Diana Diniz de Carvalho
Mestrado em Teologia pela Faculdade EST. Contato: diana_diniz@yahoo.com.br
Resumo: O mito sumeriano de Lilith continua emergindo como símbolo de representatividade da mulher contemporânea, da independência e identidade feminina ao longo dos anos, e associada a essa personagem, encontramos Funesta da obra A Rainha do Ignoto da escritora cearense Emília Freitas e que foi escrita no final do século XIX. Numa obra de literatura fantástica, cheia de mistérios, a obra cearense cria uma personagem que mistura supremacia feminina, independência e força contra o patriarcalismo da época para expor sua indignação. Anteriormente tratadas como subversivas e alinhadas ao mal, as personagens Lilith e Funesta, conseguem se fundir em suas construções de lutas por seus direitos, contra a passividade, à submissão e obediência cega. Mais do que apenas um estudo sobre feminismo e teologia feminista, esse artigo coloca em repúdio a opressão sexista e desafia os pensamentos machistas arcaicos para a construção de respeito para toda uma sociedade.
Palavras-chave: Lilith; Funesta; Feminismo; Teologia feminista
Abstract: The Sumerian myth of Lilith continues to emerge as a symbol of contemporary women's representation, independence, and female identity over the years. Associated with this figure, we find Funesta from the novel A Rainha do Ignoto (The Queen of the Unknown) by the Cearense writer Emília Freitas, written in the late 19th century. In this work of fantastic literature, filled with mystery, the Cearense novel creates a character who embodies female supremacy, independence, and strength in defiance of the patriarchy of the time, serving as a vehicle for the author's indignation. Previously regarded as subversive and aligned with evil, both Lilith and Funesta merge in their struggles for rights, resisting passivity, submission, and blind obedience. More than just a study on feminism and feminist theology, this article denounces sexist oppression and challenges archaic misogynistic beliefs, advocating for the construction of a more respectful and equitable society.
Keywords: Lilith; Funesta; Feminism; Feminist theology
A primeira vez que li a obra de A Rainha do Ignoto, foi na minha adolescência, quando no ensino médio minha então professora de literatura nos apresentou o livro e fizemos um estudo sobre ele. Eu fiquei fascinada. No momento em que o li não conseguia acreditar que uma escritora oitocentista teria um imaginário tão moderno e porque não dizer futurista, utilizando ideias feministas associadas a um mundo paralelo com tecnologia avançada.
Mais tarde, ainda muito jovem, vim a conhecer o mito fascinante de Lilith, a primeira esposa de Adão. A priori seu quadro era pintado como uma bruxa perversa, um demônio que pegava criancinhas, porém aquilo não me parecia certo. Como Deus na mitologia, criara o homem e a mulher e esta, somente esta, seria uma criatura vil? Foi desde então, após conhecer um pouco da sua história, que consegui enxergá-la como um símbolo do feminismo, uma bandeira de luta pela igualdade de gênero. Foi nesse momento também, que compreendi pela primeira vez, que há uma vasta gama de aspectos a serem explorados acerca dessa enigmática figura. Ademais, do ponto de vista acadêmico, Lilith tem sido um objeto de estudo significativamente menos investigado em comparação com outras temáticas associadas. Por isso, senti um forte interesse em aprofundar-me no assunto, com ênfase em uma análise comparativa das teorias existentes, especialmente no que diz respeito às suas possíveis conexões com as concepções contemporâneas sobre as mulheres, e, nada mais justo do que interligar a figura da Funesta, a personagem feminista do cenário nordestino.
O diálogo entre as duas personagens se faz pelos pontos comuns do feminismo em que as duas exercem em suas histórias. Elas são muitas vezes consideradas exemplos de mulheres não submissas e responsáveis por desejar o melhor para si e para os outros. Comparei Funesta à Mulher Maravilha, que se chama Diana na mitologia e não coincidentemente (porque não está explícito no livro), a autora de A Rainha do Ignoto, também designa sua personagem de Diana, que é seu nome de batismo na obra, possivelmente comparando-a à deusa da caça romana.
A abordagem desse artigo não seria de comparar as duas personagens, mas, dialogar sobre o papel que exercem numa visão feminista teológica, e que tem sido ao longo dos anos, inspiradoras na busca de seu lugar enquanto mulher.
Para esse estudo, buscaremos dialogar com a própria Emília Freitas em seu livro A Rainha do Ignoto, organizando cenas e momentos em que ela protagonizou elementos feministas e, para o estudo sobre Lilith, será aqui embasado por antigos textos talmúdicos, também o Zohar e Ben Sira, além de autores mais atuais como Roberto Sicuteri e a teóloga feminista Judith Plaskow. Por fim, este artigo pretende oferecer contribuições significativas no combate à misoginia e em apoio à luta das mulheres pela igualdade de gênero, utilizando as figuras de Lilith e Funesta como reflexos dessa causa. Essa luta insere-se em um processo histórico amplo, cujos contextos podem influenciar as transformações daqueles que buscam romper com a estrutura histórica de subordinação e violência contra as mulheres.
A história desta mulher, embora baseada em textos antigos, como a Bíblia e as histórias mitológicas da Babilônia, inspirou novas narrativas com protagonistas femininas poderosas, retratadas como perigosas e astutas. Muitas vezes más e narcisistas, essas personagens femininas possuem uma confiança interior e autoconfiança que as tornam temidas, contudo também estimadas. Examinar as referências históricas ou mitológicas dessa personagem auxilia a organizar holisticamente muitas características inspiradoras, e também serve de debate para o público moderno quanto à percepção da altivez da mulher.
O mito quase ignoto de Lilith é de origem suméria/hebraica, e quase não exerce influência na cultura cristã da atualidade. Na mitologia mesopotâmica e judaica, a primeira mulher é conhecida por ter sido expulsa do paraíso por se recusar a submeter-se a Adão, seu companheiro. Para os judeus, ela é associada a um demônio noturno que faz mal às crianças, e, para a cultura mesopotâmica, sua imagem no mito também é negativa, sendo vista como uma entidade que traz sofrimento a mulheres grávidas e recém-nascidos. Raphael Patai (1974, p. 13) traz uma definição para os mitos e diz que “são histórias dramáticas que constituem um instrumento sagrado, quer autorizado a continuação de instituições, costumes, ritos e crenças antiga na área em que são comuns, quer aprovando alterações”.
