e chegar à plenitude. A base desse pensamento é a identificação do Logos/Verbo com uma pessoa divina, o Filho de Deus, a segunda pessoa da Trindade.[2]
Irineu comunga com a teoria do Logos presente e atuante no mundo desde a criação, de modo que todas as teofanias do Primeiro Testamento são, na verdade, Logo-fanias, eventos tipológicos da manifestação do Verbo na carne. Ele é o único revelador de Deus a toda a humanidade, conforme Jo 1,18, o Filho que revela o Pai e atua na economia salvífica. Tal é o que sustenta a existência humana[3].
Por sua vez, Clemente de Alexandria enfatiza o Logos como manifestação pessoal do Pai, que atua universalmente, e permite à consciência humana vislumbrar Deus na sabedoria dos povos. Para Clemente, a filosofia grega já possui alguma manifestação do Logos divino, Ela tem algo de procedente de Deus, pertence a uma economia divina própria para se obter a justiça e a verdade.[4] Portanto, o Logos atua nas culturas dos povos como semeador, inspirador, revelador. No Primeiro Testamento, como Palavra (Dabar), o Logos indicava um atributo divino, pelo qual o Deus intervém na história do povo eleito Aos gregos, ele possibilitava a percepção racional da verdade, que mantinha sempre uma abertura para algo além do que a razão concebe (DUPUIS, 1997). Assim, concluía-se que as diferentes culturas dos povos e seu comportamento moral têm intuições de verdades cristãs, estando próximas da ordem estabelecida por Deus. No cristianismo, a verdade do Logos não é apenas atributo de Deus que atua por palavras e eventos, Ele é identificado com Deus mesmo, encarnado (Jo 1,14). O Logos é pessoa divina, concebido como “a luz que veio ao mundo” (Jo 3,19). Trata-se de uma diferença qualitativa das concepções que se tem das economias do Verbo na criação, na sabedoria dos povos e na fé judaica. Nesta perspectiva, apenas o cristianismo entende o Verbo encarnado e por isso apenas no Logos de Deus é possível o acesso a Deus. Na hermenêutica clássica da teoria das sementes do Verbo, isso significa que fora da fé cristã, a revelação da verdade, da justiça e da salvação é sempre parcial, e funciona como preparação para o Evangelho que Jesus Cristo traz ao mundo[5].
É essa conclusão que buscamos analisar neste estudo, verificando a implicação da teologia das sementes do Verbo para a compreensão da verdade das religiões. As perguntas principais que fazemos são: como as religiões podem conter manifestações do Logos? A verdade que elas pregam apenas apontam para a verdade de Cristo apresentada no cristianismo sendo, portanto, somente praeambula fidei ou praeparatio evangelii? Ou nelas podem ser identificadas manifestações maduras do Verbo e não apenas de forma seminal? Semente é algo que ainda precisa germinar, desenvolver, amadurecer. Ela não é o fruto acabado, pronto, para ser colhido. Seriam assim as verdades das religiões vividas em seus ensinamentos, ritos e disciplinas? Estas nunca chegariam a ter o Logos maduro enquanto não o acolherem na forma encarnada? Não haveria outras possibilidades de fazer uma experiência plena do Logos, como revelador do sentido da existência e seu destino final?
Tais questões requerem uma revisão na perspectiva inter-religiosa de três principais conceitos, fundamentais na teologia cristã sobre o Logos/Verbo, Filho de Deus encarnado: revelação, mediação e salvação. São temas já considerados na teologia das religiões, mas que levantam questões cujas respostas são ainda inconclusas, de modo que sempre requerem novas abordagens no contexto do atual pluralismo religioso e na perspectiva dialógica. Na sequência, estes três conceitos estão apresentados dentro da perspectiva teológica pluralista que consideramos adequada para os tempos atuais e que poderão ajudar as igrejas a iluminarem e revisarem os seus caminhos e as suas doutrinas.
O conceito ‘revelação’ aqui tem a ver com o sagrado, o mistério, a percepção e a concepção do sentido maior da existência e da realidade que nos circunda, que a fé cristã designa Deus. Ela acontece no mundo em que vivemos e é o que o sustenta, seguindo a noção de que “a manifestação do sagrado funda ontologicamente o mundo” (ELIADE, 1992, p. 17). Discutível é ‘onde’ e ‘como’ acontece a revelação e ‘o que’ é revelado, do que a teologia cristã identifica diversos lugares, como a criação, a história da humanidade, os textos sagrados, entre outros.
Sobre os textos sagrados, por exemplo, por muito tempo a teologia sustentou a ideia de que a revelação acontece por uma intervenção direta do divino, postura presente no literalismo de setores protestantes que identificam a letra do texto com a Palavra de Deus, e em textos do magistério eclesial católico que apresentam Deus como causa instrumental na autoria da Bíblia, como se vê nos Concílios de Trento (DH 1501) e no Vaticano I (DH 3006). O Concílio Vaticano II amplia a noção de revelação na Bíblia, mas não supera de todo essa perspectiva. Mantém a ideia de Deus como autor das escrituras bíblicas, contudo inclui os escritores como inspirados por Deus, numa concepção da revelação multiforme, na criação, nos fatos e situações da história nas quais a pessoa crente percebe algo do divino. Não obstante, tem, resistências para o entendimento da revelação para além das tradições judaica e a cristã.[6]
A teologia atual busca superar essa resistência, compreendendo que as religiões são também possíveis caminhos percorridos por Deus na dinâmica histórica, mistérica, processual da revelação (cf. VIGIL, 2006, p. 101). A revelação acontece no contexto existencial de toda pessoa, como a Palavra divina que se revela na interioridade profunda de cada ser e atinge a raiz da subjetividade humana (TILLICH, 1984), num “processo maiêutico” [...] “que ajuda a ‘dar à luz’ a realidade mais íntima e profunda que já somos e na qual vivemos graças à livre iniciativa do Amor que nos cria e nos salva” (QUEIRUGA, 2010, p. 19). Superam-se tendências intelectualistas e objetivistas, que concebem a revelação como uma manifestação objetiva de algo distante da realidade em que vivemos, e enclausurada num corpo doutrinal.
