Letícia Pereira de Andrade Maia
Doutora em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Contato: leticiauems@gmail.com
Resumo: Este artigo tem como objetivo apontar a existência de convergências mitológicas bíblicas e lusitanas em Mensagem, de Fernando Pessoa. A hipótese que nos guia é a de que é possível detectar ressonâncias de mitos hebraicos bíblicos na remitologizacão tal como proposta por Pessoa apontando, a partir daí, a presença de determinados arquétipos universais que constituem o arcabouço da obra Mensagem. Os principais conceitos que embasam este trabalho são o de remitologização, proposto por Mielietinski (1987); de mito, objeto dos estudos de Mircea Eliade (1989; 1992; 2002; 2004); e de arquétipo, tal como foi definido por Jung (2000) e por Mielietinski (2002). A partir desse estudo foi possível detectar que o mito lusitano do Sebastianismo e do V Império são descendentes de mitologias mais antigas, ou seja, os arquétipos do inconsciente luso estão etnograficamente vinculados à profunda influência do povo judeu que esteve presente há, pelo menos, quatro mil anos divulgando a ideia de esperança messiânica na Península Ibérica.
Palavras-chave: Mensagem; Fernando Pessoa; Remitologização; Arquétipo
Abstract: This article aims to point out the existence of biblical and Lusitanian Mythological convergences in “Mensagem” by Fernando Pessoa. The guiding hypothesis is that it is possible to detect resonances of biblical Hebrew myths in the remythologization proposed by Pessoa, thus indicating the presence of certain universal archetypes that form the framework of the work “Mensagem”. The main concepts that underlie this work are remythologization, as proposed by Mielietinski 1987); myth, the subject of studies by Mircea Eliade (1989; 1992; 2002; 2004); and archetype, as defined by Jung (2000) and Mielietinski (2002). Through this study, it was possible to detect that the Lusitanian myths of Sebastianismo and the Fifth Empire are descendants of older mythologies, meaning that the archetypes of the Lusitanian unconscious are ethnographically linked to the profound influence os the Jewish people who have been present in the Iberian Peninsula for at least four thousand years, spreading the idea of messianic hope.
Keywords: Mensagem; Fernando Pessoa; Remythologization; Archetype
Ah, já está tudo lido,
Mesmo o que falta ler!
(Fernando Pessoa)
Ao falar da importância que um mito desempenha na estrutura de qualquer sociedade, Mircea Eliade (1989, p. 21) afirma que nenhum grupo tem condições de se libertar totalmente de duas das conotações essenciais do comportamento mítico – modelo exemplar e repetição – porque são consubstanciais a toda condição humana. Além disso, segundo Gilbert Durant (2008), um mito pode se transformar no curso da história produzindo numerosas variantes.
No caso lusitano, Gilbert Durand (2008, p. 14) afirma que Portugal possui em abundância todos os mitos da Europa. É possível detectar, por exemplo, ressonâncias de mitos hebraicos bíblicos em mitos lusitanos, inclusive em textos de Fernando Pessoa (1888-1935), como Mensagem (1934). Essas convergências são corroboradas por Lima de Freitas (2006, p. 76) que, ao atestar a universalidade dos mitos, diz serem esses arquétipos governantes da humanidade. Segundo o autor:
A Península é o resultado de camadas de subconscientes muito variadas: nórdicos, celtas, árabes, com todas essas moiras encantadas… tem, por isso, um fundo mítico muito grande; e quando afirmo que não existem mitos portugueses faço-o, evidentemente, em sentido estrito, porque existem formas tipicamente portuguesas de mitos e é através do estudo dessas formas que podemos alcançar uma possibilidade séria de autoconhecimento. (FREITAS, 2006, p. 77).
Nessa fusão com outros povos, Portugal criou sua história e mitos. Similarmente, a cosmovisão que os hebreus desenvolveram ao longo dos anos teve aproximação com outras culturas mitológicas. Neste artigo, observaremos que mitos hebraicos influenciaram mitos lusitanos. Nesse processo de fusão de mitos, um povo determinado revê seu passado, vive o presente, projeta o futuro procurando reescrever seu destino. Todas as palavras se abrem, assim, às palavras do outro; o outro podendo corresponder ao conjunto literário existente ou a uma memória coletiva do povo. (SAMOYAULT, 2008, p.17).
Sob essa perspectiva, mitos sebásticos e mitos bíblicos podem se referir, direta ou indiretamente, a outros mitos arcaicos. Aqui, o mito é apresentado historicamente e a história, por sua vez, pode ter dimensão mítica. Conforme Campbell (1990), o mistério do cosmo no interior da consciência humana é independente da diversidade dos costumes e culturas, ressoando sempre as mesmas imagens atemporais. Talvez por isso seja possível observar as convergências entre mitos lusitanos e hebraicos neste artigo. Esses próprios efeitos de convergências entre uma obra e um conjunto de cultura mitológica que a nutre, faz com que se pense na remitologização que há em Mensagem.
A ideia de remitologização é desenvolvida por Mielietinski em A Poética do Mito (1987). Nessa obra, o autor mostra que um dos traços mais importantes das vanguardas artísticas do fim do século XIX e início do século XX foi a revalorização do mito como forma discursiva e como revelação de camadas mais profundas do psiquismo da história da humanidade. O poeta Fernando Pessoa parece ter em mente, como veremos no decorrer deste trabalho, que, na história da humanidade, o fenômeno messiânico ressurge sempre que um povo atravessa vicissitudes históricas análogas. Movido pela busca de “um Mais Além” (PESSOA, 1993, p. 91), Fernando Pessoa, assim como o Moisés da Bíblia, propõe ser um estimulador de almas, um despertador de energias alheias. Assim sendo, em Mensagem é possível observar uma remitologização ou uma retomada do mito na poesia com fins específicos (MIELIETINSKI, 1987).
No primeiro tópico deste artigo, veremos como se dá o processo de remitologização do Messianismo – Sebastianismo e, consequentemente, o V Império – o Novo Mundo, na obra de teor espiritual Mensagem. No segundo item, mostraremos que nesse texto literário há arquétipos na conceituação de Jung (2000), ou seja, que a remitologização de cada parte de Mensagem (BRASÃO, MAR PORTUGUÊS, O ENCOBERTO) aponta para um arquétipo teoliterário.
Desejo ser
criador de
mitos, que é o
mistério maior
que pode
obrar alguém
da
humanidade.