Lilith é enxergada para muitos como a essência do mal, e o mesmo autor ainda discute sobre como as pessoas são influenciadas pelos mitos sobre suas próprias crenças, “pois para que o mito exerça alguma influência sobre as pessoas, estas precisam acreditar na verdade que o mito afirma” (PATAI,1974, p.14). A sociedade é cercada por mitos desde a antiguidade, tentando explicar fenômenos que fogem explicações como sonhos, ritos, fenômenos naturais atribuindo conceitos, um compêndio de histórias críveis de manifestações culturais, religiosas, físicos e mitológicos que compilam o psíquico cotidiano das pessoas e seus arquétipos[1]. Sobre isso, Carl Jung citado por Patai diz que,
Os arquétipos aparecem em mitos e lendas, assim como em sonhos e nos estudos da fantasia psicótica. [...]. No caso do indivíduo, os arquétipos aparecem como manifestações involuntárias de processos inconscientes, cuja existência e significado só podem ser revelados indiretamente; ao passo que nos mitos se apresentam formulações de antiguidade quase sempre inestimável. Remontam a um mundo pré-histórico primitivo com pressuposições mentais e condições como as que ainda podemos observar entre os povos primitivos de hoje. Nesse nível, em regra geral, os mitos são conhecimentos tribais transmitidos, através de reiteradas narrações, de uma geração a outra. (PATAI, 1974, p.30).
A mitologia é uma simbologia imagética criada pelas pessoas desde os primórdios ligada a origem das coisas e sua divinização. E Campbell (2002, p. 17) argumenta que “o todo de uma mitologia é uma organização de imagens e narrativas simbólicas, metáforas das possibilidades da experiência humana e a realização de uma dada cultura num determinado tempo”.
Carl Jung (2000, p. 156) reforça que as relações entre o homem e o desconhecido estão interligadas com simbologias de aspectos inconscientes coletivos, como o símbolo arquétipo materno sugeridos por ele na mesma página como “a mãe, a madrasta, a avó, a deusa, especialmente a mãe de Deus, o mundo subterrâneo, a Lua, etc”.
A natureza do mito e suas simbologias descansam adormecidas no inconsciente do ser humano, daquilo que se é, e daquilo que se vê e experimenta. Essas construções acerca do mito delegam fortes atributos nas vidas das pessoas a partir de suas experiências individuais e coletivas (impessoais), que são transmitidos por construção de saberes hereditários e culturais ao longo de sua vida. Dessa forma, “seu simbolismo, principalmente na literatura, é uma das marcas de expressão do imaginário humano. Marcado pela polissemia, ele acompanha a nossa existência. Por meio dele fantasiamos, encontramos maneiras diferentes de dizer as coisas”. (BATISTA, 2006, p. 30).
A experiência daquilo que se desconhece transformado em símbolo, pré-existente em valores absolutos dando significado a existência humana. Com o recontar contínuo de uma ideia ou história perdurado em fluxo universal, caracteriza-se por verdade ou meia verdade. O primeiro arquétipo relevante a se examinar do mito de Lilith é aquele conhecido como a Grande Mãe. Na antiguidade o matriarcado era forte e presente, vista como mãe, virgem, meretriz e bruxa, também apoiada em vulnerabilidade ou numa posição egóica de coragem agressiva.
A Grande Deusa representa ser e tornar-se. O Feminino não se interessa pelo obter, pelo pensar. Não é heroico nem rebelde; não tem inclinação para lutar contra oposições. Em vez disso, existe no aqui e no agora e no fluxo infinito. Valoriza a dimensão vegetal do crescimento-decadência, a continuidade e a conservação das ordens naturais. Expressa a vontade da natureza e das forças instintivas, e não a atitude voluntariosa de uma pessoa em particular. (WHITMONT, 1991, p. 61)
O mito enquanto feminino está relacionado na literatura muitas vezes por pessoas desobedientes e que devem ser subjugadas, calando suas ações de resistência, orgulho, autenticidade e dignidade. Muitos dos mitos femininos são retratados como pessoas subversivas, resistentes às regras, e que causam mal-estar na cultura patriarcal. Essa chamada “subversão” geralmente provoca medo e é associado a “demonização” da criatura.
Facilmente associada ao mal desde a antiguidade, as imagens femininas mitológicas maléficas foram materializadas no pensamento e até temidas, como as deusas pagãs Inana, Ishtar e Astaroth[2]. E o símbolo mitológico da subversão feminina judaica foi associada à Lilith. Possivelmente sua história foi perdida e apagada desde a antiguidade temendo a reflexão das mulheres e a teologia feminista além de outros estudos, vem resgatar um pouco das histórias de grandes mulheres esquecidas e silenciadas. Ela também vem valorizar todas as mulheres independente de sua cor, situação social, etnia ou religião.
E Judith Plaskow expressa-se sobre essa temática:
A teologia feminista mais profundamente investiga as experiências de todos os tipos de mulheres - mulheres negras e mulheres brancas, mulheres de classe média e trabalhadoras de classe, mulheres judias e mulheres cristãs, mais plenamente será iluminar elementos de nossa experiência humana comum que permaneceram desconhecidos. (PLASKOW, 2005, p. 54).
São pouquíssimas as fontes dessa personagem mitológica. A história de Lilith começa bem no início do mundo e pode ser encontrada em textos distintos de fontes judaicas, referências bíblicas[3] e histórias orientais. Raphael Patai foi um notável antropólogo e estudioso da mitologia judaica e do Oriente Médio, e observa que a primeira menção sobre Lilith está nas Epopeias de Gilgamesh[4], embora ela também apareça mais tarde em textos judaicos, como o Zohar e o Talmud. O quadro abaixo organizará as menções mais importantes de textos antigos sobre a personagem mitológica Lilith.
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Documento |
Datação |
Língua original |
Autor original |
Menção
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Bíblia |
Aprox. 400 d.C. |
Hebraica |
Isaías |
Isaías 34:14[5] |
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Alfabeto de Ben Sira[6] |
Aprox. entre 700 e 1.000 d.C. |
Aramaica / Hebraica |
Anônimo |
Vol.1 pag.[7] |
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O Livro do Esplendor[8] |
Aprox. Sec. II e encontrado no final do sec. XIII d.C. |
Hebraica |
Zohar |
Vol. 1 pag. 19b |
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De Adamo primo homine, disp.[9] |
1678 |
Latim/Hebraica |
Schieferdecker, Johann |
Pag. 8-12 (não paginadas)[10] |
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Crônicas de Jerahmeel[11] |
Sec. XII d.C. |
Hebraica |
Anônimo/ “Jerahmeel” |
Pag.48,49[12] vers. em inglês |
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Gênesis Rabbah |
Entre 300 e 500 d.C. |
Hebraico/ aramaico |
Vários autores |
Pag. 142, 187[13] |
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Talmud |
Babilônico[14] Aprox. 200 dC. |
Hebraico/ aramaico |
Vários autores |
Vol.1- p.186, 187[15] |
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Talmud |
Jerusalém[16] Aprox.600 dC. |
Hebraico/ aramaico |
Vários autores |
Vol. 1 p.28[17] Vol.12- p.18[18] |
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Otzar Midrashim[19] |
1915 |
Hebraica |
Eisenstein |
Pag. 47 |
Tabela produzida pela autora.