A experiência existencial profunda do sagrado, do divino, do Outro, pode acontecer em diferentes experiências religiosas, não é exclusividade do cristianismo. Acontece onde há percepção do que se manifesta “de ordem absolutamente diferente” (ELIADE, 1992, p. 13) deste mundo e “revela um ‘ponto fixo’, absoluto, um “Centro” (ELIADE, 1992, p. 17) da existência humana e de toda a realidade. Teologicamente, não compreendemos isso apenas como hierofanias, mas como como Algo ou Alguém que se revela, Deus. As religiões captam isso e o expressam em seus mitos, ritos, textos, símbolos, liturgias. Então, pode haver algo inspirado nos textos sagrados das religiões (cf. DUPUIS, 1997, p. 331-336); seus líderes religiosos podem também orientar as comunidades sob a inspiração do Espírito; os ritos litúrgicos possibilitam agradecer, pedir e louvar a Deus. Estudiosos entendem aí “palavras iniciais, escondidas de Deus” (DUPUIS, 1997, p. 339).
Sendo “iniciais” e “escondidas”, mantém-se uma reserva da noção de revelação tal como a fé cristã a propõe. Entendemos que é um avanço, mas não o suficiente para o reconhecimento da ação madura do Verbo e do Espírito nas religiões. Nossa tese é que havendo revelação autêntica além do cristianismo, tal autenticidade é selada pelo Logos e o Espírito que aí atuam. Quem as segue pode não explicitar essa consciência, mas isso não impede à fé cristã reconhecer aí uma ação plena do Logos e do Espírito. “Plena” aqui não se refere aos meios institucionais da religião, mas à natureza da ação do Logos e do Espírito, ainda que por meios frágeis e limitados. Pode ser vista como “escondida” ou obscura em relação à inteligência cristã, mas não menos verdadeira como experiência religiosa ou incompleta em relação ao Logos. A visão cristã de incompletude, inicial ou escondida está relacionada ao conteúdo da fé cristã, mas não pode ser aplicada aos membros das religiões. Seus meios religiosos têm pleno valor para seus seguidores, e estão envolvidos nos processos variados da mesma ação do Logos e do Espírito presentes na experiência mística que toda pessoa consegue fazer do Absoluto. Claude Geffré (2004, p. 148), chama a atenção para o fato de que
se falarmos de pluralismo religioso permitido por Deus, isto quer dizer que as outras religiões não são projeções das preparações da única verdade que é a verdade contida na revelação cristã, nem desvios em relação a esta verdade. Elas são simplesmente o estatuto de uma verdade diferente; e é esta diferença que é preciso pôr em prática. Deve-se reconhecer que a própria revelação cristã é inadequada em relação à plenitude de verdade que está em Deus, assim como a humanidade de Jesus é inadequada em relação à riqueza do Verbo de Deus.
Uma vez que pela presença e ação do Logos as religiões podem ser caminhos de Deus em sua auto-revelação à humanidade, “pode haver diálogo e comunicação mútua entre elas. Todas podem aprender a parte da verdade que lhes foi revelada” (COMBLIN, 2005, p. 20)[7]. Dupuis refere-se a uma “revelação diferenciada e complementar” (DUPUIS, 1997, p. 338). Importa enfatizar a segunda característica, “complementar”, o que supera a ideia do cristianismo como um único espaço do Logos divino, ou superior às demais religiões. Seguimos a ideia de que “na consciência da existência e convivência de várias religiões, experimenta-se o dilaceramento entre o amor e a verdade. No fundo mais profundo do desejo inaudito de ir ao encontro do outro está igualmente o desejo de escutá-lo e dele aprender coisas que só o Espírito de Deus no outro pode ensinar” (BINGEMER, 2002, p. 320). Tais perspectivas possibilitam à fé cristã enriquecer-se com o que o Logos revela pelas outras religiões, bem como oferecer algo que as enriquece. São múltiplas formas da única revelação de Deus. E o valor disso não depende do reconhecimento que o cristianismo possa dar, mas da fé que Deus se revela livremente, gratuitamente a quem e como quiser, “sempre, o quanto é ‘possível’, em todas as partes e a todas as pessoas e culturas, na generosidade livre e irrestrita de um amor sempre em ato, que quer dar-se plenamente” (QUEIRUGA, 2010, p. 19). Tal é o que expressa a ação do Logos não apenas de forma seminal nas religiões, mas já madura e suficiente para ali realizar os desígnios divinos.
A compreensão de revelação conduz à compreensão da sua mediação. Como o Logos atua nos meios institucionais das religiões? Há alguns elementos a serem considerados na busca da resposta.