(Fernando Pessoa)
Fernando Pessoa tinha em mente um projeto nacional/poético e colocou-o em prática em Mensagem. Esta obra, inicialmente, foi intitulada de Portugal. A temática nacionalista foi um grande interesse do poeta português durante anos. Os quarenta e quatro poemas que compõem essa obra foram escritos em um período de vinte e um anos, especificamente entre 1913 e 1934 (ano que antecedeu sua morte), e publicados em 1934 como parte do prêmio Antero de Quental.
O poeta olha para o Ocidente como o “futuro do passado” (PESSOA, 2006, p. 17), ou seja, com um olhar “esfíngico e fatal” que fita uma nova síntese de Portugal, uma revelação no sentido de algo que se mostra ou algo que é mostrado (des-velado), mas também de algo que se esconde e algo que volta a se esconder (velado de novo, re-velado). Por esse olhar poético, o Sebastianismo e o V Império (já conhecidos) são interpelados. Desejoso de atualizar o passado nesses vinte e um anos de processo de construção de Mensagem, Pessoa estudou, simultaneamente, vários profetas do Sebastianismo e escreveu vários textos em prosa sob essa mesma temática.
Ao revisitar o passado português, curiosamente, Pessoa não cita Camões como figura pátria. Porém, já profetizava o aparecimento de um “supra-Camões”, uma espécie de Messias que despertaria Portugal do “profundo negativismo” anunciando o “Supra-Portugal de Amanhã” (PESSOA, 2006). O Camões que anuncia seria o símbolo de que Pessoa necessitava para oferecer a si mesmo como “pátria poética” ou mito lusitano: “― Eu, da Raça dos Descobridores, desprezo o que seja menos que descobrir um Novo Mundo! / Eu, ao menos, sou uma grande Ânsia, do tamanho exacto de Portugal! / Eu, ao menos, sou bastante para indicar o Caminho” (PESSOA, 1997, p. 21). Aqui o objetivo do poeta é passar uma “mens-ag-em”, uma “re-velação” para os povos, conforme o lema do poeta: “Tudo pela Humanidade; nada contra a nação” (PESSOA, 1979, 1990, 1993). Ele seria apresentado às nações sob a forma superior de arte poética para poder assim despertar o sentimento, a força que é capaz de inculcar nas pessoas a crença mística da transformação necessária e possível da humanidade.
Vivendo a instalação da República em Portugal no início do século XX, Fernando Pessoa decide revalorizar o mito como forma discursiva e como revelação de camadas mais profundas do psiquismo humano para, deste modo, sugerir a ressurreição das glórias em um novo império, um novo tempo. Sob esta perspectiva, em cartas escritas a amigos, Pessoa (1998) registra que tem clara a sua missão: atingir as massas por meio da criação do “sebastianismo racional”, ou seja, da recriação do mito sebástico.
Temos, felizmente, o mito sebastianista, com raízes profundas no passado e na alma portuguesa. Nosso trabalho é, pois, mais fácil, não temos que criar um mito, senão que renová-lo. Comecemos por nos embebedar desse sonho, por o integrar em nós, por o encarnar. Feito isso, por cada um de nós, independentemente e a sós consigo, o sonho se derramará sem esforço em tudo que dissermos ou escrevermos, e a atmosfera estará criada, em que todos os outros como nós, o respirem. Então se dará na alma da Nação o fenômeno imprevisível de onde nascerão as novas Descobertas, a Criação do Mundo Novo, o Quinto Império. Terá regressado El-Rei D. Sebastião. (PESSOA, 1979, p. 225).
Eis o projeto poético de Pessoa: é ele mesmo o D. Sebastião (rei salvador oculto) que trará consigo o “Novo Mundo”. Esse plano de salvação foi artisticamente apresentado em Mensagem – uma espécie de obra teoliterária a qual retrabalha uma história sagrada de Portugal. Mensagem, portanto, é uma obra que vai além de uma observação da história portuguesa; estabelece uma harmonia perfeita entre o mito e a história, o mundo pagão e o mundo judaico-cristão, o mundo esotérico, ocultista e outros mundos múltiplos. Fernando Pessoa, como apresentou Barreto (2007), sabia da importância e da função de um mito em uma sociedade. Inclusive o poeta conceituou o mito como: “O mito é o nada que é tudo. / O mesmo sol que abre os céus / É um mito brilhante e mudo / O corpo morto de Deus, / Vivo e desnudo” (PESSOA, 2006, p. 20). O poeta dizia desejar ser criador de mitos com o objetivo de passar uma “mensagem” que tocaria na alma do povo a fim de “mover a massa”, isto é, despertar a mente portuguesa para uma mobilidade. (TUTIKIAN, 2006, p. 9).
Em alusão à Bíblia, Pessoa inicia Mensagem com uma epígrafe em latim traduzida por ele da seguinte forma: “Bendito seja Deus Nosso Senhor, que nos deu um sinal” - o Verbo (PESSOA, 2006, p. 13). A Bíblia é citada neste artigo não à luz de uma fé religiosa ou de uma teologia particular, mas em suas virtudes histórico-literárias, como obra de grande força, que tem moldado mentes (vidas de homens e mulheres) por mais de dois milênios, formando “arquétipos literários” (MIELIETINSKI, 2002). Pessoa por meio do Verbo (a Palavra poética) pretendia enaltecer a pátria transmitindo uma “mensagem” de fé nos destinos da nação, por acreditar ser ela predestinada.
Em vários textos em prosa do livro Sebastianismo e V Império, Pessoa fala desse plano: “Compete-nos – a nós portuguezes – a realização d‘esta obra”; “É preciso que creêmos creadores, que organizemos a alma portugueza”; “Realizemos em nossa alma a vinda de D. Sebastião” (PESSOA, 2011, p. 99, 104 e 109). Diante dessas falas, pode-se pensar que Pessoa se considerava o próprio “Verbo” (assim como o Cristo), ou tinha uma certeza no como usar a Palavra se tornando o mestre da remitologização ou o poeta-profeta do povo português, a fim de empreender uma viagem espiritual universal e ressuscitar uma pátria ideal à qual se opunha a pátria real, a do século XX.
Em suma, Mensagem não é apenas uma narrativa sobre os grandes feitos dos portugueses no passado como em Os Lusíadas, mas sim um cantar de um Império novo de teor espiritual, de construção de uma “supra nação” por meio da ligação Ocidente/Oriente. Nos poemas de Mensagem não são os fatos históricos propriamente ditos que importam, mas as atitudes dos heróis e o que representam para a humanidade como símbolos míticos e/ou arquétipos literários universais. Sendo assim, depois de muito estudo, Pessoa diz em um verso que “é a hora” de colocar esse projeto poético em pauta. Vejamos, a seguir, algumas particularidades do texto.