Segundo os textos talmúdicos, ela foi a primeira mulher de Adão, porém o casal não conseguia ter boa convivência e quando Adão desejou deitar-se com ela, Lilith objetou: “Por que eu deveria me deitar embaixo de você”, ela perguntou, “quando sou igual a você, já que nós dois fomos criados do pó?” (PATAI, 1990, p. 210). O livro de Lilith, de Barbara Koltov consegue detalhar mais precisamente os acontecimentos a seguir extraindo uma passagem do Midrash escrito por Eisenstein em 1915. Segundo ela, após Lilith desafiar seu marido, ela foge em direção ao Mar Vermelho, tornando-se uma serpente demônio, símbolo da transgressão e do pecado. Os anjos vão à sua procura a ordenando que volte, e ao negar novamente ela é deixada lá para acasalar com os demônios gerando cem demônios por dia, aos quais eram chamados de Lilins. (KOLTOV, 1986, p. 38).
Enquanto no mito de Eva, “a mulher Eva”, era submissa, sensível e boa mãe, no mito de Lilith, “a mulher Lilith” era forte, sedutora e feminista. É possível que todo o contexto envolvendo uma mulher assim (não submissa), tenha feito com que os escritores da época preferissem tirar das escrituras, visto que o mundo era machista e patriarcal o suficiente para não trazer uma figura como esta, evidente para ser seguida ou espelhada.
Eisenstein relata a não submissão dela no Midrash:
Ben Sira contou a história de Lilith para Nabucodonosor. Contou que Deus criou uma mulher para Adão não ficar sozinho (Gen. 2:18). O casal discordava sempre e Lilith não aceitava dormir por baixo de Adão, então ela, reclamando, disse que eles tinham sido feitos da mesma terra ou pó. Adão ficou em oração diante de seu carma e disse: “Rabsha'a, a mulher que você me deu fugiu de mim”, imediatamente o Todo-Poderoso enviou esses três anjos para buscá-la. E se ele não a aceitasse de volta, todos os dias morreriam cem de seus filhos. Lilith recusou-se a ficar com Adão e fugiu para o Mar Vermelho (“nas águas violentas em que os egípcios se afogariam”).[20] (EISENSTEIN, 1915, p. 47).
Embora os conflitos de dualidades paradoxais entre pureza e maldade, modéstia e sexualidade, e bem e mal, as duas mulheres ainda servem como contraponto uma à outra, em culpabilidades. A principal diferença entre os duas ocorre em sua compreensão da liberdade. Lilith continua a persistir e sobreviver nesta recontagem moderna como uma mulher liberta (por sua própria vontade), assim como apontada como culpada por sua insubordinação, enquanto Eva permanece constrangida por sua própria subserviência e aceita submissão à Adão. Mas essa sujeição não deixou com que ela (Eva), no mito, comesse da fruta e oferecesse a Adão. “Acaso comeste do fruto da árvore que eu tinha ordenado que não comesses?", e Adão disse: "A mulher que me deste por companheira deu-me do fruto da árvore e comi." (Gênesis 3:11-13). É exposto aqui, a vertente de que Eva era a culpada e o pobre esposo fora influenciado por ela.
Eva era submissa, porém fora lograda pela serpente. Quão desolada a criatura deve ter ficado ao ser acusada pelo companheiro e não ter tido seu apoio? Certamente se fosse Lilith, a história tomaria outro rumo. A teóloga Judite Plaskow nos convida a interagir sobre o conceito de liberdade em que a imagem de Lilith recai sobre Eva no momento em que a vê, causando um profundo questionamento:
A segunda vez que Lilith veio, ela invadiu o portão principal do jardim e uma grande batalha entre ela e Adão começou, onde ela finalmente foi derrotada. Dessa vez, entretanto, antes de Lilith ir embora, Eva teve um lampejo de seu rosto e viu que ela era uma mulher como ela. Depois desse encontro, sementes de curiosidade e dúvida começaram a crescer na mente de Eva. Será que Lilith era mesmo outra mulher? Adão disse que ela era um demônio. Outra mulher! Essa ideia atraiu Eva. Ela nunca tinha visto uma criatura como ela mesma antes. E quão bonita e forte Lilith parecia ser! Quão bravamente ela tinha lutado! Lentamente, bem devagar, Eva começou a pensar sobre os limites de sua própria vida dentro do jardim. (PLASKOW, 2005, p. 31-32).
A autora retrata uma narrativa fictícia em que, ao confrontar-se com uma figura assustadora, Eva não apenas se questiona, como a vê como imagem de identificação e isso a inquieta, pois agora aquela figura não a assusta, mas a influência. Ao longo dos séculos do desenvolvimento da história de Lilith, os intérpretes[21] tentaram ilustrá-la sob uma luz negativa, ampliando sua natureza demoníaca e desafio a Deus. A partir da década de 1970[22], a figura de Lilith experimentou um renascimento na fama, houve uma crescente manifestação literária da luta das mulheres pela igualdade, assim como Judith Paslkow que promoveu estudos de textos sagrados junto a mulheres judias (SARTO, 2023, p. 80). Motivadas por sua história e contra situações misóginas, as feministas declararam Lilith, como um ícone literário de rebelião contra a supremacia masculina e, a teologia feminista recuperou Lilith, entre outras figuras da Bíblia, em louvor aos seus atos de autonomia feminina.
O mito de Lilith serviu por muitos anos como um lembrete às mulheres de vários estigmas. Segundo Campbell (1990, p. 43, 44), os mitos possuem basicamente quatro funções: A primeira é a mística, dos mistérios do Universo; a segunda é a dimensão cosmológica, com ciência e mistério ao fundo; a terceira função é a sociológica e a quarta, a pedagógica, em que os mitos nos dão verdadeiras lições. Alinhavada às funções do autor supracitado, o mito da primeira esposa de Adão estabelece o prejuízo causado por essa narrativa relacionado a objetificação sexual, violência em seus mais diversos âmbitos (sexual, psicológico e de gênero), denegrismo da imagem da mulher que luta, ódio gratuito, discriminação laboral, de gênero, feminicídio entre outros, e nos sugere ao longo dos anos grilhões acorrentados nos braços e pernas de todas as mulheres e porque não adicionar, mordaças, para que todas não conseguissem se desvencilhar.