Como nenhuma presença ou ação do Logos é parcial, sua atuação plena e madura não acontece independentemente dos elementos institucionais das religiões, e o Logos os potencializa para possibilitarem conexão com o divino. Ele revigora a materialidade dos meios religiosos numa força e vigor transcendentais que os capacita para uma realidade de outra natureza, além do humano. Por isso pode-se considerar esses meios como sacramentais, enquanto sinalizam ou medeiam a relação com Deus. Para tanto, o Logos e o Espírito torna esses meios apropriados à ação divina que desenvolvem. Não se trata de uma apropriação exata, nenhum meio institucional tem tal apropriação, ninguém e nada é adequadamente perfeito em relação ao Deus que se revela. No entanto, pode ser tornado pelo Logos e o Espírito suficientemente capaz para ser mediador da manifestação do divino. O Logos e o Espírito possibilitam que os meios realizem sua função de acessibilidade ao conteúdo da revelação. Em diálogo com cientistas das religiões, também a teologia pode admitir que “Aquele que está ‘no alto’, o ‘elevado’, continua a revelar o transcendente em qualquer conjunto religioso” (ELIADE, 1992, p. 64). E uma integral, e não parcial, presença do Logos e do Espírito sacraliza realidades humanas, dando-lhes a vivacidade da graça. Por isso elas se tornam sacramentos, sinais e instrumentos da relação com Deus. Tais mediações não se tornam perfeitas, mas Deus atua por meios imperfeitos que mesmo nessa condição são capacitados para a ação do Verbo.
É importante observar que o Logos e o Espírito se servem dos meios religiosos tais como são e onde estão. Não os retira do lugar religioso específico e nem lhes concede outra natureza religiosa distinta da tradição na qual se situam. Os meios da revelação estão em consonância com os lugares e os tempos nos quais se tem a percepção de Deus. A fé os identifica numa intencionalidade divina, como portadores de algo originário e estruturante de sentido, capazes de abrir e desvelar a existência humana em conexão com o divino. Pela ação do Logos, os meios da revelação despertam a consciência religiosa no interior da consciência humana. Por isso eles são necessários, pois não existe revelação fora das condições humanas de acolhida, como afirma Paul Tillich:
as experiências de revelação são universalmente humanas. As religiões são firmadas sobre algo que é dado para o ser humano onde quer que ele viva. A ele é dada uma revelação, um tipo particular de experiência o qual sempre implica um poder salvífico. Revelação e salvação são inseparáveis, e há poder de revelação e de salvação em todas as religiões (TILLICH, 1966, p. 81).
Como decorrência do considerado acima, emerge a necessidade de rever o significado da unicidade mediadora do Logos, conforme At 4,12 e 1Tm 2,3-5. As questões a serem respondidas são, fundamentalmente: como a unicidade do Logos encarnado situa-se no conjunto dos meios pelos quais Deus se revela à humanidade? Essa unicidade acontece vinculada a outras mediações religiosas possíveis? Se o mesmo e único Logos atua nas distintas religiões, que interação pode haver entre elas?
A teologia tem respondido de diferentes formas a tais questões, das quais se destacam: a identificação da ação do Logos de Deus com o cristianismo e a igreja, numa perspectiva exclusivista de outras mediações; a ideia que as religiões têm uma “mediação derivada” do cristianismo ou “mediação participada” (Redemptoris missio, n. 5) da ação de Cristo, como o Logos de Deus; a ideia de que há mediações paralelas à de Cristo; e as visões pluralistas que entendem Jesus como norma para os cristãos da revelação do Deus que salva, mas não como causa exclusiva e constitutiva da salvação. A ação do Deus que salva acontece também pela mediação de outras religiões.
A primeira postura é superada pelo Magistério da Igreja Católica, pelos setores ecumênicos e pela atual teologia das religiões. A segunda apresenta alguma visão positiva das religiões, mas mantém a tese central da primeira postura, no sentido que o valor e significado das religiões está unicamente em Cristo, nada salutar acontece nas instituições religiosas. É, então, uma valorização parcial das religiões, reconhecendo uma positividade plena apenas em Cristo, e uma valorização efetiva somente do que expressa ou aponta para a revelação de Cristo. É a tese da praeparatio aevangelica. A terceira postura questiona as duas anteriores, mas coloca todas as religiões num mesmo e genérico nível soteriológico, não respeitando as especificidades e particularidades que elas possuem sobre o sentido último da existência humana e sua concretude. A quarta postura representa a busca de um novo paradigma para a teologia das religiões, buscando superar modelos que consideram Jesus Cristo e a Igreja como únicos caminhos para a salvação; o que considera Jesus Cristo como caminho de salvação para todos, ainda que implicitamente; e aquele no qual Jesus é o caminho para os cristãos, enquanto para os outros o caminho é a sua própria tradição. A perspectiva pluralista, que advogamos, possui como característica básica a noção de que cada religião tem a sua proposta salvífica e de fé que devem ser respeitadas e aprimoradas a partir de um diálogo e aproximação mútuas em torno do Logos. Assim, a fé cristã, por exemplo, necessita ser reinterpretada a partir do confronto dialógico e criativo com as demais fés. O mesmo deve se dar com toda e qualquer tradição religiosa. Aqui, há um ponto de novidade que coloca a todos em constante desafio: a multiforme manifestação do Logos.