Mensagem está dividida em três partes como um “círculo perfeito” (BRASÃO, MAR PORTUGUÊS e O ENCOBERTO). Alter e Kermode (1997, p. 74) afirmam que o “círculo perfeito” é sugerido pela repetida tríplice divisão na Bíblia, como é perfeito o Deus de 1) Abraão, 2) Isaque e 3) Jacó. Essa série tríplice caracteriza o próprio Senhor Deus que quer manter sua aliança com os patriarcas. Assim como a Bíblia hebraica admite uma tríplice divisão: 1) a lei moral; 2) a lei civil; 3) a lei cerimonial. Também, a “estrela de Davi”, o brasão do povo judeu, são triângulos de três pontos sobrepostos.
Em síntese, a primeira parte de Mensagem, BRASÃO, conta a gênese da história portuguesa. Na segunda parte intitulada MAR PORTUGUÊS, são apresentadas as navegações e conquistas marítimas de Portugal. Na terceira, O ENCOBERTO, é mostrado o mito sebastianista do retorno de Portugal às épocas de glórias. A primeira parte da Bíblia conta a gênese do Universo e do povo ungido por Deus e suas primeiras conquistas. Na segunda são apresentadas, em meio a sofrimentos e exílios, sobretudo as profecias sobre o Messias que haveria de vir. A terceira parte aborda a preparação histórica para a chegada do Messias e do V Império – sonhado por Nabucodonosor e interpretado por Daniel. Nota, por conseguinte, que na história social desses povos há uma equiparação: ambos receberam um sinal de Deus, ambos viveram momentos de glórias com períodos de decadência, seguidos da busca por esperança.
Para Pessoa, o mítico implica o místico. Pois mítico (do latim mythĭcus, relativo a mitos) é uma modalidade de conhecimento baseada no entendimento de que existem modelos naturais e sobrenaturais dos quais brota o sentido de tudo o que existe, que ajuda o ser humano a explicar o mundo por meio de representações que não são lógicas nem resultantes de experimentações científicas. E místico (do grego mystikós, relativo a mistérios) é uma modalidade de conhecimento sobrenatural, espiritual que transcende o racional; ou seja, trata-se de um conhecimento esotérico e teosófico que busca compreender o sentido de uma realidade transcendente. Assim sendo, algo mítico pode se referir a um fenômeno místico, ao mesmo tempo que o místico pode se referir a algum mito. E essa interação adquire uma simbologia no plano espiritual e metafísico. Assim, consciente de sua missão, centrado na dimensão mítica e mística da história de Portugal, Fernando Pessoa fala sobre a nação portuguesa de forma a libertá-la do tempo histórico linear utilizando, em alguns poemas de Mensagem, o tempo presente e a primeira pessoa do singular.
Deduz-se que BRASÃO iluminará a terceira parte (o presente estagnado) configurando-se a circularidade mítica (o círculo perfeito) em que se fecha a obra. Também, pode se dizer que o tratamento na distribuição dos poemas em seções, e destas, em partes, funciona como metáfora de uma reinterpretação da história ou uma remitologização de Portugal. A complexidade de formas e quantidades diversificadas de poemas em BRASÃO sugere a árdua e difícil etapa do ato de nascer de Portugal. A ausência de subdivisões em MAR PORTUGUÊS sugere a superação desses primeiros obstáculos. E o ENCOBERTO trata do declínio e dos mitos do Sebastianismo e V Império voltando a ter uma organização formal complexa. O texto traz, portanto, um “manto” misterioso de elementos herméticos e poéticos. Ao revestir o mito sebástico com o fascínio poderoso da linguagem poética e a força mística dos símbolos, Mensagem adquire um caráter de re-velado (que tira o véu e, ao mesmo tempo, coloca o véu) quase bíblico, cantando uma epopeia no futuro: “É o som presente d'esse mar futuro /... É a alma lusitana grávida do divino” (PESSOA, s.d; 1979, p. 177).
Na maioria dos poemas o eu poético evoca a Deus. Porém, mesmo naqueles poemas em que não o faz, sente-se a presença do espiritual, transcendente e divino, restaurando o senso do sagrado que o homem do século XX dá a si mesmo, após o anúncio nietzschiano da “morte de Deus”. Pois, segundo Armstrong (2005, p. 10), os mitos permitem que seres humanos imitem seus deuses e experimentem eles mesmos a divindade.
Mielietinski (1987) destaca trabalhos da Psicologia como fundamentais à compreensão desse processo de remitologização enquanto sintoma de simpatia do homem do século XX por uma autorrepresentação que, paradoxalmente, volta-se ao remoto. O autor trata, especialmente, da obra de Jung como chave de leitura da autoprojeção da cultura do século XX, mediante a qual o mito ressurge como imagem arcaica cuja função é de espelho para o tempo presente.
Em Mensagem há um retorno mítico à história portuguesa. Fernando Pessoa interpela o mundo português ansiando por uma nova síntese de Portugal ou de si mesmo ou dos outros. Ou seja, é como se o divino estivesse entrelaçado na História. Aqui é possível lembrar da obra O mito do eterno retorno, de Eliade (1992), que versa sobre a repetitividade intrínseca à ontologia arcaica e a sua forma de conceber a temporalidade cósmica e humana proclamando a necessidade de um retorno (religação, religare) ao mito tradicional pois, por mais dessacralizado que se pretenda o homem moderno ele não consegue se livrar da experiência mítica originária, ainda que esta ressoe não mais como voz direta dos deuses, como acontecia com os judeus (ELIADE, 1992).
Entre os judeus, a religião foi o fenômeno ligador de almas que auxiliou na união desse povo (mesmo na diáspora) e na ascensão da nação. Pessoa acredita que, de modo semelhante, um fenômeno imaginativo e de autoridade existiria em Portugal e que, por isso, era possível debelar a crise nacional solucionando três problemas: “Como transformar o indivíduo português? Como transformar o estado português? Como transformar a nação portuguesa?” (PESSOA, 1979, p. 168). Ele sugere dirigir-se para o “futuro do passado”, aliás, para ele a nação é: (1) uma relação com o passado; (2) uma relação com o presente nacional e estrangeiro; (3) uma direcção para o futuro (PESSOA, 1979, p. 127).