Entretanto, muitas das personagens mitológicas ou bíblicas que trouxeram grandes males a humanidade folcloricamente ou não, foram largamente expostas pelo patriarcalismo. Alguns exemplos são: Lilith, a primeira mulher que foi amaldiçoada e transformada em demônio[23]; Eva, que influenciou Adão a comer a fruta proibida; Pandora, que abriu a caixa que continha todos os males; Jahi deusa persa, personificação demoníaca da luxúria; Medeia, enganada por um falso amor matou familiares; Medusa, que por não aceitá-lo, sofreu abuso sexual de Poseidon e fora transformada em um monstro maligno; e na Bíblia mais mulheres, como Dalila, Jezabel, a mulher de Potifar (Zuleica)[24], Atalia... E a lista só aumenta.
Emília Freitas foi uma romancista nascida na cidade do Aracati, no interior do Ceará no ano de 1855. Filha de uma família abastada, foi com a família para Fortaleza para estudar na escola Normal. Além de seu tempo, aos dezoito anos já participava da vida cultural da cidade, publicando para quatro jornais da cidade. Anos mais tarde, ainda em Fortaleza, participou com outras mulheres da "Sociedade das Cearenses Libertadoras", de caráter abolicionista. Discursou na tribuna em meio à intelectuais da época rompendo com os padrões de comportamento da época. Após o falecimento de sua mãe, se muda para Manaus e anos depois escreve seu principal livro, A Rainha do Ignoto, publicado em 1899, no limiar do fim do século, com o subtítulo “romance psicológico”. Constância Lima Duarte faz um pequeno apanhado da obra nesta citação:
Trata-se de uma trama novelesca absolutamente inusitada, reunindo lendas, mitos, histórias regionais, conhecimentos sobre a hipnose, o espiritismo e a parapsicologia, que deve ser considerada uma das primeiras do gênero fantástico no Brasil. (DUARTE, 2003, p. 14)
Ignota por décadas à fio, a obra de Emília Freitas só teve uma segunda edição em 1980[25], trazendo um estilo narrativo identitário pouco difundido na época, e, apesar do fúnebre e do gótico estar em alta na época com as obras de Edgar Allan Poe, a autora rompe com o romantismo clássico da época trazendo algo inusitado. Ela é a primeira mulher cearense a escrever uma literatura fantástica com uma identidade estratégica feminista. Irreverente, a obra traz a partir da perspectiva dos outros personagens a obstrução de suas vozes e a exclusão social em busca de uma homogeneidade da sociedade, que era possivelmente percebida por ela na época como utópica, mas não impossível e talvez, sonhada.
De modelo ficcional fantástica, pouco usada na época, a obra traz elementos imaginários do seu próprio cientificismo, um campo mágico e surreal, envoltas na figura da personagem principal Diana/Funesta/Rainha do Ignoto/fada de Areré que são a mesma pessoa na trama. A heroína deste romance é uma líder de uma sociedade secreta completamente feminina (ou maçonaria de mulheres, como chamava o personagem Probo, p.129 da obra de Emília Freitas), na Ilha do Nevoeiro. A personagem principal possuía vários nomes, também apresentava diferenças na personalidade, porém estas personalidades não estão exatamente atreladas a como a personagem era denominada a cada vez que aparecia na obra. Funesta era vezes gentil e doce como um anjo, vezes mulher demônio, vil e avassaladora.
Para caracterizar os dois personagens principais, é dito que, a Rainha do Ignoto é uma líder de um grupo de mulheres que vivem na Ilha do Nevoeiro e que lutam em defesa das mulheres, dos pobres e das crianças. Já o dr. Edmundo é um advogado “playboy”[26], recém-chegado da capital, que logo em sua primeira noite na cidade, encontra uma mulher de branco, num bote, sob a luz do luar, tocando uma harpa ao peito e cantando uma canção francesa embevecida com uma voz e um olhar melancólico[27]. Freitas descreve Edmundo ao vê-la pela primeira vez: “O Dr. Edmundo era que não saía do pasmo em que tinha deixado aquela estranha aparição! Julgava-se alucinado! Duvidava do testemunho de seus próprios olhos”. (FREITAS, 2003, p. 21) Ele fora, portanto, seduzido pelo mistério daquela visão.
Obcecado por aquele mistério, ele resolve seguir pistas e ouvir histórias sobre a mulher enigmática. Entra furtivamente no Reino do Ignoto, e descobre o refúgio de libertação e de ajuda aos necessitados. O herói (é assim que é descrito algumas vezes no romance), fica cada vez mais curioso e absorto ao perceber quão rico e cheio de tecnologias é aquele lugar.
Os personagens secundários divergem sobre a personalidade da Rainha do Ignoto. “Ela tem pacto com Satanás! Dizem que, onde aparece, é desgraça certa. Chamam-na A Funesta.” (FREITAS, 3002, p. 19). Admirada por muitos, e temida por outros, a Rainha do Ignoto é um misto de ego narcísico, emblemática abolicionista, republicana, justiceira, vingativa e mais do que isso e que Freitas a descreve em várias situações, uma mulher inteligente. O trecho a seguir demonstra um pouco da desenvoltura da personagem principal:
O que mais admira, senhor Edmundo, é ela entender de todas as indústrias, de todas as artes, de todas as ciências e letras, e até ser uma utopia de governo! Só vendo se pode fazer uma ideia.... É incansável! Todos os momentos de sua vida são aproveitados numa atividade célere! Tanto sabe ostentar o luxo asiático, como encobrir-se na miséria londrina da cidade pobre. O senhor terá ocasião de vê-la no trono cercada de um esplendor e de um fausto igual ao que havia em um dia de Luís XIV em Versailles! Mas logo terá de vê-la no meio de suas paladinas, vestida de camponesa, dormindo ao relento sobre um carro de feno! (FREITAS, 2003, p. 134).
A divergência de opiniões sobre a figura Funesta na trama, pode ser compreendida a partir das relações de poder estruturadas hierarquicamente na sociedade, nas quais o patriarcado confere ao homem a prerrogativa de subjugação da mulher. A não compreensão de uma figura andrógena assusta e equivoca toda uma sociedade. A autora continua demonstrando como os personagens não conseguiam compreendê-la: “E Diana é um verdadeiro enigma, assim como sua mãe e uma rapariga muda que as serve” (FREITAS, 2019, p. 63). Essa diferenciação de gênero se manifesta na produção material e cultural da sociedade, refletindo-se nas representações femininas da época. A personagem então, transgride os padrões normativos impostos às mulheres da época, ainda que sua postura possa ser atenuada ou revestida de ironia.
