O presente número da Teoliterária está centrado em dois eixos: metáforas da vida com uma série de reflexões resultantes do Congresso da ALALITE realizado na UCA -Universidade Católica Argentina em 2023 e outra parte composta por artigos que no geral apontam para o tema da resistência. Em ambos os casos, os autores apontam sempre para a literatura e a arte como fomentadores de esperança em tempos difíceis e situações limítrofes. Essa esperança faz vislumbrar os horizontes da vida mesmo para além dos limites em que a morte parece se impor como fora o período da pandemia da COVID-19.
Sob a coordenação de Cecilia Avenatti de Palumbo, o bloco “LAS METÁFORAS DE LA VIDA”, traz reflexões que discorrem sobre temas como silêncio, jogo, música, dança, alegria, paraíso, conversa sobre símbolos como círculos e quadrados, reflete sobre ritos e a morte entre outros temas que se se tonam metáforas da Vida no qual é possível vislumbrar os traços do divino e do sagrado.
Fernando Ortega em seu texto Mozart, del Edén al Reino, reflete como a obra musical sobre a morte, se tornou instrumento para superação da “noite do espírito” e uma redescoberta do sentido e da beleza da vida. Luce López-Baralt no artigo El silencio como metáfora de la vida mística en San Juan de la Cruz, ressalta o aspecto poético da obra do místico São João da Cruz que embora reconhecendo a limitação das palavras para expressar o que é indizível no mistério de Deus, usa exatamente dessa metáfora do silêncio como aproximação de sua experiência do Deus Vivo.
A ontologia trinitária de Klaus Hemmerle e Hans Urs von Balthasar é interpretada trabalhada por Maria Benedetta Curi em uma abordagem estética em seu artigo: Ser Y Juego Teatral. A “carta de cumpleaños del pensamento” escrita por Klaus Hemmerle à Hans Urs von Balthasar serviu de base para a denominada ontologia trinitária. A autora aborda a metáfora do jogo, explorando as dimensões performáticas da dança, da música e do teatro, como parte de uma “ontologia dançante” que ajude a repensar a estética diante da atual situação de crise cultural antropológica e cultural, apontada pela autora.
Na sequência das metáforas, Silvia Magnavacca, trabalha com A alegria dos sentidos em San Agustín apresentando suas metáforas para a alma. Ao analisar, o pensamento de Agostinho sobre o corpo, especialmente tendo em vista o aspecto da sensualidade, a autora destaca o caráter realista e positivo diferindo da alegada imagem sombria atribuída ao autor sobre o tema. Esta leitura positiva é o que permite, segundo a autora, a célebre afirmação “Tarde te Amei”, como resultante da leitura metafórica positiva da vida.
Em uma abordagem mais filosófica, Patricio Mena Malet, propõe uma fenomenologia da paciência em seu artigo: La paciencia de la vida Nacimiento, afectividad y apertura en la existencia humana. A busca de sentido da existência humana é abordada a partir das reflexões sobre o nascimento como fundante, que se desdobra na vida afetiva e ao longo da vida vai expandindo os horizontes da vida.
Os curtas-metragens do cineasta argentino Gustavo Fontán, servem como material de análise do artigo de Adriana Cid intitulado: Ritual de la mirada y experiencia de paisaje en un díptico de Gustavo Fontán. A experiência do confinamento imposta no período da pandemia e a, provocaram um olhar descobrir as metáforas da vida a partir da paisagem de um terraço que permitisse transpor proximidade da experiência diária de tantas mortes. O texto aborda a aborda a produção cinematográfica pelo víeis da semiótica e da fenomenologia do espectador.
O segundo bloco de artigos aborda a vida humana e seus paradoxos, mesclando temas como resistência e esperança nas imagens literárias de renomados autores latino-americanos que recorrem à inspiração bíblica ou ainda à mitologia clássica.
Por meio de recortes históricos do Secos & Molhados, Emerson Sbardelotti faz um balanço de 50 anos de carreira propondo um diálogo entre teologia e poesia por meio das obras do grupo musical. A dura realidade das ditaduras militares impunham uma falsa moral que foi contestada tantão pelas metáforas da música popular quanto pela teologia da libertação. A proposta do autor, visa reforçar a mensagem libertadora e contestadora da arte com uma mensagem de esperança pujante e necessária para os tempos de desejado retrocesso defendido em tantas esferas, bem como na teologia.
A temática da resistência reaparece no artigo de Ricardo Alexandre Ferreira, que aborda também A solidariedade como ponto de convergência da literatura e a teologia de em uma proposta de diálogo teopoético. O artigo aproxima a experiência do holocausto pelos judeus em Auschwitz e marcam a obra do teólogo alemão Johann Baptist Metz, à experiência no genocídio ruandês vivida pela escritora Scholastique Mukasonga. A reflexão demonstra como o diálogo entre teologia e literatura pode colaborar com a recuperação da identidade histórica e cultural da sociedade, assim como pode fortalecer as resistências e lutas em vista da justiça e no fortalecimento de esperança de um mundo mais fraterno.