Para sua remitologização, Pessoa, como poeta-profeta, conversa com os símbolos portugueses que são a verdade íntima da alma: D. Sebastião, o Bandarra, Santo Graal, V Império, o Desejado, as Ilhas Afortunadas etc. Nessa conversação com os símbolos, o poeta propõe uma civilização espiritual longe do materialismo de outros profetas portugueses porque, segundo ele, “contra as artes e as forças do espírito não há resistência possível, sobretudo quanto elas sejam bem organizadas, fortificadas por almas de generais do Espírito” (PESSOA, 1979, p. 225). Nessa teorização artística, Pessoa acredita que a poesia ou o mito são a única força capaz de arrancar os espíritos do profundo caos esterilizante: “Que as forças cegas se domem / Pela visão que a alma tem!” (PESSOA, 2006, p. 47). Tutikian (2006) observa que o último verso de Mensagem - “É a hora!” (PESSOA, 2006, p. 58) - é o anúncio de um processo que abre uma brecha para a chamada “inversão histórica” em que o passado se pode realizar no futuro. Mensagem, ao abarcar o tempo presente decadente, remitologiza a história de Portugal em prol de um ideal, o V Império Espiritual Universal.
Enfim, conquistado já o Mar (material) resta a Portugal conquistar também o Céu (espiritual): “―Senhor, falta cumprir-se Portugal” (PESSOA, 2006, p. 36). “Mas o Céu está próximo” pois, segundo o poeta, “a alma lusitana está grávida do divino” (PESSOA, 1979, p. 177). A partir daqui fica patente de onde a remitologização de Portugal advém: da recuperação do V Império (uma ideia nacional, à primeira vista material) que transforma Portugal em um Império Espiritual. A remitologização pessoana (ou seu sebastianismo racional) é uma reconstrução cujo invólucro é de teor espiritual. É como se apenas pelas vias da imaginação (do mito ou da poesia) fosse ainda possível alcançar o mundo espiritual. É como se Fernando Pessoa acreditasse que precisamos de “mitos que nos ajudem a desenvolver uma atitude espiritual” (ARMSTRONG, 2005, p. 115).
Pôs-me as mãos sobre os ombros e doirou-me
A fronte com o olhar; E esta febre de Além, que me consome,
E este querer grandeza são seu nome
Dentro de mim a vibrar
(Fernando Pessoa)
Investigar em um texto literário um possível arquétipo bíblico é partilhar da concepção de que há um inconsciente coletivo comum ou temas comuns a todas as culturas. Daí o termo teoliterário o qual combina as palavras teológico e literário. Na Bíblia hebraica e em Mensagem de Fernando Pessoa encontram-se convergências mitológicas, inclusive a ideia ocidental de “restauração de um mundo novo”, por exemplo, já era conhecida no Oriente pela tradição judaica e está relacionada aos mitos primitivos cosmogônicos.
As personagens de Mensagem são motivadas a transcender suas limitações para conquistar o (im)possível. Logo, Portugal, como “nação escolhida”, repete a arquetípica esperança messiânica: “Espera-se no Salvador” com base em profecias. O Messias lusitano e o hebraico é aquele menino-salvador, herói que vence tudo, inclusive a morte e salva sua nação (ou o universo inteiro) implantando um mundo novo. A noção de um Salvador do mundo é antiga. Desde José do Egito já se tem um protótipo de Salvador; Moisés, posteriormente, será o libertador do povo hebreu em seu movimento de êxodo do Egito. Estes são modelos ideais de Salvador. A cada geração espera-se o Messias que viria e encabeçaria um novo reino universal e de felicidade eterna localizada em uma cidade que é o centro da terra, Jerusalém, a qual é configurada como um arquétipo do paraíso, um universo eterno e celestial.
É sabido que essas imagens arquetípicas do Messias Salvador são as mesmas em culturas tão diferentes como as do Oriente e do Ocidente. Isso porque, segundo Jung (2000), toda a humanidade está ligada por meio de uma totalidade maior que a caracteriza como humana e esta ligação está no psíquico através do inconsciente coletivo e de inumeráveis arquétipos.
Mas, o que vem a ser um arquétipo? É sabido que a ideia advinda do termo “arquétipo” foi usada pela primeira vez por filósofos neoplatônicos com o objetivo de indicar modelos que serviam de base para todas as coisas existentes. Séculos mais tarde, o filósofo Agostinho utilizou-se também dessa ideia. Porém, foi Carl Gustav Jung que empregou pela primeira vez o termo em seus estudos sobre o inconsciente coletivo. Ele empreendeu estudos abrangentes sobre os arquétipos não só em assuntos religiosos e mitológicos como também nos sonhos.
Apesar de Jung ter sido o grande estudioso do conceito de arquétipo, diversos outros cientistas da Psicologia, da Antropologia, da Filosofia e da Narratologia também deram suas contribuições a respeito do assunto. Dentre outros estão: Frye (2000), Eliade (1992), Campbell (2000), Durand (1997) e Mielietinski (2002). Ainda que estudado por teóricos de diferentes áreas não há consenso quanto à conceituação do termo arquétipo. Do grego arkhé (significa principal ou princípio) e typos (é impressão ou marca), o termo significa, literalmente, a primeira marca, o original, o modelo. Jung (2000; 2008) afirmou que os arquétipos são tendências instintivas do inconsciente, ou seja, são imagens primitivas que vêm sendo inseridas no inconsciente coletivo da humanidade desde os primórdios da civilização. E situados fora do tempo histórico, os arquétipos são universais e mobilizados pelos mitos que ativam diferentes aspectos da psique humana como a espiritualidade, a criação artística, o pathos e a linguagem (JUNG, 2000).