As críticas que a personagem Funesta recebe de outras mulheres decorrem da exclusão social e cultural feminina, evidenciando um contexto em que as mulheres são reduzidas a funções ornamentais e impedidas de estabelecer amizades genuínas. Além disso, a estrutura matrimonial é regida por interesses econômicos, o amor é tratado como mercadoria e valores humanísticos são frequentemente descartados em prol da superficialidade e das aparências.
O livro é mais que uma narrativa vazia, Freitas busca quase que uma autolibertação transcrevendo seus medos, dores, alegrias e sonhos, idealizando possíveis mudanças sociais. O eixo central da obra, além de transpor um raio X de uma sociedade machista cearense “como a falta de dote, a loucura por perda de filho, a decepção amorosa e o desdém falseado dos pretendentes, o subtítulo da obra, “um romance psicológico”, trata, principalmente, do interior dessa personagem” (CASTRO, 2023, p. 94). O conceito de gênero, enquanto categoria analítica histórica e sociológica, estrutura-se por meio de símbolos culturais que regulam representações e normas sexuais. Já o patriarcado, enquanto construção social e institucionalizada, não é estático, mas se transforma de acordo com as dinâmicas e conflitos da sociedade (LERNER, 1990, p. 296).
A obra de Freitas é a afirmação de que “uma crítica radical da literatura, feminista em seu impulso, trataria antes de mais nada, do trabalho como um indício de como vivemos, como temos vivido, como fomos levados a nos imaginar, como nossa linguagem nos tem aprisionado, bem como liberado” (SHOWALTER, 1994, p. 26). Elaine Showalter nos convida a considerar que Freitas, em seu livro feminista além do seu tempo, se destaca pela coragem de contestar valores tradicionais, e essa perspectiva se reflete na utopia delineada em sua narrativa, que enfatiza a solidariedade entre mulheres, a garra feminina e a valorização da vida, e sua personagem principal, talvez fosse a personificação daquilo que sonhava ser.
A autora descreve Diana como uma mulher rica e de boa família, porém não aceitava a situação dos miseráveis da cidade. De caráter justiceiro, a personagem defende a liberdade e igualdade para todas as pessoas e tem um desejo de transpor as leis ou quem quer que seja, para lutar contra as injustiças sociais, raciais e de gênero.
A criticidade empregada nas ações da personagem Funesta ao longo do romance, não espelhava a representação das mulheres da época, mas possivelmente a da autora, Emília Freitas, que não se submetia a calar-se. Como se quisesse gritar ou retratar sua inquietação, a autora lutava pela sua inércia da vida real, como a tantos outros grupos da opressão, de mulheres subservientes daquela época e da inverossímil educação patriarcal do século XIX, por valores abolicionistas (e a tragédia da escravidão também é retratada na obra), por trabalhadores condenados por uma sociedade proletária injusta, pobres e enjeitados.
A autora é considerada uma das pioneiras da narrativa fantástica brasileira e da narrativa de realismo mágico[28], trazendo elementos fantasiosos do seu imaginário. Esses elementos insólitos desassociados à escrita da época causaram estranheza e permitindo relacionar a sua própria narrativa a questão do medievalismo, da literatura gótica, sendo também considerada uma das autoras pioneiras na ficção científica de narrativas da literatura brasileira. Sobre a literatura gótica Ana Luíza Camarani traz a relação com o realismo mágico.
Essa oscilação pode ser explicada pelos traços comuns existentes entre o romance gótico, a narrativa fantástica e o realismo mágico, uma vez que essas três modalidades exigem, em sua construção, duas configurações discursivas diversas: a realista e a não realista, na qual o sobrenatural ou insólito se manifesta. Contribui para dificultar essas distinções a questão do desenvolvimento do fantástico a partir do século XX, indicado como fantástico atual, contemporâneo ou neofantástico. (CAMARANI, 2014, p. 08).
Emília Freitas combina elementos do regional brasileiro à elementos do imaginário medieval europeu, com castelos e labirintos, associados à cultura nordestina, amplamente utilizado na organização estrutural de literaturas góticas e medievalistas. Divagando sobre a estrutura associativa arquitetônica, totalmente distante de sua realidade cearense, a autora traz o cenário bem destacado e caracterizado pelo cotidiano da vida das pessoas e das construções familiares do vilarejo.
Sobre as construções familiares, a obra traz um dos mais importantes temas centrais, a crítica ao patriarcado, o que revela que ela tinha consciência situacional em que foi criada desde sua infância no final do século XIX, até a época que escreveu. Gerda Lerner (1990, p. 340) sobre o fim do patriarcalismo, substancia dizendo que, “além disso, pode-se argumentar que no século XIX a dominação masculina dentro da família simplesmente assumiu uma nova forma e sem ter conhecido seu fim”.
Dentre os aspectos comuns na obra, chama a atenção para o surgimento de uma consciência feminina contra a opressão, aos homens geralmente vilões e desleais, em oposição à sinceridade e fidelidade femininas.
Para salvar, curar e proteger, Funesta e suas paladinas (mulheres das artes e das ciências) se utilizam de hipnotismo, magias, e espiritismo kardecista. A obra retrata uma Rainha do Ignoto que não está aberta ao amor; sua mente, coração e espírito, estão apenas ligados ao bem-estar dos pobres e oprimidos. No final da obra, ela, ao absorver-se de sua própria negação à um mundo vil, depois de transgredir contra toda uma sociedade injusta, se vê impotente. Funesta se vê encurralada pela afronta da sociedade patriarcal, numa luta incessante, contra uma cultura escravagista e católica, e, depois de anos de luta contra o mal, ela se submete finalmente ao suicídio, como forma de libertação da alma e libertação de seu espírito cansado de guerra, de limitações de uma esfera política e de um fracasso enquanto feminista. Sentindo-se impotente, a luta pela liberdade libertária se retrai.
Sobre a liberdade feminina Gerda Lerner comenta que,
Para as mulheres, da mesma forma que para homens de grupos oprimidos e subordinados, a história consistiu de sua luta por emancipação e liberdade devido à necessidade. Porém, as mulheres lutaram contra formas de opressão e dominação diferentes das dos homens, e a luta delas, até hoje, encontra-se mais atrasada em relação à dos homens. (LERNER, 1990, p. 312).