Há muitos fatores complicadores nas perspectivas paralelistas e pluralistas, mas o principal está nas posturas que afirmam a mediação nas religiões com valor equivalente e paralelo à mediação do Logos encarnado. O que se pode admitir é que o homem de Nazaré não esgota em seus ensinamentos e ações todas as vias reveladoras de Deus. Mas o homem não é toda a manifestação do Logos, de modo que a unicidade mediadora de Cristo acontece no horizonte escatológico, do ressurreto. É, então, uma unicidade singular e relativa: a) singular, no sentido de que há um valor único dessa mediação que não se encontra em outras, mesmo se verdadeiras. “Único” aqui é “singular”, como entende Paul Knitter (2010, p. 112), “A unicidade de Jesus é aquilo que o torna a pessoa que ele é”. Por isso os discípulos encontram em Jesus algo próprio, unicamente nele, que responde a seus anseios: “a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68). Mas afirmar isso em Jesus não implica excluir outras palavras de sentido em outras religiões. Claude Geffré (2013, p. 76) vê em Jesus “uma unicidade singular, que não é exclusiva de outras manifestações de Deus através da história das religiões e das culturas”. Então, dizer que Cristo é “único mediador” não é afirmar uma unicidade de “excelência e de integração”, que deslegitima outras mediações nas religiões. “A unicidade e a universalidade da salvação em Jesus não significam que, mais cedo ou mais tarde, todos devem se tornar cristãos para serem salvos, ou seja, que não se possa ser salvo se não se tornar cristão” (RICCA, 2023).
b) A unicidade do Logos é, por isso, relativa, no sentido que a singularidade da mediação crística se entende na relação com o pluralismo de religiões, como um pluralismo inclusivo ou um inclusivismo plural. Geffré propõe reinterpretar a unicidade de Cristo como Verbo encarnado e a unicidade do cristianismo como religião histórica, considerando “o valor intrínseco das outras religiões como misteriosas vias de salvação” (2013, p. 129). E compreende que Jesus tem uma “unicidade relativa” a outras mediações de Deus na história humana, no sentido que “outras figuras [...] identificam, de outro modo, a Realidade última do universo” (GEFFRÉ, 2013, p. 131).
Também as mediações da revelação nas religiões são singulares e relativas. A singularidade existente em cada uma a faz ser o que é, a constitui em sua identidade e em suas especificidades. E a relatividade faz com que as religiões se relacionem entre si, de modo que pode haver um rico intercâmbio da natureza mediadora de cada religião, o que pode levar a complementaridades na compreensão do Logos que por elas se manifesta e atua no mundo. Desse modo, as religiões não são vias paralelas na manifestação do Logos, elas atuam na mediação do Logos como seu sacramento, sinalizando sua presença e ação no mundo.
A conclusão acima estimula as religiões a se valorizarem mutuamente em suas mediações na conexão com o divino. O Logos e o Espírito lhes permitem buscar a máxima comunhão possível como ato de resposta humana ao amor universal de Deus. Isso requer o esforço para isentar-se das concepções de eleição privilegiada da parte de Deus a uma mediação religiosa em particular. Na partilha da fé e da experiência da vida, naquilo que é compreendido pelos grupos como o que há de melhor, num diálogo respeitoso da alteridade e ao mesmo tempo um movimento de dar e receber, é que as religiões podem se aproximar do inesgotável mistério divino do Logos. Importa para isso exercitarem com fecundidade a “escuta” do diferente. Trata-se da
[...] tentativa de nos submeter à verdade onde quer que ela se encontre, aceitando o pluralismo de perspectivas e de nomes, quaisquer que eles sejam e onde quer que pulse o coração da vida. Esta missão é “sair” da violência mimética e redutora da alteridade do outro e entrar numa dinâmica de paz polifacética e plural (BINGEMER, 2001, p. 288).
Então, o Logos coloca as religiões numa interação positiva apresentando o divino como único centro em tono do qual gravitam (QUEIRUGA, 2007). John Hick expressa essa ideia colocando o Real como centro do sistema solar religioso (não a pessoa humana de Jesus ou a Igreja) e reconhecendo o pluralismo religioso nas múltiplas mediações pelas quais o Real se revela (HICK, 2005). No contexto latino-americano há a crítica teológica feminista aos processos de diálogo ecumênico, tanto no nível intracristão como no inter-religioso que revelam um limite na abertura às questões do mundo e ao diálogo com as diversidades, em vários setores cristãos. Em geral, tal barreira reforça perspectivas exclusivistas ou, no máximo, inclusivistas. Isso se revela especialmente na linguagem e nas relações de poder (GEBARA, 2010). O denominador comum a ser encontrado é a compreensão do Logos encarnado como expressão do amor que vincula as diferenças. A divindade amorosa que redime a humanidade é o balizador teológico e ético que impulsiona todos os credos a se integrarem nesse ato redentor, e daí surgem diferentes desafios e possibilidades para as religiões como ação salvífica do Logos.
O termo “salvação”, do grego soter e do latim salus, apresenta dificuldades significativas para sua compreensão. Esse conceito não está presente em todas as religiões, e entre as que o utilizam não se encontra consenso sobre o seu significado. Alfredo Teixeira, analisando estudos de Max Weber, mostra que “cada religião propõe um conjunto de vias de salvação (Heilswege) com vista à aquisição de certos bens de salvação (Heilsgüter)” (TEIXEIRA, 2021, p. 23). A cultura contemporânea secularizada, resiste compreender o humano salvando-se para além de si mesmo, em um destino sobrenatural e por intervenção divina. Na pós-modernidade, existe uma dessacralização da existência que coloca em crise as compreensões cristãs clássicas de salvação como redenção, libertação do pecado, justificação.