Mapeando Portugal por meio dos três momentos que engendram a remitologização da nação (BRASÃO, MAR PORTUGUÊS e O ENCOBERTO), é possível levantar o questionamento existencial do ser humano: de onde vim? (passado); como vencer? (presente); para onde vou? (futuro). Essas questões levam a um sentido judeu-messiânico e teológico da existência humana dedicada a uma missão espiritual. Assim sendo, a remitologização de cada parte de Mensagem aponta para um arquétipo teoliterário, conforme a tabela a seguir:
Tabela 1: Mitos, Imagens e Arquétipos em Mensagem
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Remitologização em:
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Mitos paralelos: judeu/lusitano
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Algumas imagens e frases arquetípicas:
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Arquétipo:
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BRASÃO (1ª parte) |
Mito da fundação de Lisboa e de Portugal / Mito do Gênesis |
BENEDICTUS DOMINUS DEUS NOSTER QUI DEDIT NOBIS SIGNUM / Ulisses / Sétimo / Grifo / Rei / Deus |
CRIAÇÃO (Origem) |
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MAR PORTUGUÊS (2ª parte)
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Mito da travessia pelo deserto / Mito da travessia pelo mar / Mito do herói / Mito das tomadas impossíveis
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POSSESSIO MARIS / Espada / Mar / Santo Graal / Monstros / Nau / Infante ou Renovo |
INICIAÇÃO (Percurso)
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ENCOBERTO (3ª parte)
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Mito do Messianismo e seu V Império / Mito do Sebastianismo e V Império / Mito do Encoberto / Mito do Paraíso perdido |
PAX IN EXCELSIS / Rei Salvador / Terra Prometida / Novo Céus e Nova Terra / Jerusalém / Ilhas Afortunadas ou encobertas
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CENTRO (Ponto de chegada)
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Em BRASÃO, ao ocupar-se do nascer de Portugal, Fernando Pessoa nos remete à cosmogonia a qual traduz um sentimento universal de transcendência e, simultaneamente, é um gesto exemplar da força e da criatividade. Essa cosmogonia trata da origem absoluta e é a suprema manifestação do sagrado (ELIADE, 1992; s/d).
Mielietinski (2002) observa que, nos mitos sobre a criação, a ação está relacionada com o tempo que precede o estabelecimento de uma lei rigorosa de ordenação do mundo. É um mundo outro, qualitativamente distinto do cotidiano cuja organização de caos em cosmos é análoga à dos deuses. Assim, resgatar na poesia um tempo sagrado ou mítico implica estar próximo dos deuses ou “cheio de Deus” e fundar um mundo perfeito.
No contexto da criação bíblica, “a terra era sem forma e vazia, havia trevas sobre a face da profundeza, e o Espírito de Deus pairou sobre a superfície das águas” (Gn 1:2). Observa-se que foi nas águas que Deus disse: “Haja luz”, e houve luz. Aqui, o Mar, “água de todas as possibilidades”, já existia e pode ser considerado como arquétipo da criação, onde é formado o próprio eu poético pessoano de “alma atlântica imersa em sonhos que são Deus”, ou seja, “pairando sobre a face das águas” (PESSOA, 2006, p.12). Deste modo, o eu poético contempla um além do mundo sensível e até mesmo o além das limitações do intelecto humano e surge então o Portugal poético pessoano:
Deus quer, o homem sonha, a
obra nasce. Deus quis que a
terra fosse toda uma, Que o mar
unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma.
E a orla branca foi de ilha em
continente, Clareou, correndo,
até ao fim do mundo, E viu-se a
terra inteira, de repente, Surgir,
redonda, do azul profundo.
(PESSOA, 2006, p. 36).
Aqui o processo criativo vai além da palavra e do consciente: do “azul profundo” surge a “terra redonda”. Entendem-se que são necessárias as águas (imagem do inconsciente) como espécie de arquipotência onde radica todo o ser e todo o acontecer (ELIADE, 1989). Jung (2000, p. 63) nomeia esse processo criativo como “complexo autônomo” alicerçado numa base comum que são os arquétipos. Nesse sentido, a criação artística não está livre do “complexo autônomo”. Há sempre uma reativação de arquétipos que os tornam acessíveis a outras épocas.
O poeta Fernando Pessoa cria um Portugal poético atualizando o ato cosmogônico e usando como instrumento de criação o mesmo do Deus-Criador: a Palavra. Segundo Eliade (s/d; 1992; 1993), em muitas culturas se acredita que os mundos foram criados pela Palavra. Deste modo, como criação, o fazer literário de Pessoa propõe um novo homem e um novo mundo, uma ordem qualitativamente distinta do mundo ordinário que “hoje és nevoeiro…” (PESSOA, 2006, p. 58).
Como arte da Palavra, pode-se dizer que Mensagem é um ato duplamente cosmogônico. É como se o poeta emprestasse à Palavra novas potencialidades e com esse fator criativo propiciasse outras associações. Realmente, a Palavra tem o poder de resgatar as sensações fugidias e de trazê-las de volta. Sob esta perspectiva, poesia é salvação, pois a palavra poética traz de volta uma revelação que “lhe rasgue o véu” (PESSOA, 2006, p. 32). Ou seja, realiza a passagem daquilo que não é manifesto para o que é manifesto ou, falando cosmologicamente, do caos para o cosmos.
Agora, em MAR PORTUGUÊS, o arquétipo da iniciação tem base em Ritos de Iniciação e Sociedades Secretas, de Mircea Eliade (2004b). Nessa obra, o autor foca seus estudos na iniciação presente nas mais diversas sociedades do mundo e também nos temas iniciáticos que permeiam seus rituais. O autor defende a relação entre as crenças e desejos inconscientes dos indivíduos e a permanência dos ritos iniciáticos nas sociedades modernas.
O processo de iniciação é verificável na mitologia dos heróis que pertence ao tema universal. A figura do herói permeia a mente (in)consciente de todo ser humano por meio da mitologia e/ou da literatura. Segundo Müller (1992, p. 5), o mito do herói simboliza psicologicamente o caminho da autorrealização, do autoconhecimento e da vida criativa. É o caminho da mudança que por meio da morte leva a uma nova vida. Consequentemente, o caminho difícil representa um ritual de passagem do âmbito profano para o sagrado, do efêmero e ilusório para a eternidade, da morte para a vida, da tempestade para a bonança, do homem para a divindade.
Um herói iniciado supera seus medos, uma vez que é predestinado à vitória final. A invencibilidade é um caráter numinoso que emana do divino. O mar desconhecido que o herói enfrenta é o espaço do inconsciente e a morada do caos que é assenhoreada por um terrível monstro.
Os Deuses da tormenta e os gigantes a terra
Suspendem de repente o ódio da sua guerra
E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos céus
Surge um silêncio, e vai, da névoa ondeando os véus,
Primeiro um movimento e depois um assombro.
Ladeiam-no, ao durar, os medos, ombro a ombro,
E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões.
(PESSOA, 2006, p. 41).