Resistência e contestação protagonizadas por personagens femininas é o enfoque do artigo: A Epítome De Lilith E Obra A Rainha Do Ignoto: Como Se Entrelaçam As Personagens No Imagético Teológico Feminista Transcendente. Diana Diniz de Carvalho parte de Lilith, personagem mitológica sumeriana símbolo da independência e identidade feminina e traça um paralelo com Funesta, personagem da escritora cearense Emília Freitas. O paralelo entre as duas personagens serve para a autora traçar alguns elementos da teologia feminista que pode ser enriquecida pelas figuras emblemáticas das literaturas mitológica antiga e personagens da literatura nacional.
A condição paradoxal do ser humano em sua entre o bem e o mal, é abordada por Rodrigo Felipe Veloso em seu artigo: Luz e sombra: minha árvore frutífera”: entre o sagrado e o profano, a verdadeira pedra filosofal do humano em Machado de Assis. As obras analisadas são: “Adão e Eva” e “O enfermeiro” nas quais a visão Machadiana de como o ser humano participa da criação, mas logo rompe e desconstrói o plano divino do criado. O processo alquimico leva a uma passagem pela morte como caminho para uma vida restaurada. O autor diáloga também com a antroplogia por meio de Arnold Van Gennep, da psicologia com Carl Gustav Jung e da crítica literária com Georges Bataille.
Outra obra Machado de Assis é abordada no artigo de Carlos Mário Paes Camacho em Brás Cubas como Coélet fluminense. O autor destaca a importância de temas bíblicos na Obra de, mais especificamente no romance Memórias póstumas de Brás Cubas. Defende ainda que os questionamentos sobre o sentido da vida característicos do livro do Eclesiastes servem de inspiração e permeiam esta importante obra da literatura brasileira.
Na sequência de artigos com literatos brasileiros, Mateus de Novaes Maia explora a centralidade da água no conto A Terceira Margem Do Rio, De Guimarães Rosa, para fazer uma análise da obra com base na teologia de Tertuliano de Cartago e sua leitura da natureza da Santíssima Trindade. Assim como Tertuliano apresentava a água como elemento da ação do sobrenatural, também a figura do rio na obra de Guimarães Rosa se torna mediação para o extraordinário e o espiritual.
Mayron Rodrigues Cordeiro da Silva analisa uma obra de ficção científica FAHRENHEIT 451 de Ray Bradbury destacando na obra elementos que a conectam com os ciclos de criação, transformação, decadência e recriação, elementos próprios das cosmogonias clássicas. A partir dessa aproximação, o autor demonstra a perenidade de elementos da mitologia em obras da literatura contemporânea e traça um diálogo com autores Adam Roberts, Northrop Frye e Mircea Eliade traçando uma conexão entre a literatura contemporânea e a mitologia clássica.
O tema da criação e seus atuais desafios é retomada em dois artigos em diálogo com a teologia atual tendo como base a inspiração e provocações do Papa Francisco sobre o tema. Cruzando Fronteiras Disciplinares: Por Uma Pedagogia Da Visibilidade Da Casa Comum de André Augusto Diniz Lira, busca aplicar o conceito de Casa Comum para além da reflexão teológica na busca de diálogo como a psicologia e sociologia, bem como o campo das artes. O ponto de partida é a poesia do alagoano Lêdo Ivo e do fotografo Sebastião Salgado, recentemente falecido que certamente deixaram um legado de amor pela Casa Comum.
Os registros musicais do Brasil colônia servem de base para o artigo de Sebastião Gonçalves Feitosa que apresenta os Vestígios de história da orquestra brasileira em narrativas sobre a colonização. O material discutido mostra como a formação dos primeiros grupos musicais contaram com a participação de mulatos, mestiços indígenas e negros forros ou escravos. O autor argumenta a influência dos fatores socioeconômicos na formação dos grupos musicais com desdobramentos nos papeis religiosos, cívicos e artísticos da sociedade colonial brasileira.
O presente número conclui uma resenha de Emerson Sbardelotti, sobre a CARTA DO agora saudoso Papa Francisco Sobre o Papel da Literatura na Educação divulgada em 2024. Embora, o foco primeiro fosse a formação dos futuros sacerdotes, ele destacava a importância da leitura de romances e poemas como instrumentos para o amadurecimento pessoal e, obviamente, no amadurecimento da fé e dos horizontes da teologia.
Boa leitura
Antonio Genivaldo Cordeiro de Oliveira
Editor