Ao mesmo tempo, a soteriologia cristã busca superar o lema “salva tua alma” por uma compreensão ampla que englobe a totalidade da pessoa e sua história, como diz Ortega y Gasset (1967, p. 52): “Eu sou eu e minha circunstância, e se não salvo a ela não salvo a mim”. A salvação, assim, é pensada como libertação também no sentido humano social, como se enfatiza na teologia latino-americana (AQUINO JUNIOR, 2022).
Como indicou Paul Tillich, a formação do sentido da salvação começa na ausência dele na humanidade. A vida humana depende de “forças curadoras” que impeçam que as estruturas autodestrutivas da existência aniquilem a humanidade (TILLICH, 1957, p. 166). A revelação salvífica de Deus encontra ressonância nesse esforço. Daí a compreensão de salvação como cura pois, na encarnação do Verbo, Deus reúne o que está alienado e disperso. No Logos, supera-se a ferida do abismo entre Deus e o ser humano e deste com o seu próximo e com a natureza. Em termos correlatos, Maria Clara Bingemer realça a pneumatologia ao destacar que salvação é um dom do Espírito para toda criatura e que a presença do Espírito de Deus no ser humano “altera e afeta suas mais profundas e essenciais categorias antropológicas constitutivas, subvertendo radicalmente os fundamentos do seu ser” (BINGEMER, 1993, p. 114).
Nesse contexto de ressignificação do termo salvação, a teologia cristã busca superar também a ideia de uma expiação sacrificial. Essa ideia tem afirmado a necessidade de uma satisfação adequada à gravidade do pecado que ameaça perder a salvação, como um sacrifício capaz de obter o perdão. Entende-se, hoje, que essa compreensão sacrificial da salvação não se ancora no amor livre, superabundante e gratuito da parte de Deus, que salva em sua generosidade, mas na reparação do pecado e da culpa pela cruz de Cristo (cf. BARROS, 2009, p. 125-126). Não se trata de negar o efeito salvífico da autodoação de Jesus na cruz, mas de entender esse gesto como autenticidade e coerência de suas opções pelo projeto do Pai. Isso nos fortalece na busca por autenticidade da fé, tal como Jesus, o que transforma qualitativamente nossa existência. Assim, progredimos nas virtudes que aperfeiçoam nosso ser criado à imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26), vivendo conforme seus desígnios. O homo religiosus é “sedento do ser” (ELIADE, 1992, p. 36), e o obtém na participação em Deus. Para a vida cristã, isso acontece tendo “os mesmos sentimentos de Cristo” (Fl 2,5) e conformando-nos a Ele (Rm 8,29; 2Cor 3,18) como um “mover-se gradualmente rumo a um novo re-centramento radical no interior da vida divina” (HICK, 2000, p. 175).
Tal fato é o fim último buscado pelas religiões como realização definitiva do ser humano. Nisso, e por isso, elas são seguidas. Há compreensões distintas desse fim último: o cristianismo o entende como Reino no qual Deus será “tudo em todos” (1Cor 15,28), o que neste mundo requer deixar de viver em si para viver a vida de Cristo, que vive em nós (Gl 2,20); o hinduísmo o concebe como libertação interior entendida como Moksha, que supera o ciclo de nascimento e morte (samsara) e permite a unidade com brahman, num estado de iluminação total do verdadeiro eu (atman); com algumas diferenças, também o budismo mahayana tem como meta final a libertação do próprio ego (Dharmakaya); as religiões dos povos guaranis do Brasil entendem que a realização plena se dá como viver na Terra Sem Males (DALLA ROSA, 2019). Enfim, em todas as religiões, a Realidade Última é um processo salvífico que transforma qualitativamente a pessoa e a realiza plenamente.
Importa enfatizar que tal expressa a maturidade da presença e ação do Logos, que possibilita o processo salvífico em dois principais horizontes: a) espiritual, como qualificação do ser pela abertura ao Espírito, ao Transcendente, a Deus, que caracteriza o “ser santo”, permeado pela divindade e leva a tomar parte da divindade (cf. 2Pe 1,4), o que as distintas religiões explicam cada uma a seu modo[8]. O Logos, em comunhão com o Espírito, possibilita uma existência aberta a valores que já não são contingentes nem particulares, mas universais. A implicação inter-religiosa é a “constatação da universal presença reveladora e salvífica de Deus, que leva a afirmar que, a seu modo e em sua medida, todas as religiões são verdadeiras (QUEIRUGA, 2007, p. 189, grifo do original). b) E ético, o Logos encarnado impele a viver religiosamente um engajamento pela melhora do mundo, com centralidade na vivência da compaixão, da solidariedade, da justiça, do amor. O amor é salvífico, “ele é destarte a maior e mais completa de todas as soteriologias” (LOTT, 2010, p. 95). Nas Bem-Aventuranças (Mt 5, 1-12), Jesus propõe uma soteriologia inserida no cotidiano, onde se testemunham os princípios salvíficos na vida de caridade, de paz, de justiça, na defesa da dignidade da vida humana e da criação. A salvação tem dimensão social, como “uma realidade intra-histórica, orientando, transformando e conduzindo a história à sua plenitude” (AQUINO JUNIOR, 2022, p. 182).
Sendo o Logos encarnado quem exemplifica a realidade salvífica no mundo, a teologia pode concordar com estudos sobre o sentido de salvação em Max Weber:
os diversos “bens de salvação” prometidos pelas religiões têm uma orientação para o mundo, quer se trate de bens mundanamente acessíveis a todos (saúde, longevidade, riqueza), quer diga respeito a bens reservados aos virtuosos da religião (o sentimento de amor acósmico do monge budista, a certitudo salutis do puritano calvinista ou o êxtase apático do devoto hindu) (TEIXEIRA, 2021, p. 24).