Apesar dessa luta estar em desvantagem ainda hoje, mulheres continuam pela busca de seu próprio lugar mas, muitas são caladas, como acontecia ontem e ainda acontece. Influenciada pela sequência de fluxo da vida, a mulher quando nascia era ensinada a sentir-se frágil, aceitando o que lhe era imposto e aceitando a posição de submissa ao homem. Cabia à mulher seguir essas regras, de acordo com que a sociedade impunha, e Freitas, faz duras críticas à educação que mulheres eram impostas na obra A Rainha do Ignoto, como demonstrado a seguir:
Então, Henriqueta, julga você que a boa educação consiste somente em saber botar um espartilho, atacar um cinto, fazer um bonito penteado, cobrir as faces de pós-de-arroz, os lábios de carmim, calçar umas luvas, conhecer os artigos da moda, tocar um pouco de piano e dançar quadrilhas e valsas? Há outros conhecimentos muito mais necessários. (FREITAS, 2003, p.56).
A representatividade do arquétipo feminino representado nessa obra é de uma figura estereotipada com vigor e tenacidade feminina (a heroína), longe da hegemonia dos romances da época, em que se trazia a mocinha pura sempre a ser encaminhada e libertada pelo herói masculino. O aspecto insurgente de uma consciência feminina e a insubmissão das heroínas (A rainha do Ignoto e suas paladinas), se opõe à construção histórica do machismo e do patriarcado no embevecer das centenas de anos.
O empoderamento feminino na obra de Emília Freitas é bastante sólido e é um marco sinalizador durante todo o romance. A personagem Funesta se manifesta em diversas vezes com uma espécie de embargo à misoginia, uma mulher que ultrapassou a condição limitada das mulheres da cidade, lutando contra as injustiças, com ousadia e sarcasmo, nada distante do que pensava a autora.
Emília Freitas representa talvez, sua própria história com uma pitada de “desejo de ser”, com todas as emoções que uma mulher pode carregar, suas afeições, virtudes, sonhos e sua arma mais importante: sua voz nunca reprimida. A utopia de um mundo em que as mulheres são fortes, viris e destemidas não diverge muito do mundo real almejado por muitas. O livro possivelmente, nunca foi feito para ser uma bandeira contra seus inimigos de um mundo autoritário, mas a sua defesa pela luta por direitos comuns, uma fortaleza contra os descasos e injúrias de uma época em que as mulheres não tinham voz nem vez.
Discussões sobre direitos femininos aquecem movimentos feministas e a famigerada teologia feminista, que dentro e fora das academias discutem o empoderamento e estão engajadas em movimentos sociais em direitos das mulheres e sua visibilidade. Para Judith Plaskow,
As mulheres estão articulando os problemas com a teologia tradicional e lutando por maneiras de expressar suas novas relações com suas tradições e com eles próprios. Se a teologia feminista, que está apenas começando a emergir desta luta, tem alguma característica distinta, isso pode ser a sua fidelidade às experiências que a geram; conteúdo e processo são inseparáveis. (PLASKOW, 2003, p. 23).
Quase 100 anos antes do crescimento em debate da teologia feminista e movimentos feministas, Emília Freitas já tinha esse vislumbre de empoderamento feminino, tanto em sua vida particular como na sua obra. A obra desta autora traz lampejos de diálogos oitocentistas, com personagens masculinos (e alguns femininos) machistas e também, alguns feministas totalmente à frente de seu tempo, como Diana. Convergente à essa personagem, os arquétipos femininos fortes são encontrados na história miológica sumeriana de Lilith, assim como nos mitos gregos e romanos de deusas, com perfis não só de beleza metafísica extraordinariamente enaltecidas, mas de imagens narrativas de força, coragem e supremacia. A deusa grega Artêmis vinculada a deusa romana Diana[29] sempre tiveram relação com a Lua e esta, sempre ligada à magia que, por ter fases, está associada ao mítico.
Personagens como ela, fortes e empoderadas foram praticamente abolidas de livros, ou comentadas em pequenas notas por homens para que não acendam suas chamas. A sociedade patriarcal, desenhada pelo poder da masculinidade, abstraiu o poder econômico, político e social com a intenção de tão somente dominar ideologicamente e culturalmente mulheres de todas as sociedades. E Simone de Beauvoir substancia dizendo que “no regime patriarcal o homem tornou-se o senhor da mulher e as mesmas qualidades que atemorizam nos animais ou nos elementos indomados tornam-se qualidades preciosas para o proprietário que as soube domesticar”. (BEAUVOIR, 1970, p. 196).
Partindo dessas premissas, é possível compreender o início da desigualdade de gênero, trazendo a cultura tribal da antiguidade como modelo familiar, a constituição familiar do patriarcado como núcleo o homem; aquele que detém o poder, e a mulher apenas um fardo, ou um serviçal ou escrava.
Gerda Lerner ainda complementa:
O precedente de considerar mulheres um grupo inferior permite a transferência desse estigma a qualquer outro grupo que seja escravizável. A subordinação doméstica de mulheres criou o modelo com base no qual a escravidão se desenvolveu como instituição social. (LERNER, 1990, p. 155).
Nesse contexto sociocultural, instituições educativas e sociais machistas emergem e se solidificam, assegurando e perpetuando uma ordem material e ideológica, com o capitalismo como base organizacional. Esse estilo de vida não apenas se torna um paradigma a ser seguido, mas também se entrelaça aos valores éticos da sociedade, sendo promovido e legitimado pelo discurso dominante. Embora esse processo não seja linear, sua relevância e influência social ainda hoje refletem a herança machista patriarcal em nosso cotidiano. Mesmo com algumas mudanças, essa lógica organizacional ainda se opõe à autonomia das mulheres em busca de igualdade de gênero.
Embora as narrativas sirvam de pano de fundo para reflexões a partir das experiências das mulheres e à luz dos estudos de gênero, as figuras de Lilith e Funesta continuam a se cruzar, apesar de suas histórias distintas. O ponto de convergência entre ambas está na compreensão da liberdade, sendo reimaginadas na modernidade como símbolos de mulheres emancipadas. Este artigo explora duas personagens notáveis em uma trajetória de igualdade de gênero que não deve cessar: Funesta, personificada na obra de sua autora Emília Freitas, que resistiu ao machismo de sua época, e Lilith, a primeira mulher da mitologia bíblica, muitas vezes interpretada como a primeira feminista e que lutou bravamente por seus direitos.
O questionamento atual sobre a linguagem, as premissas e os métodos teológicos pelas mulheres em diferentes esferas da vida religiosa apresenta tanto críticas quanto elementos construtivos. As mulheres estão desafiando as teologias tradicionais e buscando novas formas de relacionar-se com suas tradições e dialogando consigo mesmas. Recolocar Lilith no centro da discussão, nos leva a questionar a invisibilidade de muitas mulheres cujas histórias foram silenciadas, com seus nomes esquecidos ao longo da história.
