A presente edição, nominada de Contribuições metodológicas, da mística e da espiritualidade para a afirmação do campo de pesquisa entre teologia e literatura, está organizada em três blocos. No primeiro, os textos refletem a questão metodológica com contribuições para a consolidação do campo de pesquisa entre a Teologia e a Literatura. Já o segundo bloco relaciona a mística e a espiritualidade, por meio das diversas metáforas relacionadas com os dilemas existenciais e transcendentais. Por fim, o terceiro bloco refere-se ao diálogo entre dois assuntos distintos, o teoliterário e o sócio-político.
No primeiro bloco, contribuições metodológicas, o artigo Considerações sobre a utilização da ficção literária como fonte de estudo do fenômeno religioso: entre história e ficção de Antonio Geraldo Cantarela, reflete sobre a utilização da ficção literária como fonte de estudo do fenômeno religioso. O texto se baseia na historiografia literária brasileira para chegar às conclusões defendidas, como a distinção entre vivências e instituições históricas singulares e suas representações ficcionais pela literatura, bem como a exigência de se compreender o dado religioso, expresso pelo texto literário, e evitar o risco de tratar o texto ficcional de modo historicista. Conforme o autor, em “[...] muitas produções acadêmicas relativas às interfaces entre literatura e estudos de religião, faltam os aportes teóricos, [...]. Faltam as justificativas para a escolha de determinado método de leitura. Falta a referência a pesquisadores que já trataram do assunto, a chamada ‘revisão de literatura’. (CANTARELA, 2024, p. 13).”
O texto, Bíblia e literatura: diálogos/encontros na construção e consolidação de um campo de pesquisa de César Martins de Souza e Weverton Castro, se debruça sobre o desafio de trabalhar os textos bíblicos dentro da perspectiva literária. Os autores refletem sobre o espaço autônomo da análise literária, destacando os dramas e os desafios humanos presentes na narrativa ficcional, com o intento de aplicá-los às realidades políticas e econômicas de diferentes contextos históricos e culturais.
A abordagem interdisciplinar entre Bíblia e Literatura é o tema aprofundado por Carlos Patricio Olivares Rodriguez e Fabrício Ferreira Mello. Sua reflexão parte do Evangelho de Marcos 5,1-20. Nela, os autores destacam a importância da ferramenta exegética, criticando um tipo de leitura limitante da literatura, aquela que reduz o texto a um compêndio teológico. O texto de Juan Carlos Ramos Hendez apresenta La Genealogía de los dioses paganos de Giovanni Boccaccio. Nele, o autor raciocina sobre a questão da alegoria como problema teológico e literário, percorrendo um itinerário histórico, desde as origens do cristianismo, passando pelo medievo até a contemporaneidade.
O segundo bloco foca nos temas da espiritualidade e da mística. Os autores, Cristiano Santos Araújo e José Reinaldo, no texto Leodegária Brazília de Jesus, trabalham os elementos da mística em sua poesia, como a experiência da dor e do silêncio. Além do ineditismo da abordagem, os autores apontam para uma dimensão preciosa da obra ao afirmar que a temporalidade não é capaz de amenizar as intempéries da vida, como a dor, o sofrimento e a solidão.
No texto, O diálogo do ser humano com a natureza em Buber e Papa Francisco: Conexões & linguagem, os autores Marcial Maçaneiro e Maycon Renan da Silva Santos Boni fazem uma belíssima aproximação do pensamento de Martin Buber e do Papa Francisco, apontando sete categorias de aproximações, em especial a dimensão da linguagem, da fraternidade e da beleza. Na sequência, o texto Das armaduras às transfigurações: o desafio humano de ser mais, de Antonio Lisboa, Iran Gomes Brito e Alfredo Viana Avelar, apresenta a metáfora das armaduras presentes no conto de Robert Fischer como uma jornada humana em busca de espiritualidade autêntica, visando transcender os obstáculos da vida e as falsas expectativas, em busca de realização plena da condição humana. Dentro deste bloco de mística e espiritualidade, José Antonio Boareto propõe a construção de uma espiritualidade sensível-libertadora, tendo como ponto de apoio o pensamento de José Tolentino Mendonça e Gustavo Gutiérrez, por meio da ética da responsabilidade, do cuidado com a vida e do fortalecimento das relações com o outro (alteridade).
O terceiro eixo deste número traz textos de temática variada. Letícia Pereira de Andrade Maia, no texto Mensagem, de Fernando Pessoa, reflete sobre as convergências mitológicas bíblicas e lusitanas. Sua análise baseia-se na influência dos mitos hebraicos e bíblicos nos mitos lusitanos. O texto seguinte, o artigo de Vinicius Santana, O rosto como local de transcendência do eu: interações entre teologia e literatura, resgata os conceitos teológico-filosóficos do rosto e da identidade, sendo o rosto como local de transcendência do eu.
O autor, Diego Carmo de Souza, retoma duas obras de Dostoiévski, a saber Crime e Castigo e Diário de um escritor, destacando a interpretação peculiar do cristianismo russo, que afirma que o povo russo carregaria a essência do cristianismo dentro de si. Além disso, este artigo trabalha as questões críticas da abordagem, como o caráter antissemita e antidogmático, bem como a abordagem da autossuficiência humana presente em vários personagens do romancista russo.
Boa leitura a todos!
Antonio Genivaldo Cordeiro de Oliveira
Glaucio Alberto Faria de Souza