“Os Deuses” referidos nesse poema podem ser aqueles pertencentes à mitologia grega: Netuno, Marte, Júpiter etc. Os gigantes da terra referem-se aos Titãs e remetem aos gentios ou cananeus da história de conquistas do povo hebreu, podendo significar os outros conquistadores não portugueses. Sob esta perspectiva, o conquistador Vasco da Gama vence os deuses e os gigantes da terra vivenciando um processo de iniciação, pois um homem humilde transforma-se em herói. Ao superar seus medos, o herói fica com o “clarão” que traz luminosidade e brilho, características próprias da vitória que conduz à ascensão. Observa-se que o herói é portador da luz que vence a escuridão e anuncia as boas novas.
Os heróis em Mensagem são representantes da autodefesa coletiva de Portugal: “Sou um Povo que quer o mar que é teu” (PESSOA, 2006, p. 38). Por isso eles jamais visam ao bem individual. Esses heróis passam por inúmeros obstáculos tanto internos quanto externos e, por mais que superem esses desafios impostos pelo destino, estão sempre à mercê dos deuses e de suas vontades: “Fiel à palavra dada e à idéia tida. / Tudo mais é com Deus!” (PESSOA, 2006, p. 27). Aqui, o herói é, portanto, uma personagem que só triunfa por vontade dos deuses. A espera do herói é uma característica necessária para que ele possa realizar suas aventuras graças à intervenção direta da vontade dos deuses na vida humana. Ainda a figura do herói representa, de uma forma geral, a luta humana para se desvencilhar das dificuldades diárias da existência e encontrar formas criativas de lidar com as dificuldades da própria vida. Além disso, essa mitologia mostra que é através do sofrimento que o homem um dia poderá revelar-se um “ser superior”. E, como está no poema “Ascensão de Vasco da Gama”, para todo herói Deus reserva uma recompensa.
O herói messiânico transforma-se pela própria iniciação da esperança popular. D. Sebastião, por exemplo, é um herói mítico que tem a ver mais com as expectativas geradas na alma coletiva do povo do que com a história do indivíduo em si. Após seu desaparecimento surgiram lendas, versões fantasiosas e até diversos “pseudo-D.Sebastiãos”. A figura de D. Sebastião com seu sonho e loucura marroquina constitui símbolo mítico de Portugal e fruto da psique coletiva lusitana. O sebastianismo teve seus arquétipos vinculados à esperança messiânica cujas tradições ancestrais remontam a Abraão.
Os heróis de Mensagem enfrentam o mar e seus medos [...] as tormentas. “Abria em flor o Longe, e o Sul sidério / Splendia sobre as naus da iniciação” (PESSOA, 2006, p. 36). A iniciação no mar pode trazer esse terror, o medo, o questionamento, os mostrengos, as “águas de todas as possibilidades” onde o herói busca sua evolução ou sua espiritualidade. Esse mar basta por si mesmo e modifica-se para o contínuo de sua eternidade. Com isso, o poeta retoma a simbologia do poder profético que emana das águas, presente desde a Antiguidade, que já entendia o oceano como uma “casa de sabedoria” (ELIADE, 1993, p. 236). Aliás, o eu poético pessoano sabia que Deus guardava “o corpo e a forma do futuro” (PESSOA, 2006, p. 42).
E as “naus da iniciação” conduzem ao mundo desconhecido e auxiliam na busca pelo transcendente. A nau é símbolo da travessia realizada pelos mortos para o Além (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1991, p. 121). Nesta visão, o herói do mar (que usa as “naus da iniciação”) é um iniciado.
Linha severa da longínqua costa
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstrata linha.
(PESSOA, 2006, p. 37).
Esse poema acima intitulado “Horizonte” evoca um espaço longínquo que se procura alcançar, funcionando, de tal modo, como uma espécie de metáfora da procura, como um apelo da distância, do “Longe” à eterna procura dos mundos por descobrir, até mesmo dos mortos ou do inconsciente. Jung (2008) explica isto quando afirma que a viagem de barco seria uma travessia com destino ao inconsciente e ao ventre materno – seria, portanto, um renascimento, o que requer, primeiramente, uma morte. Nesse caso, a morte é necessária para que surja uma nova vida, o renascimento a partir da viagem de barco. E esse meio de transporte é identificado como a morte, mas também como o ventre materno, o retorno à origem.
Em Mensagem e na Bíblia o processo iniciático é um caminho de acesso à divindade: “Cheio de Deus, não temo o que virá” (PESSOA, 2006, p. 26). Nesse acesso direto, a graça alcançada iguala-se a um processo de iniciação ou a um exercício de libertação humana capaz de trazer “A Nova Terra e os Novos Céus” (PESSOA, 2006, p. 53). É aí que o herói luta pela criação de novos valores contra aquilo que já se esclerosou. Eis sua missão: criar um mundo novo ou salvar um mundo já existente.
O arquétipo da iniciação está presente também na mitologia da “tomada de posse” feita pelos heróis, ou seja, na mitologia das “conquistas (im)possíveis”. A conquista territorial, conforme Eliade (1992, p. 27) implica a realização do ritual iniciático, pois deve acontecer uma transformação ou uma consagração que equivale a “chegar ao centro”. No poema intitulado “Padrão” o eu poético expressa que “a Cruz ao alto diz que o que me há na alma: “o porto sempre por achar”, uma busca constante por descobrir... Assim, este “padrão” consagra o lugar em que foi plantado liberando o eu poético para “adiante navegar”... (PESSOA, 2006, p. 37).
O poeta Fernando Pessoa, ao repetir o gesto arquetípico da iniciação em Mensagem, abandona o mundo profano dos mortais e insere-se em um mundo divino dos imortais. Isso porque a imolação gloriosa de Pessoa confirmou a criação de um “imaginário redentor” cristalizando sua missão heroica na terra dos poetas portugueses. Assim, o poeta termina a obra com as palavras: “―É a Hora! / Valete, Frates”, funcionando como um convite a que se estabeleça a esperança entre os portugueses: “navegar é preciso!”…
Enfim, superar as dificuldades e a saudade e unir-se a um desejo de promover uma melhoria futura na nação, um aprimoramento espiritual, tudo isso constitui um passo iniciático. Esse convite a mudar o sentimento português e lançar Portugal a um futuro sem névoa, descoberto pelo sentido do V Império conquistado, nada mais é do que o mesmo sentimento de nulidade existencial que perpassa toda a obra pessoana, ansiando desesperadamente pela via do sentido.