A Teologia Feminista, que surge dessa luta, tem como uma de suas características fundamentais sua fidelidade às experiências que a originam, entrelaçando o conteúdo e os processos de forma inseparáveis, buscando a igualdade. Dado que essa teologia emerge de um processo de conscientização, é crucial que ela permaneça conectada às emoções e percepções desenvolvidas durante esse despertar, tornando-se, assim, uma extensão contínua dele. Embora as experiências possam ser os pontos de partida para reflexões abstratas e generalizadas, no caso da Teologia Feminista, a estreita relação entre experiência e teoria é indispensável, sendo central à natureza do processo de conscientização e fortalecimento.
Por fim, o diálogo sobre o feminismo pode exacerbar discussões de movimentos tanto político como culturais, que teimam em deixar de lado a fragilidade e a importância do tema e com o propósito de gerar transformações profundas nas práticas pessoais, na liderança e na participação das mulheres nos processos decisórios, em um contexto em que questões de gênero, identidade e direitos humanos estão no cerne das discussões sociais e políticas, oferecendo diálogos teóricos e práticos para enfrentar mais desafios de maneira ética e inclusiva, tanto em espaços acadêmicos quanto fora deles.
Este artigo ergue a bandeira da luta feminista nos mais diversos setores político-sociais, questionando o paradigma hegemônico consolidado pela modernidade. Ao desafiar discursos e práticas que perpetuam a desigualdade de gênero, propõe uma visão da divindade e da religião alinhada à contemporaneidade, fundamentada na equidade entre homens e mulheres. Esse debate é essencial para impulsionar a inclusão e a distribuição equitativa de poder em todos os âmbitos, contribuindo para a construção de comunidades mais conscientes, justas e representativas.
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[1] Arquétipo significa um padrão inicial de representatividade humana. Um modelo.
[2] Deusas suméria, babilônica e fenícia, respectivamente. São muitas vezes associadas como uma única personagem mitológica. Astaroth é a deusa ou princesa coroada do submundo. Robert Graves e Raphael Patai em seu livro Hebrew Myths: The Book of Genesis,1964, pag. 26-27 - Relatam que as deusas eram bastante conhecidas pelos hebreus da Bíblia e eles adoravam e se curvavam diante da imagem de Asherah (2 Reis 21:7; 2 Crônicas 17:6, etc), mencionada em Juízes 3: 7; 25-26,30; Livro dos 1 Reis 16:33, 18:19, etc. As divindades matriarcais foram praticamente apagadas, dando lugar a organização patriarcal de um único Deus Homem. O livro está disponível em inglês: https://archive.org/details/hebrew-myths-book-of-genesis-robert-graves-raphael-patai/page/26/mode/2up (Acesso em 22/11/2024).
[3] PATAI, Raphael. The Hebrew Goddess 3rd Enlarged Edition, Wayne State UP, Detroit, 1990, p. 222, 223. O autor relata que em Isaías 34:14 há apenas a alusão (lamia-Lilith) ao que alguns acreditam ser sobre o mito Lilith na passagem.
[4] PATAI, 1990, p. 221, 222. O autor também revela que Lilith foi mencionada pela primeira vez em menção a um demônio (o pai do grande herói Gilgamesh), cujo nome era Lillu, pertencente a classe de íncubus-súcubus. Eram quatro os grandes demônios e Lilith era um deles. As Epopeias de Gilgamesh datam de 2.400 a.C. Nos contos, Lilith vira antagonista, contrapondo Inanna, que no cânone bíblico é posteriormente substituída por Eva.
[5] O exposto em latim, traduzido do hebraico do profeta Isaías 34:14, traz a tradução “lamia” que possui um significado vil e demoníaco, como um vampiro. O versículo 14 fica assim: “Et occurrent daemonia onocentautis, & pilofus clamabit alter ad alterum; ibi cubauit lamia, & inuenit fibi requiem.” O exegeta Gabriel Alvarez em 1623, na página 1303, comentário 149, atribui que há interpretações de “lamia” ser referenciado a Lilith.
[6] O Alfabeto de Ben Sira ou Ben Sirae. Ṿenetsiyah: di Fari, 1544, 174p. Manuscrito.
[7] Não foi possível fazer a transcrição direta do manuscrito em aramaico citado acima, porém Eisenstein na obra citada mais adiante, versa a passagem em hebraico do texto de Ben Sira.
[8] O Zohar. O Livro do Esplendor. Passagens selecionadas pelo rabino Ariel Bension. Traduzido para o português por Rosie Mehoudar e Rita Galvão. Editora Polar Editorial, 2006, 480 p.
[9] SCHIEFERDECKER, 1678. O autor traz um estudo sobre a história de Adão a partir de textos em hebraico. Ele explora a história de Adão/Eva/Lilith/Serpente.
[10] O mesmo livro citado na referência anterior (9), conta exclusivamente a história de Adão com análises exegéticas. Na obra em latim, o autor chama a criatura de Lilis, Lilifa e Lilith, que são citadas nas pags. 8, 9, 10 (não numeradas), contando a história da primeira mulher a partir de textos talmúldicos, o livro de Zohar de Ben Sira. O documento também relata a possível androgenia de Adão p.12 (Daí ter sido Eva feita de Adão), essa tese é defendida por alguns estudiosos a partir de Gen. 1:26,27; Gen. 1:21-23. Contudo, esse estudo não está atrelado a esta pesquisa.
[11] As Crônicas de Jerahmeel. Traduzido pela primeira vez por um manuscrito único da Biblioteca Bodleian por M. Gaster.
[12] Resumo e tradução nossa do inglês, páginas 48 e 49 do livro citado na referência anterior (11) - Segundo o documento, Adão estava separado de Eva por 130 anos e dormia sozinho e a primeira Eva, que é Lilith, o encontrou e ele encantou-se por sua beleza. Deitou-se com ela e gerou milhares de diabinhos que atacavam e matavam as criaturas do Éden. Matusalém implorou misericórdia à Deus para matar todos os demônios, até Ágrimus, o primeiro nascido de Adão. Uns foram mortos, outros trancafiados e alguns se esconderam nas profundezas do oceano.
[13] FREEDMAN, SIMON, 1939. O nome de Lilith não aparece no Rabbah, mas há alusões bem específicas na p. 142 (18.4) Tradução nossa: “R. Judá b. Rabino disse: No início Ele a criou para ele e ele a viu cheia de fluxo e sangue; então Ele a removeu dele e a recriou uma segunda vez. Daí ele disse: Desta vez ela é osso do meu osso”. E na p. 187 (22.7) “Judá b. Rabino disse: A briga deles foi por causa da primeira Eva. Disse R. Abiu: A primeira Eva voltou ao pó. Então sobre que foi a briga deles”?