Isso não significa fragilizar a fé em Cristo como “o nome” no qual podemos ser salvos (At 4,12). O que se quer dizer é que não se pode identificar a verdade salvífica de Cristo com a doutrina das igrejas. Estas não são o fim salvífico da humanidade, superando de vez os axiomas “extra ecclesiam nulla salus” e, o de certo apego popular, “só Jesus salva”. A salvação como expressão da ação madura do Logos, onde quer que aconteça e no nosso caso focamos nas religiões, faz com que o sentido soteriológico, explícito ou não, que elas adquirem, possibilite entrecruzamentos que as conduzam a parcerias em projetos humanos realizadores (salvíficos) comuns.
Considerando as reflexões mais apuradas, tanto em termos práticos vivenciados por distintos movimentos inter-religiosos, no Brasil e em outras partes do globo, quanto nas avaliações teológicas (WOLFF; RIBEIRO, 2023) não tem mais sentido afirmar que a maturidade da ação do Logos manifesta-se apenas nas vivências religiosas das pessoas cristãs. Não são apenas essas as destinatárias à salvação. E se os membros das religiões também se salvam, então o Logos e o Espírito atuam de modo maduro através de suas experiências religiosas. Uma experiência religiosa acontece por meios e condições concretas, o que constitui uma religião. A revelação e a salvação que aí se experienciam não é algo meramente subjetivas, tem um caráter formal no espaço mediador da acolhida do Deus que salva. Para que seja percebida na situação religiosa das pessoas, a ação do Logos se objetiva nos elementos constitutivos das religiões e espiritualidades, como mitos, doutrinas, ritos, disciplinas. Por muito tempo afirmou-se a ação do Logos na vida das pessoas, independente da sua religião. Sim, o Logos pode atuar independente da religião, mas também através da religião.
Está em questão, portanto, o que valida tanto o comportamento religioso de uma pessoa, quanto a sua instituição religiosa. Isso tem a ver com a concepção de revelação, mediação e salvação possibilitada pelo Logos. Onde quer e como quer que Deus se revele e salve, ele está fazendo desse lugar um meio proporcionado ao seu projeto amoroso. Isso requer uma atitude positiva frente às religiões, reconhecendo nelas elementos de “verdade e santidade” (NA 2) pelos quais se pode obter percepção e experiência do divino. O desafio consiste em identificar esses elementos nas instituições religiosas, de modo que a experiência com o Deus salvífico não aconteça apenas na interioridade das pessoas. A ação do Logos num elemento das religiões possibilita “torná-lo aberto para o alto, ou seja, comunicante com o Céu” (ELIADE, 1992, p. 20). E desse modo, nas religiões há um processo de transcendência do mundo profano. Por isso as instituições religiosas são simbólicas e sacramentais, permitem a pessoa sair de si mesma e de sua situação particular para abrir-se ao divino universal.
Na medida em que os elementos essenciais das religiões possibilitam essa conexão com o divino, eles expressam a maturidade do Logos atuando nessa conexão. É uma maturidade proporcional aos meios da revelação e conexão com Deus, tal como na encarnação do Verbo em Jesus de Nazaré. Nenhuma instituição religiosa corresponde adequadamente à essência do conteúdo que propõe: “O que nós temos são aproximações relativas do absoluto, e que não se trata de possuir a verdade, mas de ser verdadeiro” (ARAGÃO, 2023, p. 74). Nem mesmo o cristianismo, enquanto religião, se identifica com o conteúdo da experiência que o Evangelho propõe; os sacramentos não se identificam com a essência da graça de Cristo; a igreja não é o Reino que anuncia. Não obstante, por esses meios a pessoa amadurece sua vivência do seguimento e do discipulado de Cristo, chegando mesmo à perfeição de uma vida santa. Igualmente nas demais religiões, o meio é sempre limitado em relação ao conteúdo da experiência vivida. Mas esta experiência pode ser profunda e verdadeira mesmo assim, envolver a totalidade da existência, e conduzir à conversão para Deus, o que se expressa numa transformação sincera do viver e do conviver, pautados na justiça e no amor que promovem toda as formas de vida humana e da criação. E nisso consiste o verdadeiro louvor a Deus. E o faz porque o Logos e o Espírito podem atuar nos mitos, nos ritos, na disciplina, na ética das religiões, integrando-os nos desígnios divinos de salvação (WOLFF, 2016).
Assim, entendemos Paulo valorizando a lei judaica como possibilidade de acesso a Deus (Rm 2,1-29), e afirmando que as culturas poderiam usar a criação para esse acesso (Rm 1,19-20), pois o Logos e o Espírito aí se manifestam. Ele identifica o Deus ignoto no Areópago grego (At 17,23). É observando os princípios da própria religião e da sua ética que as pessoas são reconhecidas como “agradáveis a Deus” (Hb 11,4-7), porque respondem com as possibilidades de seu contexto aos apelos divinos; a mulher cananeia foi formada na fé em sua religião antes de se encontrar com Jesus e pedir a cura de sua filha, o que Jesus reconheceu: “grande é a sua fé” (Mt 15,28); no sermão da montanha, Jesus afirma princípios universais que podem ser verificados nas religiões da humanidade, como a prática da justiça, da misericórdia, da pacificação (Mt 5, 1-12); em Mateu 25, Ele apresenta os critérios para entrar no Reino, os quais não passam a existir apenas após a fala de Jesus, eles já fazem parte da história da humanidade. Jesus confirma o que já é vivido como condição para salvação: “vinde, benditos do meu pai” (Mt 25, 34); a regra de ouro é a alma de todas das religiões (Mt 7,12). E assim podem ser considerados os princípios da misericórdia, da compaixão, da pacificação e libertação/desapego interior, essenciais em religiões orientais como os hinduísmos e os budismos, por exemplo.