Na última parte da obra, o arquétipo do centro remete ao “espaço do sagrado”, porque este é significativo quando marcado por um ponto fixo norteador chamado “centro” (cf. ELIADE, s/d, p. 40). O arquétipo do centro compõe o espectro de símbolos que se encontram mais polarizados em determinadas situações, culturas e tradições. Por exemplo, o Templo na cultura e tradição hebraica é símbolo central da mediação entre o céu e a terra, entre Deus-Pai e os homens pecadores que precisam de salvação (ou re-ligação ao divino, por isso o eu poético pessoano diz: “Templo que Portugal foi feito ser” (PESSOA, 2006, p. 23).
Vale notar que, biblicamente, o “Templo” é construído no centro de uma cidade também central: Jerusalém. “Não só existe um modelo que precede a arquitetura terrena, mas o modelo também se encontra situado numa região ideal (celestial) da eternidade” (ELIADE, 1992, p. 20). Nesta visão eliadiana, uma Jerusalém celestial foi criada por Deus antes que a cidade fosse construída pela mão do homem. Assim sendo, o mundo que rodeia tem um arquétipo extraterreno, seja ele concebido como um plano, uma forma, ou simplesmente como uma “cópia”, a qual existe em um nível cósmico mais elevado.
O mito sebástico também traz a ideia de regresso aos tempos de glórias, de sonhar e acreditar que a vida pode ser realização-sonho que se conecta ao destino universal da humanidade. Segundo o filósofo Morgado, esse destino “se transcende permanentemente a si próprio na demanda incessante dum Paraíso Terreal proto- histórico, ou – o que é seu equivalente escatológico – na prossecução de ideal de um grande povo a caminho da Terra Prometida” (MORGADO, 1995, p. 572). Assim, o sebastianismo faz com que seu povo recupere a história humana de “peregrino” em busca da “Terra Prometida” que “mana leite e mel”, ou seja, o paraíso “cheio de glória e maravilha: estes são os deleites dessa Ilha” (CAMÕES, 1991, IX, p. 89).
O Portugal retrabalhado por Pessoa em Mensagem é cosmicizado: do declínio lusitano (que é Portugal a entristecer) busca “cumprir-se Portugal” futuro. Toda região antes de ser centro tem semelhança com o caos disforme da pré-criação. Ao elevar Portugal como região central, o poeta toma posse desse território poético e trabalha com rituais e símbolos que repetem de maneira simbólica os atos da Criação, da Iniciação e da Centralização.
Para se tornar um lugar de centro, Portugal poético deveria ser um lugar ideal, portanto, pressuporia um espaço-tempo excepcional. Por isso o tempo em Mensagem encontra-se entre a história e a supra-história. Consiste no tempo encantado e encantador da realidade pela presença do sagrado na figura dos símbolos: D. Sebastião, V Império, o Desejado, as Ilhas afortunadas, o Encoberto. De tal modo que nessa obra poética o centro é um mundo espiritual desejado pelo eu poético pessoano, aquele paraíso que representa o contrário do mundo real: a imortalidade, eternidade, beatitude, pureza, perfeição, liberdade, igualdade com o Absoluto etc... Ou seja, um mundo acolhedor que religa os homens aos deuses, ao célico, ao metafísico.
Esse espaço paradisíaco é chamado em Mensagem de “ilhas afortunadas”: um lugar circular, natural de refúgio significando perfeição e proteção que pressupõe o modelo exemplar da cosmogonia e resgata a imagem da criança. Lá todos ficam “como uma criança dormente que sorri” evocando uma força que liberta o ser humano do tempo. Aqui está a criança mítica como projeção do inconsciente coletivo: o desejo do homem de vencer o Kronos.
AS ILHAS AFORTUNADAS
Que voz vem no som
das ondas Que não é a
voz do mar?
E a voz de alguém que
nos fala, Mas que, se
escutarmos, cala, Por
ter havido escutar.
E só se, meio
dormindo, Sem
saber de ouvir
ouvimos Que ela
nos diz a esperança
A que, como uma
criança
Dormente, a dormir sorrimos.
São ilhas
afortunadas
São terras sem
ter lugar,
Onde o Rei mora esperando.
Mas, se vamos
despertando Cala a voz,
e há só o mar.
(PESSOA, 2006, p. 49).
Ilhas afortunadas são “ilhas abençoadas” das mitologias grega e céltica que se referem ao deleitável paraíso que acomodava os Elísios (mortos) onde as almas favorecidas (heróis, santos, sacerdotes, poetas) eram recebidos pelos deuses após a morte (ELIADE, 1993). Essas ilhas afortunadas seriam então fora do tempo e do espaço em que a criança e o eu poético são lançados ao illud tempus arrebatados pela força do mito e aquele encanto do lugar de descanso, mundo dos mortos ou “terras sem ter lugar”. O eu poético fala como um delírio ou devaneio sobre a chegada através do mar nessa ilha que mora o Rei esperado. Mas parece que a embarcação não consegue adentrar a esse paraíso, pois “se vamos despertando / Cala a voz, e há só o mar”. Isso porque, normalmente, a vida no paraíso seria a recompensa após a morte somente para algumas almas privilegiadas ou galardoadas pelos deuses, como as crianças.
As ilhas afortunadas como “centro do mundo” conjugam-se com a “utopia” (lugar de “não-lugar”). Seria o local em que, negando a sua própria natureza terrena, o homem alcançaria a sua divindade. Tem-se aqui a temática universal da dicotomia: humanidade versus divindade. Entretanto, o eu poético pessoano busca a unidade com a divindade: “o que me há na alma / E faz a febre em mim de navegar / Só encontrará de Deus na eterna calma / O porto sempre por achar” (PESSOA, 2006, p. 37). D. Sebastião, por exemplo, quando passou a morar nas ilhas afortunadas ele tornou-se imortal, “cheio de Deus” escapando da velhice e da morte, isto é, cheio de atributos divinos (VALENSI, 1994). A imortalidade está ligada aos deuses em oposição aos humanos mortais. Aqui se percebe a crença de que a morte não é o fim, mas é tomada como possibilidade de renascimento.
A construção do “não-lugar” apelando para o arquétipo do “lugar ideal” leva o eu poético à “nostalgia do paraíso” (ELIADE, 1993).
Ah, quanto mais ao povo a alma falta,
Mais a minha alma atlântica se exalta
E entorna,
E em mim, num mar que não tem tempo ou 'spaço,
Vejo entre a cerração teu vulto baço Que torna.
Não sei a hora, mas sei que há a hora,
Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora Mistério.
Surges ao sol em mim, e a névoa finda:
A mesma, e trazes o pendão ainda
Do Império.