[14] O Talmud babilônico 1 traduzido em francês que tive acesso, é a primeira parte de 10 de uma compilação de 72.000 páginas do original, e que fala sobre a Criação. (Ver referência 16).
[15] Talmud babilônico1. Resumo e tradução nossa do francês, página 186 e 187: O Talmud (Volume 1) conta supersticiosamente que, durante o parto de uma mulher judia deve escrever o nome de Adão e Eva dentro do quarto e Lilith do lado de fora, na parte inferior da porta os nomes dos três anjos Senoi, Sansenoi, Samangheph, orando para que se nascer um recém-nascido homem que se pareça com Adão e Eva, se for mulher, que o espectro inimigo seja removido.
[16] “O Talmud apelidado de Jerusalém certamente não foi concluído antes do final do século IV. É, portanto, provável que este Talmud tenha sido compilado essencialmente por adeptos da escola de Tiberíades, que concordaram e chegaram a um acordo sob o nome deste R. Yohanan. A Mishná, doravante imutável, tornou-se o único livro legal”. In: O Talmude de Jerusalém 12, 1890, pag. 16.
[17] Le Talmud de Jérusalem 1. Resumo e tradução nossa do francês, página 28 (XXVIII da introdução): O volume 1 do Talmud revela o mito que os demônios, alegoricamente, devem seu nascimento às quatro mães, espectros noturnos, chamadas Lilith, Naama, Aguereth e Malala. Cada um desses quatro espectros governa durante uma estação do ano e se reúnem perto do Monte Naspa. Esses demônios representam os vícios que prejudicam o estado moral do homem, e a primeira é a ignorância, representada por Lilith, “ave ou espectro noturno, que só gosta da escuridão e que é inimiga mortal da infância e que abomina a educação” (na mesma página).
[18] Talmud de Jerusalém 12. Resumo e tradução nossa do francês, página 43 (XLIII): O volume 12 do Talmud traz a Criação com o mesmo texto do Vol.1 e menciona Lilith na pag. 28 (XXVIII da introdução); O livro 12 traz o trajeto da compilação do Talmud de Jerusalém, datas, tabelas, como deu-se a tradução em francês, etc.
[19] EISENSTEIN, 1915, p. 47. Nessa página do Midrash o autor conta a história da criação de Lilith e sua insubordinação à Adão.
[20] Resumo e tradução nossa do livro escrito em hebraico pelos aplicativos Language Translator e Reverso.net.
[21] Por conta dos escritos das epopeias de Gilgamesh e da cultura mesopotâmica escritores ao longo dos anos revisitavam obras em que a personagem Lilith era atribuída à demônios.
[22] Com o crescimento da Teologia da Libertação e da Teologia Feminista.
[23] Plaskow teóloga e ativista americana refuta essa denominação na pag. 82 do seu livro The Coming of Lilith: essays on feminism, Judaism and sexual ethics: “Lilith não é um demônio; pelo contrário, ela é uma mulher chamada de demônio por uma tradição que não sabe o que fazer com mulheres fortes”.
[24] Na Bíblia, o Livro de Gênesis não menciona o nome dela, em toda a história bíblica ela é descrita apenas como “a mulher de Potifar”, todavia de acordo com minhas pesquisas, com fontes judaicas (Talmud) e a tradição islâmica, o nome dela é Zuleica (em hebraico: זוליכה; em árabe: زُلَيْخَا , em aramaico: Zelîchâ ou Zuleichâ). Encontrei menções dela no livro Ibn Abdolhakami Libellus de historia Aegypti antiqua, pag. 34, que conta a história de José do Egito e no rodapé é mencionado o nome da esposa de Potifar, no livro escrito em latim: “Uxor al Azizi" deve ser traduzido, pois Zuleïka, a amada esposa, é mencionada naquele lugar (tradução nossa), e no Livro de Vocabulário da Língua Persa de Samuel Rousseou, 1802, pag. 483, 484, há Zuleikha, esposa de Potiphar. Já no livro de H. Polano, Seleções do Talmud, 1876, pag. 99, 100 e 101 (ela é mencionada nas três páginas), e neste trecho também conta a história de José do Egito (tradução e resumo nosso) e diz que, José aos 18 anos possuía uma beleza que não podia ser encontrada nas terras do Egito, e assim sendo, atraiu a atenção de Zelicha, esposa de Potifar.
[25] O professor Otacílio Colares da Universidade Federal do Ceará promoveu uma segunda edição desta obra oitenta anos depois, apesar de alguns pequenos problemas de edição, que depois foram sanadas na terceira edição organizada pela professora Constância Lima Duarte, da Universidade Federal de Minas Gerais.
[26] Termo em inglês característico e estereotipado como um sujeito que possui muito dinheiro e se vangloria disso, normalmente, refere-se ao indivíduo jovem, ocioso e solteiro, cuja vida social é muito movimentada.
[27] A obra não sustenta a melancolia da Rainha do Ignoto. Não se sabe ao certo as dores que a personagem carregava, contudo, a personagem Diana (Funesta) lembrava sempre da sua infância feliz e da dor da saudade dos pais. Na obra ela relata que nunca amara ninguém romanticamente e nem sente falta disso. O suicídio dela no final da obra nos traz incertezas de um profundo pesar de sua melancolia, amplamente traduzida na obra. Segundo Freud, “Os traços mentais distintivos da melancolia são o desânimo profundo penoso, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade, e uma diminuição de sentimentos de auto-estima a ponto de encontrar expressão em auto-recriminação e auto-envilecimento, culminando numa expectativa delirante de punição” (FREUD, 1974, p. 276).
[28] O realismo magico ou fantástico possui características de causalidades de “mágica” se ajustando ao fato natural, correlacionado ao sobrenatural.
[29] O poeta lírico romano Catulo em seu Hino à Diana a denomina de Lua e deusa. Na mitologia ela não é nada subserviente, a deusa Diana também denota uma mulher guerreira, bela, justa e impiedosa contra caçadores, mas também é vista como pura e virgem. Podemos destacar a história mitológica de amor de Diana e Endymion (que não é bem uma história de amor, pois era platônico e há versões diferentes), o autor Ronald Pepin, traduziu para o inglês, o livro Mitógrafo do Vaticano que entre outras histórias, conta a fábula de Diana e Endymion nas páginas 224 e 264, 265; também no livro chamado Aradia, o Evangelho das Bruxas de Charles G. Leland, há um romance fictício entre Diana e Lúcifer, que concebem Aradia, a primeira bruxa, e a obra cita Endymion. O livro de Ben Sira faz essa conexão entre esses nomes (Lilith/Diana) na página 161, transcrito por John Selden em 1617.