Como tal só é possível na ação do Logos e do Espírito, as instituições religiosas pautadas nesses critérios podem ser teologicamente entendidas no conjunto da ação inspiradora e salvífica de Deus. Não se trata de apenas preparatio aevangelica como futura cristianização das religiões para, só então, ter se uma ação plena do Logos. A imperfeição ou incompletude do sistema religioso não pode ser aplicada ao divino que aí se manifesta. Sua presença e ação já são maduras e permitem que a semente lançada em todo chão religioso (e cultural) germine, cresça e produza os frutos da fé daquela religião. A maturidade da ação do Logos é o que possibilita às religiões se desenvolverem em si mesmas, se modificarem e se aperfeiçoarem no discernimento do divino e seus desígnios.
Isso significa que as religiões não chegarão a um mesmo fim como desenvolvimento institucional, e que não categorizarão o Logos. Tal é competência da fé cristã, a qual pode, então, verificar dialogicamente que o Logos presente e atuante nas religiões as torna mais do que meras expressões da cultura de um tempo, que precisariam ainda serem aperfeiçoadas num futuro encontro explícito com a fé cristã. Neste sentido, as práticas de diálogo inter-religioso precisam compor os processos de decolonização (WOLFF; RIBEIRO, 2023) e, simultaneamente, intercâmbio e complementaridade. Na direção do cumprimento desta tarefa, as cosmopercepções e espiritualidades indígenas representam um dos grandes desafios no campo latino-americano (CARNEIRO, 2021; SIMÕES, 2023). A perspectiva pluralista contribui para isso, ajudando a “resguardar as diferenças culturais e religiosas em horizonte dialógico e propositivo de busca de novas compreensões do sagrado, da justiça social, da minimização do preconceito ético-racial, de paridade de gênero e de cuidados planetários” (PANASIEWICZ, 2023, p. 35).[9]
O caminho pluralista que procuramos trilhar possui como característica básica a noção de que cada religião tem sua compreensão de revelação, dos meios dessa revelação, e do seu fim salvífico. Essa diversidade deve ser apreciada, respeitada e aprimorada a partir de um diálogo e aproximação mútuos. Trata-se de “um projeto longo, complexo e desafiador, que requer uma abordagem interseccional e sensível às diferentes perspectivas e experiências” (TOSTES, 2023, p. 148). Assim, a fé cristã, por exemplo, pode ser reinterpretada a partir do confronto dialógico e criativo com as demais fés. O mesmo acontece com toda e qualquer tradição religiosa. Tal perspectiva não anula nem diminui o valor das identidades religiosas - no caso da fé cristã, a importância de Cristo -, mas leva-as a um aprofundamento e amadurecimento, movidos pelo diálogo e pela confrontação justa, amável e co-responsável. A aproximação e o diálogo entre grupos de distintas expressões religiosas cooperam para que elas possam construir ou reconstruir suas identidades e princípios fundantes (RIBEIRO, 2020).
Neste estudo, revisitamos a expressão “sementes do Verbo”, usada no período patrístico e posterior, para afirmar o modo como se compreendia a manifestação do Logos nas diferentes culturas. Pensamos essa expressão no contexto das diferentes tradições religiosas do nosso tempo, no horizonte de uma teologia pluralista das religiões. A tese que defendemos é que o Logos se manifesta também nas diferentes religiões dos povos, e não apenas nas suas culturas. E ele não o faz de modo parcial e fragmentado, mas numa forma madura e plena toda vez que torna uma instituição religiosa mediadora da revelação do projeto salvífico de Deus. Isso requer da teologia cristã rever o universo semântico das categorias de revelação, mediação e salvação, reconhecendo o estatuto teológico delas para além do cristianismo. O fato é que onde quer que aconteça a revelação divina, seja qual for o seu meio e sempre que esse possibilita uma experiência fundante de sentido, entendida como realização plena ou salvação, tal acontece pelo Logos e pelo Espírito. E isso não é exclusividade do cristianismo, o que impele ao repensamento do entendimento das religiões apenas como praeparatio aevangelica, compreendendo-as como sendo, na essência de suas experiências de sentido, modos específicos de vivência do que a fé cristã entende como conteúdo do Evangelho.
Isso impulsiona a teologia cristã a progredir no entendimento sobre como as religiões se situam dentre as instâncias mediadoras da relação de Deus com a humanidade. O caminho que apontamos para isso é compreender as religiões no horizonte do mistério divino, integradas na pluralidade das formas por Deus utilizada para suscitar às pessoas e aos povos o anelo por libertação ou realização plena o que, em última instância, a fé cristã entende como salvação. Isso não depende apenas do reconhecimento que uma religião tenha da outra, mas da fé na multiforme manifestação do divino na história humana. E implica no fortalecimento do diálogo inter-religioso que possibilita mútua fecundação espiritual entre os credos, por intercâmbios enriquecedores da experiência do divino. Esse diálogo conduz à superação de tendências hegemônicas e colonizadoras, das formas de racismo religioso com as quais historicamente o cristianismo se impôs.