(PESSOA, 2006, p. 42-43).
Na obra Tratado de história das religiões (1993), Eliade explicita que a “nostalgia do Paraíso” está relacionada ao desejo do homem de recuperar a sua condição divina e de se rever no centro do mundo mediante a delimitação, construção e habitação do espaço sagrado. Conforme Eliade (1993, p. 205), “a nostalgia do Paraíso se deixa entrever nos atos mais banais do homem moderno”, como a última nau que leva a bordo El-Rei D. Sebastião. Enfim, essa nostalgia é entendida como o desejo do ser humano de se achar sempre e sem esforço no “coração do mundo”, da realidade e da sacralidade, ou seja, no desejo de superar sua condição humana e recuperar a condição divina ou a “condição anterior à queda” (ELIADE, 1993, p. 70). Compreende-se que a imagem paradisíaca é, ao mesmo tempo, arquétipo e mito; e enquanto arquétipo, prefigura o paraíso original (Éden) e o escatológico (V Império, Nova Jerusalém etc.). Mas o paraíso dos utopistas sugere um decalque do paraíso original. Logo, Fernando Pessoa revisou a ideia de um tempo e lugar ideais (“que não tem tempo ou ‘spaço”) que sempre esteve presente na história do gênero humano.
Esses três arquétipos chegam à poesia pessoana com uma auréola hierofânica, a qual reveste os elementos de laivos sagrados fazendo de cada poema de Mensagem um rito que transparece um mito. Em suma, é possível apresentar a seguinte tabela dos arquétipos:
Tabela 2: Três arquétipos em Mensagem e suas funções
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Arquétipo
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Característica |
Imagem |
Função |
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Criação
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Dá estrutura ao mundo / Transforma caos em cosmos e vice-versa |
Deus/Criador/Mar/Poeta
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Criar algo pela Palavra / origem / totalidade |
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Iniciação
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Vive-se o diferente / Alcança o impossível / Evolui espiritualmente
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Herói /Messias/ D.Sebastião/ Mar/ Poesia
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Agir corajosamente –superação humana / percurso evolutivo |
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Centro
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Anseia por um tempo de plenitude / um lugar melhor/ mundo espiritual |
Paraíso /Céu /Ilha /Jerusalém /Templo/ V Império |
Compreender o Universo; Caminhar à “Terra Prometida”; /destino celeste |
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Graças a essas imagens arquetípicas, histórias como a de Israel e de Portugal podem se comunicar e alcançar denominadores comuns ou viver fenômenos análogos, ou ainda agir uniformemente diante de mesmos fenômenos da Natureza.
A remitologização realizada por Pessoa centrou-se em três partes progressivas: BRASÃO, MAR PORTUGUÊS e O ENCOBERTO, sugerindo a evolução da história de Portugal (desde sua origem mítica, com Ulisses e Viriato, até o final do período de apogeu das navegações, culminando com o que se abre com o prognóstico de retorno da época áurea de Portugal sob o comando de um D. Sebastião que não é nomeado com clareza, mas aparece qualificado como O Encoberto). Em outras palavras, o poeta recriou seu Portugal poético por meio de uma remitologização da Gênesis (origem), das conquistas (im)possíveis (realização) e do Encoberto (morte seguida de um renascimento).
Em BRASÃO, primeira parte de Mensagem, uma espécie de remitologização do mito bíblico da criação, a história de Portugal é poetizada por meio da reescrita de agentes selecionados do passado que se encaminhava para o estabelecimento do Império em que a cultura para sempre se sobrepusesse tendo como referente, via faculdade mimética, a imagem e semelhança do Paraíso ou reino de Deus. Pessoa apropriou-se do discurso histórico na contramão da dessacralização da História de Portugal. Para ele (2011), o sagrado é importantíssimo e Portugal é uma ideia abstrata, um espírito, um sentimento, algo que transcende os limites do território geográfico sendo possível com isso tocar as almas dos lusitanos.
Em MAR PORTUGUÊS, segunda parte da obra, há a remitologização do mito bíblico das conquistas (im)possíveis. Nessa parte são poetizadas as vitórias marítimas lusitanas, bem como a superação dos obstáculos da mesma forma em que os hebreus venceram o deserto. O Mar, citado 35 vezes na obra, está guardado por monstros e, por isso mesmo, é local propício para o “mito das conquistas (im)possíveis”. Deste modo, os poemas desta parte mostram o heroísmo dos portugueses e a vitória lusitana sobre a grandeza dos mares, sobretudo do temido e do desconhecido.
Em O ENCOBERTO, última parte de Mensagem, há a remitologização do próprio Messias e é poetizado o declínio de Portugal com um grito de despertamento: “É a hora!”. Iniciada esta parte com um poema que tem como título “Dom Sebastião”, o eu poético pessoano, pela reapropriação de fragmentos de sentidos, signos e símbolos persistentes no ambiente sociocultural português, retoma a ideia bíblica do V Império futuro. Quando se pensa no futuro pensa-se em algo melhor, superior, de plenitude e paz eterna, daí o arquétipo do Centro ou Paraíso. Porém, este arquétipo também remete à origem. Dessa forma, pensar no futuro é rever o passado como um “círculo perfeito”. Se na origem havia um jardim, ansiamos o retorno até lá. Se o jardim foi perdido, o anseio é reencontrá-lo…
Conclui-se, portanto, que Mensagem apresenta um valor universal, pois o seu sentido judeu-messiânico da existência dedicada e sofrida como missão espiritual transporta figuras arquetípicas (como: o Messias Salvador, o Mar, o herói, a Ilha, o Templo, o Criador) que acabam por transcender as suas determinações temporais e históricas valendo para todas as nações e épocas. Assim sendo, “o Encoberto” de Mensagem não tem tempo nem espaço precisos nem referência ao próprio messianismo em sua dimensão metafísico-existencial de âmbito universal – é a sensação de vazio que se segue à esperança em um futuro. Por isso o eu poético declara ser “a hora” (no presente de cada leitura) de preencher o vazio, a ociosidade, etc., nem que seja pela “loucura sebástica” ou pela criação artística. Pessoa, como um “iniciado”, viajou por “outros mares” e trouxe vários mitos arquetípicos para Mensagem os quais influenciam e caracterizam nações e épocas inteiras. Pessoa, como ser histórico e “recriador de mitos”, usa estruturas arquetípicas a fim de repensar o mundo, repensar a si mesmo, o passado, o presente e o futuro de Portugal.
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