Desse modo, aberto está o caminho para a construção de uma teologia cristã com traços interativos e policêntricos, entendendo o universalismo da plena e madura presença e ação do Logos divino em diversos espaços e tempos. Isso influi no método da pesquisa teológica, na elaboração de categorias, linguagens e hermenêuticas da fé cristã, de modo a possibilitar a compreensão da revelação, suas mediações e seu fim salvífico numa correlação entre diferentes códigos culturais e religiosos, em consonância com os diferentes tempos e contextos. Daí advém concepções próprias do conteúdo da fé da igreja e da sua missão, interagindo com a linguagem, os sinais e os símbolos religiosos dos povos, que não obstante sua pluralidade, permitem identificar elementos e horizontes comuns como frutos maduros do que foi, outrora, entendido apenas como “sementes do Verbo”.
Referências
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[1] Ver o artigo de Marcial Maçaneiro, “As sementes do Verbo segundo Justino: relevância teológica e atualidade” (2023). Para uma visão panorâmica da teologia das religiões, veja o artigo “Modelos de interpretação teológica das religiões: crítica e proposição” (GONÇALVES; RIBEIRO, 2024).
[2] Dupuis (1997, p. 82) ressalta as expressões de Justino: “O Filho de Deus, o único que seja chamado propriamente Filho, existindo o Verbo com ele, gerado antes da criação” (2 Apol. VI, 3). O autor afirma que para Justino, a expressão Christós não se refere à missão do homem Jesus, mas ao Logos/Verbo divino em sua função criadora e organizadora do cosmos. O Logos é dynamis de Deus, “Verbo energético (loghiké dúnamis)”, quando no início Deus criou e ordenou (ekósmese) o universo por meio dele” (2 Apol. VI, 3).
[3] Esta visão de Irineu é destacada por Dupuis (1997, p. 86) na expressão “pois a glória de Deus é o homem vivente, e a vida do homem é a visão de Deus” (Adv. Haer. IV, 20, 6-7).
[4] Em relação à Clemente, Dupuis (1997, p. 93, 94 e 97) ressalta as afirmações: “pela reflexão e por transparência, os filósofos gregos mais autênticos vislumbram Deus” (Strom. I, 19). Se poderia “chegar à fé pela via da demonstração racional (mas) agora é útil para chegar à religião”. Por isso, “a filosofia serve para preparar, abrindo a estrada ao que será tornado perfeito em Cristo” (Strom. 1, 5,1-3), o Verbo de Deus “se tornou homem para que tu como homem possa aprender como o homem se torna Deus” (Protrept. I, 8)
[5] A origem da expressão “preparação ao Evangelho”, encontra-se em Eusébio da Cesareia, na obra Praeparatio, em grego: Εὑαγγελικὴ Προπαρασκευή, formada por 15 livros nos quais ele busca mostrar a excelência do cristianismo sobre as demais religiões e as filosofias pagãs (cf. JENKINS 2002, p. 122).
[6] Para uma visão panorâmica da visão católico-romana sobre o diálogo e aproximação com as religiões não cristãs, veja o artigo “Perspectivas teológicas da Igreja Católica Romana para o Diálogo Inter-religioso”, de Rose Costa Fernandes e Claudio Ribeiro (2024). Para discussão similar no contexto ecumênico das igrejas protestantes e ortodoxas, veja o artigo “No mesmo barco? Uma análise das perspectivas teológico-pastorais do movimento ecumênico internacional para o diálogo inter-religioso”, de Magali Cunha e Claudio Ribeiro (2023).
[7] Ainda no contexto teológico latino-americano há visões com certa originalidade e ineditismo. É o caso, por exemplo, da visão feminista de Ivone Gebara. Para ela, “sem deuses”, poderíamos tentar superar os dualismos e as hierarquias patriarcais que nos habitam e evitar certos tipos de violência e injustiça. Portanto, seria o caso de fazer da fé uma “maneira de ser” provocada pela vida que é construída de forma plural (GEBARA, 2010). Segundo a autora, essa concepção de vida precisa ser desconstruída e reconstruída permanentemente, com o devido questionamento ao patrimônio doutrinal da fé cristã, e como algumas aquisições se tornaram verdades naturais não questionadas, o que gerou ascensão social revestida de salvação religiosa apenas para alguns grupos. De acordo com a teóloga, tal postura “não busca certamente um novo ateísmo, nem uma nova releitura de uma religião, mas um novo humanismo onde a transcendência humana e a transcendência de tudo o que existe se inscrevem no interior mesmo de nossa constituição vital” (GEBARA, 2010, p. 164, grifo do original). Assim, “sem deuses”, se realçaria o convite à liberdade e à autonomia responsáveis, a reorganizar as relações sociais, políticas e econômicas e a aprender a respeitar a diversidade.
[8] Como ser tomado pelo Brahman; ou atingir o estado de consciência de Buda. Por exemplo: o Araha, bodhsattva, jivanmukta, mahatma.
[9] A perspectiva pluralista configura um novo jeito de ser cristão e cristã, como afirma Bingemer: “A partir dessa face plural, geradora de uma interface plurirreligiosa, a experiência do sagrado realizada dentro do cristianismo, em outras palavras, a mística cristã hoje é interpelada e chamada a aprender das experiências místicas e espirituais de outras religiões. E isso, não para deixar de ser cristã, mas para que a experiência de Deus que está no coração de sua identidade dê e alcance toda a sua medida (Bingemer, 2002, p. 319).